segunda-feira, 11 de julho de 2011

67 - Fantoches...



A expressão fantoche, hoje aqui trazida à baila, nada mais significa que aquilo que o texto sobre ela diz e os dicionários de língua portuguesa sobre a mesma elucidam. Qualquer comparação com a realidade é pura ficção e está muito longe do meu pensamento ao produzir o texto, espero que não suscite confusões nos vossos espíritos.

Sobre a palavra “fantoche” diz-nos o Dicionário Prático Ilustrado, da Lello, um dos melhores, que fantochada se refere a cenas ridículas, e que um fantoche não passará de um autómato, ou boneco que se faz mover por meio de cordelinhos, daí a expressão “mexer os cordelinhos”, indivíduo que não se pode sob pretexto algum, acrescentaria eu, levar a sério.

Já o Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse Selecções, volume II, uma referência a nível mundial, é mais completo na designação, mais abrangente, nele surgindo, para além das impressões já apontadas, expressamente designada por “fantoche”, pessoa que fala e procede conforme vontade alheia, títere, sendo neste, ou sobre este último atributo que iremos fazer incidir o nosso texto de hoje, já que títere, segundo o mesmo dicionário, não passa de um boneco que imita gestos humanos, marionete, palhaço, bufão, indivíduo que se deixa levar por outrem, que age por inspiração ou a mando de outrem, ou de outros interesses acrescentaria eu. 

Muito mais precisa é a designação que nos é dada pelo Dicionário Enciclopédico de Língua Portuguesa, das publicações Alfa, igualmente uma edição das Selecções do Reader’s Digest, 1º volume. Segundo ela, fantoche é um homem que para além do já dito, não pode nem deve vez alguma ou por um único segundo ser tomado a sério.

Na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, da Verbo, volume 8, são dedicadas a “fantoche” quase duas páginas! E quem quiser porventura ficar a saber mais que o condensado neste texto, deve consultá-la. Extensa e precisa, como acabei de vos esclarecer, e para além de tudo o dito e feito atrás, caracteriza todos os “fantoches”, entre outras coisas, como vivazes, maliciosamente astutos, com natural tendência para o improviso e valendo-se de recursos que não pouco os têm desvirtuado, todavia muito populares e com grande poder de comunicação com o povo.

Segundo esta enciclopédia os “fantoches” têm gozado de apoio oficial em Portugal. Contudo nem só na nossa terra existem ou existiram “fantoches”, é praga que está espalhada por todo o mundo. Estou a lembrar-me de um fantoche famoso, … sobre o qual muitos livros e filmes têm sido feitos, o “Último Imperador”, ou “Sete anos no Tibete” para citar apenas os de certo mais lidos e vistos pela população portuguesa.

Relatam eles a vida de Pu Yi (1906-1967), último imperador da China, que foi destronado aos vinte e seis anos, em 1932, quando da invasão japonesa, levado para a Manchúria, igualmente invadida e conquistada por estes últimos, e ali ficou, um “imperador fantoche” às ordens dos conquistadores, até que em 1945, outra guerra os venceria, a II Grande Guerra Mundial, e a Pu Yi dada a possibilidade, após julgamento e cumprimento da sentença, a possibilidade dizia eu, de uma vida normal, como um cidadão normal, coisa que ele nunca foi nem conseguiu ser.

É uma história triste a deste homem vale a pena lê-la.

Todos temos os nossos fantoches de estimação, também eu tenho o meu fantoche de estimação. Não nutro por ele aliás qualquer tipo de consideração, coisa que ele de todo não merece nem parece precisar. Tem mais de 30 anos de idade e por certo há-de morrer sem um arrobo de vergonha ou de dignidade, pois que se a tivesse, há muito que teria guardado na mala das quinquilharias o seu corpito de marionete.  

Por cá vai andando e empatando, como outros empataram, e eu, e todos, tolerando (os) sem vontade ou sem força para o (os) atirar para o lixo, destino que lhe (lhes) está reservado historicamente e sem apelo nem qualquer misericórdia, mais cedo ou mais tarde, quer tenham tido um curriculum oferecido, estudado no Chapitô, ou lhes tenham oferecido o canudo nos idos de setenta... 
              
O que mais custa é pagar-lhes as actuações, e tanto mais custa quanto bem caro vamos ter que pagar o riso que nos roubaram…     

sábado, 9 de julho de 2011

66 - QUANTO MAIS PRIMA ..................




