domingo, 10 de junho de 2012

119 - S. JOÃO !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


Meu pai estugava o passo, minha mãe seguia-o, fielmente, tal qual um cachorro segue o dono, arrastando-me pela mão, apesar do meu interesse em chegar depressa aquele mundo que todos os anos me oferecia maravilhas, repetida e metodicamente, como as primaveras mecanicamente trazem andorinhas.

Havia já uns bons e longos dias que o circo se fizera anunciar. Um palhaço com pernas de dez metros percorrera o bairro arrastando nos seus passos um alarido vertido por bando de saltimbancos e anões, deixando-nos, aos miúdos, excitados, boquiabertos e impacientes pelo dia em que os pais nos levariam à feira. O S. João chegou pois como o dia prometido e, apesar de rebocado por minha mãe, eu corria, na vã esperança de chegar mais cedo uns minutos, pois naquela idade os minutos contavam. A feira extasiava-me e entusiasmava-me como se tivesse feitiço. Flâmulas e lanternas de papel esvoaçavam nos mastros que adornavam e nos arcos que estes por sua vez suportavam. Manjericos e cravos rivalizavam com balões, lanternas e bandeirolas. Tudo eram cores, sons, movimento luzes e maravilha !

E lembro a roda de algodão doce, cuja rapidez e efeito de teia de aranha me fazia esquecer o tempo, as grandes e vermelhas cerejas, em pacotes de papel pardo e que minha mãe pressurosamente guardava para, em casa, com o ferro de engomar tirar as nódoas das roupas. Lembro sobretudo as farturas (massa frita), o balão que me prendiam ao braço para que não o perdesse. As ruas de terra do recinto e o pó que o carro dos bombeiros diligentemente regava, precipitando um chuveiro em leque cujos repuxos admirava. O coreto do jardim. Os cisnes. A banda da GNR e por vezes da Armada. O “Bolero de Ravel” que jamais deixaria de amar. Os sons ressoando forte na minha caixa torácica e ao ritmo do coração. As pessoas silenciosas para não perderem pitada.

Ao longe os sons caóticos e abafados da feira. Perto de nós o carrinho dos gelados. Levantava-se a tampa e um alicate de bolas enchia os cones de cores e sabores. Tudo em silêncio. Somente se ouvia o tilintar dos trocos, a música no coreto, alguma folha que tombasse no chão ou o abrir de uma flor, o trinar de um pássaro.

S. João e S. Pedro eram maravilhamento, eram fantasia, eram sedução ! Carrosséis enormes, cavalgando montanhas, e toda a floresta neles ! Eu alvoroçado e, obstinadamente, de unhas e dentes ferrados no pescoço de um cavalo, de uma zebra, de um camelo !  E mais uma volta na " Selva " ! E mais um toque na bolinha do “Alverca“ !

E o “poço da morte” ! Que sorte !

Um ano houve que até a “esfera da morte” e uma motociclista nos vieram deslumbrar ! E no poço, os motociclistas de olhos vendados, as motas troando em escape aberto, as tábuas da estrutura vibrando assustadoramente, eu fechando os olhos cada vez que se aproximavam do rebordo do poço ! Os motociclistas desafiando a morte e terminando sentados à “amazona”, sorridentes, destemidos, valentes !

A noite caindo, o cansaço tomando conta de mim. Minha mãe comprando torrão doce para levar para casa. Nem a vozearia gritada nos alto-falantes me mantinha em pé…

Da ganadaria do Eng.º Joaquim Grave 6 bravos touros 6 !

Eram anunciados para a corrida de S. Pedro, os forcados seriam os de Évora ! Eu sonolento. Eu sedento. Lembro-me ainda de meu pai comprar a um aguadeiro copos de água para todos nós. O copo era giro, em plástico vermelho com bolinhas brancas. Para ele, meu pai feirou uma dúzia de esferas metálicas magnetizadas, para que, engolidas, assegurassem que os restos de arames dos fardos de palha não furassem os intestinos das vacas. Minha mãe umas sandálias de couro verdadeiro feitas à mão pela “casa Leão”. Eu uma caixa de lápis de cor.

A Móbil lançava a sua marca de garrafas de gás, azuis, as do célebre sistema click ! Como propaganda todo o mundo tinha uma latinha publicitária de estalinhos imitando o clik simples dessas garrafas, a feira inteira transformada numa zoada de cigarras… O sono tombou-me e, durante muitos anos nem recordo como o resto dessas noites terminaram. Jamais esqueci o colorido dos cartazes das feiras, os dias e noites nelas, o cosmopolitismo das gentes, o cheiro das sardinhas assadas e do frango no espeto, as marchas da fanfarra dos bombeiros, a arruada dos “Amadores”, o circo, as feras, a mulher serpente, o túnel do terror ...

