Passará mais uma quadra estival, e, como
habitualmente as estatísticas das operações de segurança na estrada não serão
animadoras nem encorajadoras.
Continuaremos morrendo alegremente nas estradas,
ainda que não perceba qual a nossa mórbida preferência pelo Verão, Natal ou Ano
Novo. Por mim o período que atravessamos será não só o mais agradável como
correcto, pois por enquanto quer as forças de segurança quer os bombeiros, não
têm ainda que se haver com a praga dos fogos.
Gostos não se discutem, o que vale a pena discutir
são os “cavalos” e os “air bags” das nossas máquinas, cada vez mais potentes e
seguras, pois não queremos, na estrada, ser ultrapassados por qualquer artola,
ou morrer ao volante de um veículo infame, mais para burro que para Ferrari, o
que em nada dignificaria uma morte tão digna como a que todos certamente
ambicionamos.
Para nós, pelo menos nesse momento, só o melhor.
Mas o tempo não está para paleio macabro, vou mas é
aproveitar estes dias de sol e dar um passeio.
Tenho já saudades da sensação que a adrenalina
provoca em mim, e não são os cigarros nem o atravessar das passadeiras que me
fazem vibrar.
Tiro a mota da garagem, acciono o start e deixo-a
ronronar enquanto o motor aquece.
Parece-me bela ainda, tal como no dia em que,
apaixonado, a fui buscar ao stand. Há algo de subtil nas suas linhas, e não é
somente o seu aerodinamismo que me cativa, antes a silhueta.
Experimentem observá-la do posto de pilotagem, tem
algo de feminino que não sei explicar, as medidas são as de uma modelo de topo,
género 86 – 45 – 86, não brinco, o depósito, largo e bojudo lembrando um peito
generoso, esconde um motor potentíssimo, alma que a anima, que me anima, o
banco ou selim, estreito e escorreito, para que me possa cingir bem nela como
quem abraça uma mulher pela cintura, a traseira de ancas largas, albergando um
pneu de medidas soberbas e base de muita tracção e segurança neste tipo de
veículo.
Fato desportivo vestido, ajusto o capacete e parto
sem destino.
Como é diferente de um carro, um carro é um sofá com
rodas, bem pensado esteve aquele anúncio na TV que assim os retratou,
efectivamente nunca um carro me seduziu, nem o porte nem a velocidade. Sou aliás
condutor cauteloso, respeitador, cortês, nunca buzino nem faço gestos menos
próprios a quem quer que seja, e lembro-me que atrás de uma bola vem sempre uma
criança, respeito religiosamente o código e os limites de velocidade, sou mesmo
um condutor exemplar.
Mas como é diferente a mota, como todo eu fico
diferente, há quem vá para o rio pescar, ou quem vá ao futebol, ao cinema, ou
beber uns copos para libertar o stress da semana.
Gosto de andar de mota, sem destino tantas vezes,
sentir o vento, a velocidade, a vertigem.
Instintivamente busco as estradas largas, bom
asfalto, algumas curvas, 120 em segunda, 180 em terceira, 220 em quarta, 280 em
quinta, 300 em sexta, tenho mais motor que estrada, mais velocidade que o
necessário, a 180 rolo pacatamente em velocidade de cruzeiro, a mota ainda
parecendo parada.
Tudo que seja menos de 200 quilómetros/hora não dá
para aquecer, só a partir dos 220 a estrada se altera, fica mais
estreita, afunilada, como quem olha até a vista a perder, uma linha de caminho
de ferro.
É aí que está o paraíso, é a partir daí que as
sensações valem a pena, é a partir daí que a adrenalina entra em ebulição, é aí
o limite mínimo das sensações que se procuram, é nessa faixa estreita entre os
230 e os 300, que o milagre acontece.
Que o expliquem psicólogos e psiquiatras, que o
perceba a Prevenção Rodoviária, que o entenda quem saiba ou for capaz, eu não
sei, não compreendo, não entendo, que torna o homem-máquina um monstro ? o
risco ? a vertigem ? o desafio ? a inconsciência ?.
Mas se eu até sou um cidadão exemplar !
Acelero quanto posso, curvo perigosamente nos
limites, travar a estas velocidades é erro crasso, o joelho quase a raspar o
chão, abro a perna dobrada para o lado em que curvo, é um freio aerodinâmico
precioso, o corpo tombado sobre a mota equilibra as forças em presença e
contraria a força centrifuga, o tronco deitado sobre o depósito diminui a
resistência ao vento e baixa o centro de gravidade, os sentidos alerta, os
olhos, como um radar, perscrutam a estrada muitos metros adiante observando
minuciosamente tudo, os reflexos apurados antecipando tudo.