Não consigo ver ou ler obra de Jorge Amado sem que me lembre de “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, tudo por uma analogia muito simples, um facto que traz em bolandas toda a minha família alargada, o regresso a este nosso cantinho à beira-mar da minha estimada prima Michele, agora Michele Legrand.

Regresso devido às frustrações induzidas nos franceses por Sarkozy que, segundo Michele, (ela adorava José Sócrates) nada mais acrescentou à grandeza da França que a beleza de Carla Bruni, beleza em que ninguém vai ferrar o dente, em contraposição com as reformas que ninguém queria nem aceitava mas que revoltaram e enganaram todos os franceses, os quais, como acontece por cá, naturalmente acabaram por as engolir...

Perante este cenário e manifestações quase diárias que a enfastiavam, ela que nunca soubera nem quisera saber o que fora domingo ou feriado, reformou-se assim que pôde e antes que fosse demasiado tarde...

Voltou agora, passados quase quarenta ou mais anos, não recordo bem, e voltou para regressar não às origens, pois não consegue habituar-se nem aos nossos descostumes, nem à nossa desarmonia, ela que, libertária, nunca se quedou ante os usos e fusos de cada terra, antes foi lesta, uma vez mais e como sempre na satisfação dos seus desejos, ela que desta vez nem hesitou fazer a trouxa e se prepara para zarpar rumo a uma miríade de ilhas no Pacifico que dá pelo nome de Polinésia e onde será impossível voltar a encontrá-la.

Michele, reformada de décadas de trabalho no Cirque du Soleil, e de amor livre em França, aguarda apenas um concílio familiar para decidir que fazer da sua vida, agora solta de horários e compromissos.

Eu rio-me da conversa,  Michele, que nunca se deixou prender a nada nem a ninguém só pode estar gozando, mas não goza, ta no sério, esperando os cinco maridos que teve ou tem, de cinco uniões apaixonadamente vividas, para o demonstrar três lindos rapazes (os dois mais velhos já homens) dessas amantíssimas uniões das quais resta uma tremenda e para nós inexplicável coesão familiar, daquelas que nem de encomenda se encontram.

É preciso conhecer Michele para a entender.

Miquelina de seu nome, não sei se por isso se por outras razões, a verdade é que demasiado cedo nos fugiu.

Antes de completar quinze anos teimara entrar num convento, sabia a catequese de cor e salteado sem que alguma vez tivesse lido o catecismo, e apenas minha avó Inácia a lograva ver de quando em vez pairando sorridente sobre nuvenzinha ténue que reflectia cores como as bolas de sabão e em que ela, Miquelina, cavalgando-as e vogando nos ares, afirmava estar ou ser tu cá tu lá com Deus e com Nossa Snhora.

Não lhe tendo sido feita a vontade na terra, cedo se despediu de todos sem que pessoa alguma a haja levado a sério, embora na verdade e chegado o Natal tivesse partido com o maralhal de um circo que descera à cidade, inserida na trupe dos malabaristas, arte em que viemos a saber era mestra, inda que, uma vez mais, ninguém soubesse explicar nem o como nem o porquê.

Jamais alguém a vira equilibrar-se numa corda, andar numa dessas bicicletas de duas rodas, nem sequer nas de uma roda só, jogar com pratos, bolas e garrafas ou até deitar facas, lume pela boca e fumo pelos ouvidos.

Desta fase da sua vida ficou-lhe a sensual tatuagem de uma borboleta dois dedos acima do rabo e por causa da qual houvera já um anterior concílio dos cinco maridos, que decidiram por unanimidade que ela não poderia sob pena de excomunhão apagar aquele símbolo, já tornado onírico para todos eles e que tanto os tinha marcado.

Não apagou e mostrou-me mesmo esse “papillon” colorido que tanta celeuma lhe causara ao longo de meia vida, pois Michele acredita vir a viver ainda outros tantos quantos os que conta.

Michele jamais prendeu um homem que fosse, amou sempre como quem respira e, desconfiando que um marido se afastava para outra paixão, tratava-o com todo o carinho e amor possíveis, fazia-lhe a trouxa e punha-o fora com tristeza e lágrimas verdadeiras, rogando-lhe que voltasse logo que essa paixão lhe passasse.