Há muitos anos que não vou à feira, talvez perto de uma dezena, muitos…

Cansei-me de amadorismos…

terça-feira, 8 de maio de 2012

118 - VAI, NÃO TEMAS…



Olá Cris, muito bom dia amiga.

Imagino-te já trabalhando. O tempo correrá a partir de agora, tão depressa como água em mangueira esquecida e aberta no jardim.

Queria dizer-te que tenhas calma, que a calma é meio caminho andado para que não percamos o controle sobre o pensamento, a memória, as atitudes e acções e a vontade.

Não acompanhei senão marginalmente o teu esforço, que como sabes elogio e acarinho, contudo creio que, mau grado o pouco tempo à tua disposição, te aplicaste afincadamente no estudo daquilo que abraçaste e que, não sendo matéria fácil, também não é um monstro de sete cabeças e te dará, no futuro, uma invulgar satisfação.

Não te condenes, não valerá a pena caso nem tudo te corra pelo melhor. A vida tem tantos imponderáveis quanta água tem o mar. Ficará para o ano, e tu então, com mais tempo para te preparares.

Creio no entanto que, a julgar pelas duas ou três questões que me colocaste, estarás minimamente capacitada e sobretudo motivada para que daqui a dois meses te submetas á prova capital.

Creio que superarás essa meta, é forçoso que acredites em ti, é forçoso que a tua auto-estima, auto-confiança e o teu ego confiem em ti.

Serás capaz claro, coisas bem mais difíceis já tu ultrapassaste e não morreste por isso. Muito menos se te opõe agora.

Não esqueças o que uma vez te disse, é extremamente importante na história a capacidade de a ver as perspectivas quer em sincronia quer em diacronia. Poderás não lembrar quando a corte se refugiou no Brasil, mas basta que lembres nada acontecer por acaso, tudo funcionar em cadeia, para que a memória recupere aquilo que parecia esquecido.

- Quando foram as invasões francesas ?

Não lembro…

- De que fugia a corte ?

Não lembro…

Já está !

Já recordo isso !

Eureka ! A corte fugia dos franceses !

- Vês como é fácil ?

- Vês a razão pela qual acredito em ti ?

- Vês porque confio que esse apelido Baião vencerá mais uma prova?

Acredita que és capaz, e até os nervos, o tal nervosismo miudinho de que te queixas e tantas vezes nos ataca terá imenso medo de ti !

O que não lembrares, passa adiante, deixa para o fim, o que souberes, espeta logo no papel, e não sejas avara com as palavras, nem poucas, para que não fique nada por dizer e pensem que não sabes, nem muitas que é para não correres o risco de falar demasiado e meteres os pés pelas mãos.

Falo-te com experiência, já cometi asneiras dessas, espero que as possas evitar.

Só me resta desejar-te sorte, a sorte protege os audazes como saberás, que tudo te corra pelo melhor são os meus sinceros votos.

A ti deves o que sabes, a mim não deves nada, absolutamente nada, pelo que quando lá sentada, conta somente contigo, e creio já não ser pouco.

Algum dia, em calhando, ou “secalhando” nos veremos por aí, e espero que possamos então rir do esforço que agora te preocupa certamente tanto.

Adeus prima Cris, sorte e um jinho.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

117 - UMA LÁGRIMA DE LAURA…



Enquanto olhavam as fotografias davam risinhos, abafados, sustidos, como se não desejassem por nada deste mundo ser alvo de observação galhofeira, reinação.

Falavam baixo, e quando mutuamente se dirigiam, olhavam-se ternamente nos olhos, falavam doce, docemente, quase num sussurro, e o seu diálogo era mais adivinhado que ouvido, sensibilizava mais que suscitava curiosidade, e as suas expressões, reflectindo embora uma grande confiança na relação, certamente já antiga, mostravam um ar contrito contrastante com o que daquela cena se esperaria.

Pelo menos assim julguei o que via, mas juízos e julgamentos quantas vezes os fazemos precipitados não é ?

“…que o mundo não faça sentido, contesto, o mundo sempre foi assim, ingrato e incompreensível, tu é que não tinhas dado por isso, portanto, o mundo está certo, e tu errada, tens que mudar, até porque não conseguirias mudar o mundo querida…”.