Homem e máquina são um só, nem uma mulher consegue
tal simbiose, nem prolonga no tempo e no espaço tal comunhão.
É uma sensação medonha, avassaladora, viciosa,
viciante, a dependência é total.
Porque somente o tabaco, o álcool, as drogas, são
socialmente condenados? quem acode ao monstro que vive em mim ? em nós ?.
Nem eu nem tantos outros nos lembrámos ainda de ir
escrevendo o epitáfio, mas seria bom que não fossemos apanhados desprevenidos,
como tantas vezes acontece na estrada, apesar de cautelosamente anteciparmos
tudo.
One more summer season will pass, and as usual the statistics of road safety operations will be neither encouraging nor encouraging.
We will continue to die happily on the roads, even if you don't understand our morbid preference for Summer, Christmas or New Year's. For me, the period we are going through will be not only the most pleasant but also correct, because for the time being both the security forces and the firefighters do not have to deal with the plague of fires.
Tastes are not disputed, what is worth discussing are the “horses” and the “air bags” of our machines, which are increasingly powerful and safe, as we do not want, on the road, to be overtaken by any toy, or to die behind the wheel. of an infamous vehicle, more for a donkey than a Ferrari, which would in no way dignify a death as dignified as the one we all certainly aspire to.
For us, at least for the moment, only the best.
But the weather is not for macabre talk, I'm going to enjoy these sunny days and go for a walk.
I already miss the feeling that adrenaline causes in me, and it's not the cigarettes or crossing the treadmills that make me vibrate.
I take the bike out of the garage, hit the start and let it purr while the engine warms up.
She still looks beautiful to me, just like the day I, in love, went to pick her up at the stand. There's something subtle about its lines, and it's not just its aerodynamics that captivates me, it's the silhouette.
Try to observe it from the cockpit, there's something feminine that I can't explain, the measurements are those of a top model, gender 86 – 45 – 86, no kidding, the tank, wide and bulging reminding a generous chest, hides a very powerful engine, a soul that animates it, that encourages me, the seat or saddle, narrow and slender, so that I can gird myself well in it as if hugging a woman by the waist, the back of wide hips, housing a tire of superb measurements and basis of a lot of traction and safety in this type of vehicle.
Sports suit on, I adjust my helmet and leave without a destination.
As it is different from a car, a car is a sofa with wheels, well thought was that TV ad that portrayed them, in fact, never a car seduced me, neither the size nor the speed. I am, moreover, a cautious, respectful, courteous driver, I never honk or make gestures less appropriate to anyone, and I remember that a child always comes after a ball, I religiously respect the code and speed limits, I am really a driver exemplar.
But as the motorcycle is different, as I am all different, there are those who go to the river to fish, or those who go to football, to the movies, or have a few drinks to release the stress of the week.
I like to ride a motorcycle, with no destination so many times, feel the wind, the speed, the vertigo.
Instinctively I look for wide roads, good asphalt, some curves, 120 in second, 180 in third, 220 in fourth, 280 in fifth, 300 in sixth, I have more engine than road, more speed than necessary, at 180 I roll peacefully in speed cruising, the bike still seems to be stopped.
Anything less than 200 kilometers an hour cannot heat up, only after 220 does the road change, it gets narrower, funneled, as if looking at the sight to lose, a railway line.
That's where paradise is, it's from there that the sensations are worth it, it's from there that the adrenaline comes to a boil, that's the minimum limit of the sensations you seek, it's in that narrow range between 230 and 300 , that the miracle happens.
Let psychologists and psychiatrists explain it, let Road Safety understand it, let anyone who knows or is able to understand, I don't know, I don't understand, I don't understand, what makes the man-machine a monster? the risk ? the vertigo? the challenge ? unconsciousness?.
But if I am even an exemplary citizen!
I accelerate as much as I can, I corner dangerously at the limits, braking at these speeds is a blunder, my knee almost scrapes the ground, I open my bent leg to the side I bend, it's a precious aerodynamic brake, the body lying on the bike balances the forces in presence and counteracting the centrifugal force, the trunk lying on the tank reduces wind resistance and lowers the center of gravity, the senses alert, the eyes, like a radar, scan the road many meters ahead observing everything minutely, the reflections determined anticipating everything.
Man and machine are one, neither a woman achieves such symbiosis, nor does she prolong such communion in time and space.
It's a horrible, overwhelming, addictive, addictive feeling, the dependence is total.
Why are only tobacco, alcohol and drugs socially condemned? who comes to the monster that lives in me? in we?.
Neither I nor many others have yet thought of writing the epitaph, but it would be good if we were not caught off guard, as so often happens on the road, despite cautiously anticipating everything.