Desta forma juntou maridos e filhos numa comunidade para nós inconcebível, nem sei por que artes mágicas ou hipnóticas fez deles e à vez verdadeiros devotos, pois ao longo de quarenta anos os amou alternada mas nunca simultaneamente, tanto mais que os espera vindos numa carrinha de nove lugares, que trará ao concílio cinco maridos e três filhos de pais diferentes, os quais participarão e julgarão os passos que a companheira e mãe pretende dar, já que nenhum está disposto a abdicar da sua proximidade, sinónimo de desamparo, e há que unir esforços e teimar demovê-la da ideia de zarpar para a Polinésia na companhia dum antigo fuzileiro que conheceu aqui, em plena visita ao templo de Diana, criatura que, como ela, conta cinquenta ou mais anos e regista aventuras em todas as partes do mundo, somente a superando em tatuagens que vão desde “amor de mãe” até ao amor por tantas mulheres e terras quanto o comprimento dos dois robustos braços consente.

Não acredito que Michele alguma vez se tenha deitado numa cama com os cinco, como “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, nem a imagino polígama, mas que soube fazer uma gestão meritória e harmoniosa da sua vida e dos seus amores não lhe podemos negar, a ela devo a fundamental preocupação que inda hoje me anima, o facto de ser tão importante ter de quem gostar como ter quem goste de mim.

Claro que embora com uns aninhos a mais que eu, Michele foi uma das minhas iniciadoras, e com a desculpa estafada do “quanto mais prima mais se lhe arrima”, muito me ensinou enquanto brincámos os dois nos primórdios das nossas adolescências e, enquanto eu a deixava ver a minha se ela me deixasse ver a dela, e ela me deixava brincar com a sua se eu a deixasse brincar com a minha, lá fomos aprendendo, inocentes e traquinas qb, o abc do amor.

Foram tempos inesquecíveis que explicam que seja eu um dos poucos ou dos únicos primos com quem abertamente se dá, tão abertamente que logo à chegada me atirou ;

“Ólá meu artolas ! meu maricas ! Eu é que te trago aqui uma cor que vale a pena ! Nem vais acreditar no que a prima te trouxe desta vez !

E passa-me para as mãos um valioso souvenir, uma embalagem de tinta azul eléctrica para o cabelo, brilhante à noite, da “Garnier, cor 1723RR, Feux Infernal”, ainda não à venda em Portugal e que fará as delicias cá do mano quando das concentrações motard’s, já que quer o azul quer o vermelho vivos que uso, segundo a Michele, não têm nem o brilho nem a originalidade da cor que agora me traz, e nem sequer brilham na escuridão com a intensidade desta.

Desconfio que serei mais um a tentar evitar que a Michele se pire p'rá Polinésia não ? Que acham vocês ?

Uma mente aberta é um tesouro sabem ?

...





quinta-feira, 7 de julho de 2011

65 - ESTRELA DO NORTE, ESTRELA POLAR ... *

* A story by Maria Luísa Baião


Morreu, pensei sobre a última estrela recebida e, lépida, crendo que se sumisse com ela todo o aziago dos tempos, enterrei-a com denodo e um cuidado apressado num local bem escuso e regado ao fundo da hortinha do avô, no campo silvestre banhado pela ribeira grande, precisamente naquele lugar onde, um estrangulamento faz o fio das águas ressaltar ao sol, espalhando reflexos dessa outra, prometedora e fulgurante estrela, a quem esperançada me encomendo quando o regato canta.

Ali a guardei, bem fundo e como quem dela tem medo, em sítio a não esquecer, no emaranhado de raízes junto aos pé do choupo grande do riacho... Num buraco pequeno, onde repousa mas de onde agora em noites de negrura uma luz intensamente branca jorra, para que eu lhe saiba sempre o lugar e, acredito, em álacre esforço, ou aposta, p’ra que jamais esqueça ter sido esta mais uma das muitas e luminosas estrelinhas que ao longo do tempo me tens enviado.

Sim, essas estrelas cadentes preenchem os meus dias como bolas de sabão em mãos ariscas de criança, por elas sei novas de ti, me chega a esperança e a magia com que enfrento os dias. Algumas vivem em mim mais que aquele breve instante do destino transformando-se, em pássaros ou borboletas, outras em sonhos, muitas em desejos ou miragens, regressando a ti com recados meus, sussurros, beijos, como cartas levadas pelo vento e, outras ainda pegam-se à minha imensa saudade e morrem de tristeza !