Apercebi-me que, quem de costas para mim e a quem revolviam ternamente os cabelos se chamava Laura, foi a ela que vi puxar de um lencinho bordado guardado na manga, com o qual limpou levemente uma lágrima.

Não posso afirmá-lo à distância a que me encontrava mas, logo lembrei minha avó Ofélia que se entretinha, e entreteve anos e anos, bordando monogramas em lencinhos que dava a todas as netas e netos, numa prova de amor, carinho e dedicação que nos fazia sentir perdoados de todos os males e pecados.

“… mas quem te disse que não faço uma pequena ideia do que te vai na alma ? Aí estás enganada Laura ! Como fazê-lo, uma e outra vez e afirmares que seja por acaso ? Algo há neste oráculo improvisado que sou, tu própria o admites…”

E recordo-te avozinha, quando, ausente de mim, me recolhia no teu colo, eu já grande e pesado, buscando explicação para os vazios sentidos e que de quando em vez me sobressaltavam a existência, sobretudo quanto mais preenchida a pressentia e quando tal sensação de vazio menos esperaria.

Também tu avó Ofélia me acariciavas os cabelos, acarinhavas, sussurravas estórias de encantar aos ouvidos se, deitado sobre o teu regaço preto, cheirando a fumo de lareira, te escutava.

Tal efeito em mim tiveram essas sussurradas estórias que, hoje, homem maduro, e sem que possa contar já com esse colo, me basta o cheiro da fumaça para que a lembre e me acalme, paulatinamente, da sofreguidão exuberante para onde, mesmo em dias de bonança sou violentamente atirado.

E tanto te devo avó Ofélia ! Quanta força e confiança me deste ! E tantos amigos afirmando desejarem ter vinte anos e saberem o que sabem hoje, mas não eu, que cada um dos momentos da minha vida julguei ser o melhor e sempre me enganei, o que estava vivendo e os que estavam para vir foram sempre melhores, como agora, que me sinto no auge da vida e da satisfação, e por isso avó, crê que somente por isso, me acreditam convencido, exuberante, atrevido, e sei lá mais o quê, nada me interessa, nem que me chamem maricas, sejam felizes ! Eu sou-o ! Sou feliz ! Sou convicto ! Isso sim e tanto !

E tantas saudades tuas avó ! Quanto os teus sussurros me tornaram forte, quem imaginaria ! Tu me ensinaste; nada temer, tudo enfrentar.

Talvez seja dos poucos, ou o único, a colocar como que num edital o que me vai na alma, e o que penso ir na alma dos outros, e acredita-me avozinha ! São exercícios de introspecção e exorção fantástico para os meus demónios !

“… mas tirando o que disse, deixa-me que te diga, já me sinto melhor, ouvir as tuas sábias palavras foi um excelente antídoto Teresa…”

Ela envolveu-lhe os ombros num abraço romântico, ouvi, baixinho, entrecortada, esta frase apaziguadora e simultaneamente agradecida;

depois pergunto-me... porque me compreendes tão bem… como facilmente me percebes e me respondes de forma tão especial... dás-me colo sem te aperceberes, do quanto me embalas... “

“…ora diz-me lá se não há certamente muito que falar com uma Laura tão contentinha e feliz mas a desfazer-se pela base, algo não está bem não !

Conheço essa sensação… tanta gente a cala ! Mais que possas imaginar Laura…!”

Levantaram-se, deixaram umas moedas sobre a mesa e abraçadas, como sempre estiveram e julgo sempre estarão, num passinho lento se afastaram, as duas, Laura volvendo ao lencinho bordado, limpando outra lágrima, talvez aparando o pingo do nariz, não sei, não vi, não posso afirmá-lo à distância a que me encontrava.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

116 - ENFRENTAR OS MEDOS…................................


Olhei o medo, que deveria assustar-me, e vi um monstro de papel rugindo ameaçador, num silêncio de papiro tão velho quanto ele. Não temi. Nem sequer retrocedi nos meus propósitos, tão firmes quanto ele, naquela minha ideia fixa de afirmação, ou da perspectiva dele, na inglória estratégia de me travar. Ecoando e rugindo, teimava travar-me o passo e instalar-se comodamente no meu espírito. Assim é o medo, assim actua, sub-repticiamente, vagamente tomando a forma e preenchendo o lugar que lhe consentirmos. Não consenti.