Eu aviso-as, como posso e sei, que não devem ficar ou demorar-se, mas elas, tal qual tu nesse outro tempo, que não, que não vão embora, que não querem ver-me só, e então, maravilha das maravilhas, quedam-se nos meus olhos, enchem-se daquela luz esverdeada que banha a esperança e vão morrendo, como dádiva, ágape, nas gotas redondas que os pássaros vêm beber...

E eu fico mais triste sem elas...

E, porque me conheces e me sabes, e o tudo e o nada não são para ti segredo ou mistério, pela calada da noite continuas enviando-me estrelas, acendendo em mim constelações, e, mau grado nos termos perdido há tantas vidas, de novo despertas em mim recordações e desejos, até que, cansada e vencida me interrogue, que amor é este, que me ama e me ignora ao mesmo tempo, que alegra o meu ser e entristece a minha alma, que se recusa a que enfrentemos juntos o mundo, e me pergunto, onde estará a razão de tudo quanto me acontece e de tudo que perdi !...

Uma nuvem começa a dissipar-se, começo a ver claro, eu, ninguém, eu sem importância, eu lixo, e agora vejo e noto o tamanho do mundo, a minha pequenez, formiga em formigueiro apinhado de outras formigas, uma entre milhões, foi então que vi uma estrela a norte, talvez a Polar, e me lembrei que sou una, que sou eu, que sou gente, um pedaço de Deus, grão no universo, mas me mereço, valho, sou, tenho nome e existência !

Não, não dependo de nada nem de ninguém !

E resistirei !

E afirmar-me-ei !

E assumir-me-ei !

Estou aqui para durar !

Estou aqui para vencer !

Porque tenho escolhas a fazer !

Não para sofrer, não mais obedecer nem à cegueira de mim mesma !

Obrigado !

Sou !

Existo !

E agora lembro que, entre outras razões, porque também amizades são estrelas que nos iluminam o caminho !


 * By Maria Luísa Baião, escrito num domingo de Dezembro de 1999 não havendo contudo a certeza da sua publicação no Diário Do Sul, coluna “Kota de Mulher”, como vinha sendo usual. 


sábado, 2 de julho de 2011

64 - COMO UM BALÃO FURADO?...