É simples, é realmente simples o seu modo de infiltração. Ocupa-nos, instala-se qual vírus e, como um parasita, em simbiose connosco se alimenta, e nos alimenta, de temores, receios, hesitações, pavores, vergonhas, timidez, ingenuidade e inocência. Sim, leram bem, também a ingenuidade, a timidez a vergonha e a inocência, se mal usadas, ou conduzidas, nos limitam a fruição de uma vivência livre, pródiga, rica. Trata-se de matar em cada um de nós, é isso que tenta este monstro de papel, artificiosamente, esgrimindo contra os próprios valores aceites e eticamente em cada um e por cada um instruídos, matá-los, dizia, no perverso sentido de nos limitar.

Oh ! E quantas vezes e quantos de nós nos deixamos enredar neste complexo processo que repudiamos mas inconscientemente alimentamos ? Vem do berço. Vem do berço a passagem de testemunho de pais para filhos, num mecanismo de sociabilização, sem confronto ou contestação e que psicológica ou inadvertidamente intuímos, aceitamos, assimilamos. E qual de nós duvida ou contesta os pais, a própria linha desta estratégia, ou a táctica que eles mesmos, tal qual nós, aceitaram dogmaticamente, num processo secular remontando aos primórdios de uma vivência ancestral comum ?

Vem daí a rebelião adolescente contra os pais, opressores, contra eles porque os mais próximos, contra eles porque os mais visíveis, contra eles que na primeira linha daquilo que a nossa consciente lucidez, divisa como culpados e simultaneamente origem das limitações e barreiras que sentimos nos estarem sendo impostas. Poucas ou poucos de nós não soçobramos a este confronto. Felizes das ou dos que o superam, bem, poucas ou poucos, mais felizes ainda se o conseguimos sem traumas, incompatibilidades, problemas de consciência, rupturas, mas sobretudo com a aceitação e compreensão do outro, sem que abdiquemos da clarividência que a nossa visão do mundo nos facultou.

E é fugaz essa visão. Surge entre os 16 e os 18 ou vinte anos, qual fogo-fátuo que, se não protegermos será abafado totalmente por aqueles que, mais perto de nós, erradamente cônscios enquanto detentores da verdade, nos tentam impô-la sem que eles mesmos se disponibilizem a ouvir as nossas razões. Pouquíssimos pais estão abertos ou preparados para esta fase vital da formação da personalidade e carácter dos filhos. Benditos filhos que tais pais tiveram, ou tiverem. Os restantes lamentemo-los. E, lamentemos tanto pais quanto os filhos, porque quer uns quer outros terão culpa na futura vivência, quer dos primeiros quer dos segundos.

Estudem-se as biografias de grandes mulheres e grandes homens ao longo da história. Concluiremos que, salvo raríssimas excepções, nenhuma dessas grandes figuras terá sido o que chamaríamos uma menina ou menino “bem comportado”. Antes se distinguiu, desde o início da sua vida, por algum excêntrico aspecto por toda a gente condenado, e à cabeça dessa condenação os pais, antes de quaisquer outros. Curiosamente tais crianças / adolescentes vieram, a história o comprova, a distinguir-se em vários campos; ciência, literatura, física, economia, etc…

Deduziria daqui, que, tendo todos os pais sido animados de boas intenções (das quais o inferno está cheio) nem haver maus pais nem haver maus filhos. Todavia há felizmente, pais que não limitam negativamente os filhos e filhos que, felizmente não absorveram ou absorvem toda a verborreia que a ignorância dos pais sobre eles lança, mesmo com a melhor intenção do mundo. A libertação da tutela paternal é um sinal de afirmação, de assumpção de uma consciência madura, plena, lúcida, significa assumpção de responsabilidade e liberdade.

Quem de nós enquanto tal permitiu aos filhos uma gradual e amparada libertação? Interroguemo-nos, porque se não o fizemos é para nós que devemos olhar em primeiro lugar, sendo a nós mesmos que devemos dirigir as primeiras criticas se os nossos filhos não corresponderam ao que deles esperávamos. Que alimentemos e suportemos os nossos medos e os nossos monstros é problema nosso, que permitamos ou até contribuamos para os passar aos descendentes é crime de lesa filho de que não merecemos qualquer indulgência por muita penitência que pratiquemos.

Cedo matei os meus medos e os meus monstros. Muito cedo assumi a liberdade de pensamento e de espírito como uma dádiva, mas também como uma responsabilidade, e preciosa liberdade a que não é alheio o toque divino do livre arbítrio com que os homens foram abençoados.

Agradeçamo-Lhe, e, para além de Lhe agradecer não O desiludamos. Por todas as razões e mais uma Lhe devemos estar gratos. Por todas as conhecidas, e por se tratar de nós, de mim, do meu eu, e concomitantemente, de tudo o que sou para os outros.