Fingi que não, mas na verdade apurei o ouvido.
Decididamente ele estava ébrio, logo mais valia nem o ouvir, até porque, apercebendo-se, poderia meter-me em chatices, quando é sabido até pagar para não as ter e nem de borla as aceitar !
A história, hilariante, conta-se em poucas palavras.
Deduzi-o ressentido ou ressabiado com as mulheres, mais propriamente com a mulher, de que se separara há pouco por motivos que somente mais adiante na noite percebi.
Curioso como todos os homens se julgam bons, os melhores, infalíveis e insubstituíveis quanto no que ao sexo oposto toca.
Mas a graça nem estava nisso, esses predicados são tão velhos como o pecado e jamais vi um desses pecadores emendar-se ou assumir as suas limitações.
Verdade que uma amiga me ensinou uma vez um velho provérbio feminino, africano, que rezava mais valer dormir com uma vara curta que sozinha.
O significado é evidentemente dúbio, atendendo a que o sonho de todas as mulheres poderá ser o de contrair matrimónio, e que para além disso, as africanas, poderão pretender providenciar meios de afugentar as feras que durante a noite as acossem…
Todavia parece ter sido essa a causa da desavença matrimonial do nosso amigo, não consegui perceber se por causa da vara curta, se por falta dela, se devido a feras a mais ou a menos.
Na dor, fragilidade e vergonha do abandono, é facto assente ter sido trocado por um jovem, e daqui em diante já sou eu fazendo deduções,...
Terá querido demonstrar não ser pau para deitar fora, ou ter mais onde se amparar, pois ter-se-á apressado a substituir a galdéria (palavras dele) atendendo a que, segundo o que ouvi com estes dois que a terra comerá, não ter demorado a sentir o orgulho numa nova conquista, (talvez a primeira que lhe apareceu diante), e, ufano e soberbo, recuperada que estava a dignidade ferida, inflava o peito e engrossava a voz. 
Acabam aqui as minhas deduções.
Entrecortada pelos borcos chafurdando na gamela do petisco, e as cervejas escorrendo garganta abaixo, a retórica prosseguia agora num rumo estético com o Madeira, pintor de uns quadros manhosos nas horas vagas e com os quais enrola os turistas, com tanta incapacidade para a perspectiva quanta para a estética, e não é ao acaso que a estética para aqui é chamada, sabido ser que a senhora eleita terá pelo menos mais meia dúzia de anos que o nosso personagem, e a quem, segundo o mesmo jurou, ama verdadeiramente e com quem pretende contrair pressurosamente matrimónio.
Que não, que ele não é homem para deitar fora, e a outra cabra ainda um dia se arrependerá, balbuciou entre dentes.
Pela descrição a senhora em causa até será um borrachinho, e boa como o milho, pelo menos assim a pintava ao Madeira, coisa em que acreditei piamente, pois nessas coisas um homem nunca se engana, julgava eu…
A minha surpresa começou aí, quando ele, endireitando-se repentinamente e estendendo os braços delineou no ar, com as mãos, o perfil de um violão!
Uau ! O Madeira até assobiou ! Revirou os olhos como que deslumbrado com a beleza da deusa descrita e aproveitou para emborcar mais uma!
- É pá! Não há fome que não dê em fartura!
- Olha que não perdeste em esperar pela demora! ... Disse.
- Esboçou um gesto obsceno e descendente com o braço, como quem o enfia numa manga de casaco, e calou-se imaginativo, passando a língua pelos lábios e a mão pelos cabelos.
- Pois… sabes, já lhe disse que era uma beldade, aquilo com umas plásticas ficava um mimo! O peitinho um nadinha subido, a zona do pescoço um tudo-nada esticada, uma operação dessas que fazem para sugar a celulite com uma seringa!
- É pá ficava mesmo nos conformes!
- Com umas marchas o rabinho havia de ficar que nem o de uma menina!
Eu continha-me para não me rir, antevendo a impressão causada na desditosa senhora, cuja pele ficaria tão esticada que ao rir levantaria um pé, mas sobretudo pelo efeito desmoralizador de tais propostas no seu amor-próprio, pois me parecia que seria mais fácil ao nosso personagem arranjar uma com as medidas e idade ideais, que submeter pessoa tão amada a tão desprestigiantes quão degradantes soluções.
Felizmente não tive que pensar muito nos aborrecimentos que todas aquelas sugestões teriam sobre a dita senhora.
O Madeira, rindo, arrotou duas vezes e saiu-se com esta;
- Pois pá!
- Tou a ver!
- E daqui a cinco ou seis anos "trocava-za" por outra!
- Mas para já ficava como aquelas bonecas insufláveis todas torneadas ao milímetro!
- O pior é que um dia tiravas-lhe o dedo do pipo e ela assobiava, dava-te duas voltas pelo quarto e saía disparada pela janela despejando-se que nem um balão!
Sustive o riso, surpreendido com o sentido estético e o humor do Madeira, deixo-vos simplesmente sem mais comentários!

quinta-feira, 30 de junho de 2011

63 - MINHA IRMÃ FRIDA…..................

Pintura; MONSARAZ, de Ana Rita Janeiro, ou "Carlota".


Quem atravessa as ancestrais terras d’el-rei em direcção ao grande lago, não raramente, depara-se com uma paisagem inolvidável.

Uma dúzia de quilómetros à nossa frente, pairando sobre um manto de nuvens ou nelas acoitada, a visão encantadora de Monsaraz, a vila medieval onde nasci.

Humberto me chamaram, porque nos idos de trinta, um aventureiro dos biplanos, ou triplanos, por arbítrio do mágico nevoeiro, trágico fim encontrou ao despenhar-se de encontro à torre de menagem do castelo, cousa que fatalmente muito consternou a populaça, antepassados meus incluídos, tanto que no baptizado do meu padrinho lhe mudaram o nome de Benvindo para Humberto, numa solene e compungida homenagem ao louco da máquina voadora, acabado de perecer no exacto momento em que o tão desejado Benvindo ao mundo vinha.


Humberto ele, Humberto eu anos mais tarde e por sua inteira vontade, tradição que mantive ao dar, por minha vez, o mesmo nome ao meu primeiro e único filho. Luís Humberto.

Mau grado estes recuerdos, a vila fica na raia Espanhola com o Guadiana de permeio (embora agora naveguemos nas mesmissímas águas turvas europeias), recuerdos que tento não olvidar apesar de tristes, pois retenho dessa vila e da minha criancice gratas imagens e muitas vezes me revejo largado à solta num castelo a que mais parecia somente poder aceder-se trepando um feijoeiro gigante, tal e qual como nos contos de fadas.

Não há contudo estória sem o seu senão… e o meu é a saudosa lembrança de minha irmã Frida, que vagamente recordo pois cedo foi roubada ao meu convívio, mas que contudo viria a ter na minha vida uma influência crucial, e superior à que quaisquer outros entes vivos sobre mim tivessem tido.

Não choro quando a recordo, para ser franco até muito mal a recordo, dada a tenra idade com que foi arrancada ao meu convívio, apesar dos emplastros de papas de linhaça com que porfiaram acudir-lhe. Sem qualquer resultado já se terão apercebido.

Nessa época a tuberculose ceifava às cegas, e os ditos emplastros a tudo acudiam, aplicados bem quentes e rigorosamente substituídos mal arrefecessem. 

Junto ao coração para males de amor, na testa para febres funestas, no peito para gripadas e outros males sezões, na cabeça se contra o mau olhado a inveja ou os esconjuros, caso em que se devia acompanhar a mezinha de um relicário colocado sob o colchão da paciente, ou de um escapulário pendurado em permanência do pescoço da protegida durante toda a cura, e, no caso, contendo rabos vivos de lagartixa verde, unhas de osgas e asas de morcegos, tarefa de que minha avó Inácia me incumbia a mim sempre que necessária, alegando que a ela, tocar em aves e bichos lhe dava voltas ao estômago e até galos lhe haviam já cantado nos intestinos.

Nunca chorei, como vos disse, a morte de minha irmã Frida, todavia bastas vezes as lágrimas me acudiram aos olhos se calha contemplar-me, eu, a mim, que sou obra dela e a ela devo tanto e muito do que sou, quem sou e como sou.

Já na grande cidade para onde ainda na infância me mudaram, achei, quando rebuscava não lembro o motivo as gavetas de meu pai, um livro cuja ilustração de capa aqui vos deixo, livro que despertou a minha curiosidade infantil pelas cores exóticas e apelativas que encerrava e em simultâneo mostrava, mas sobretudo pelo nome nele inscrito, “ Frida “.

Foi assim, quase como um livro proibido que uns anos mais tarde o li. Essa foi somente a primeira biografia da minha vida, acredito ter lido quase cem antes dos vinte seis e perto de duzentas até ao presente.

Deste modo insólito soube da morte de Frida, a tal que dera o nome à minha saudosa e tristemente falecida irmãzinha. 

Mais tarde, juntei dois mais dois e de meu pai entendi a admiração pela pintora que, como ele, viveu engajada numa doutrina que então guiava o mundo mas que anos antes de meu paizinho falecer lhe deixaria a tristeza estampada no rosto, tristeza que hoje culpo por mais cedo me ter roubado a sua companhia.

Fiz-me homem lendo, mor das vezes verões inteiros, debaixo de um fresco e frondoso chorão no jardim público da minha cidade, rés do lago onde plácidos cisnes ainda navegam, biografias e outras obras que a Biblioteca Pública para ali acarretava nas tardes de estio.

Comecei assim, guiado por minha irmã Frida leituras que me levaram, qual príncipe, de menino a homem, sendo hoje rei de mim mesmo e do mundo que me cerca porque acredito piamente que a alma da minha irmãzinha me conduz e protege os passos os caminhos e os destinos, pois no amor há muito que de mim cuidam com o mesmo desvelo por mim aprendido e, de tão amado, sinto insuflar-se-me o coração, e por sua vez ele um castelo, de muitas janelas e mais entradas ainda que o de um príncipe encantado.

A ti irmãzinha do coração e que sempre por mim velaste, o meu eterno amor e emocionado apreço, o meu reconhecido agradecimento.

A ti confesso quanto lamento quem, como eu, não teve alguma vez nem que por um instante só, uma irmãzinha como tu.

Descansa em paz meu amor.










                          minha mãe :)