Ámen.


sexta-feira, 9 de março de 2012

115 - ACOMODAR-ME...



Olá amiga !! Tas bem ??? Espero que sim, eu na maior, gozando bué este sol que se espraia nas planícies.
Esta conversa seria curta, não fosse eu querer com ela provar-te que há muito tempo penso como ainda hoje penso, só que agora com maior proveito.
A foto que tanto riso te provocou e te envio em anexo é velha de bem mais que duas décadas, e se bem me lembro, de quando abandonei uma promissora carreira no comércio e serviços, era bancário, e me dediquei ao ensino das então futuras gerações à rasca deste país, dos então futuros políticos, prestidigitadores, malabaristas, oportunistas, sacanas, empregados e empregadinhas de super’s, advogados, ladrões, policias, pedófilos, modelos e tutti quanti.
Como podes deduzir pelo sorriso nas fotos, rejubilei então, (agora rebolo-me de gozo e prazer) com o excepcional horário de vinte e duas horas semanais e inerentes tempos livres, coisa a que não estava habituado mas de que rapidamente aprendi a não prescindir.
Agora é um direito adquirido e ai de quem mo queira roubar !
Talvez hoje já entendas o meu desabafo durante o jantar de Carnaval, nunca fiz tão pouco nem ganhei tão bem, o que é verdade, para além de responsabilidades nenhumas, nem satisfações a dar a ninguém.
O ensino é o céu na terra !
Um céu que a MLR primeiro e agora o parvalhão do Nuno Crato nos querem retirar ! É o tiras ! Que para isso temos felizmente um sindicato a sério ! Direitos são direitos ! Connosco não se brinca !
Aliás, se o Nuno nunca tivesse estudado nem trabalhado lá fora, na estranja, já lhe teríamos dado a volta ao miolo e comido as papas na cabeça…
Se o país tá mal peçam contas aos gestores e aos políticos, esses sim, que para além de se abotoarem, há trinta e sete anos que nem olham para mais nada que não o seu umbigo e, que eu saiba, não vejo os profs enriquecerem assim de um dia para o outro.
Temos a nossa capelinha, a nossa classe, os nossos direitos, e essa é a nossa vidinha, não nos roubem direitos arduamente conquistados e ficaremos sossegadinhos no nosso cantinho.
Parece haver quem somente saiba roubar o pouco ou muito que os outros tenham… Eu não me queixo, estou com bué de anos disto, com horário reduzido e lugar de General devido a tempo de serviço… cousa que mui demorou a conquistar e de que não abdico ! Ora essa !
Estou pensando reformar-me sabes ? As pressões actuais sobre os profs e sobre as escolas não auguram nada de bom, e não estou para aturar isto, meninas e meninos malcriados por um lado, e esta de nos quererem pôr a trabalhar por outro, são demasiadas insolências !
Que venha quem não consiga ou saiba fazer mais nada que isto foi chão que já deu uvas. O país tá cheio de desempregados, alunos nossos, já nos deram de comer e agora não há para eles….
Há mais de trinta anos que ninguém nos diz nada, a não ser pra desconsiderar os profs, e repentinamente ainda desatam a chamar-nos malandros e todos os nomes ? A dignidade tem limites !
O Góis vai reformar-se, e eu vou com ele, porque sem ele decididamente esta escola nunca mais será a mesma, disso tenho eu a certeza.
O Góis tem sido um amigalhaço da malta toda pá ! Há mais de trinta anos que todos votamos nele ! Sempre !
E merece bem os 3.900 euros com que se vai reformar. Imagina ! Nem ele alguma vez sonhara com isso !
Veio para a escola em 78 ou 79, jovem, ensinar horticultura, andava desempregado e nada mais tinha que o curso de comércio, hoje o 9º ano, para além de saber semear umas couves ( nessa altura, na falta de licenciados contratavam-se profissionais manuais, carpinteiros, hortelões, marceneiros, abegões, electricistas, mecânicos, dactilografas, e tutti quanti ) e a malta fez como ainda hoje a gaiatagem faz para eleger o chefe de turma, que vota no mais parvo ! Votámos no Góis ! ( quem sabe se é assim que elegemos os primeiros ministros… )
Já naquela altura ninguém queria trabalheiras ! Por isso votámos no Góis que além do mais parvo estava com o emprego periclitante, e assim ficou agarrado que nem lapa a rocha, nos cornos do touro mas com emprego seguro …
Ele, sem emprego certo, amochou e foi aguentando e ganhando prática, a experiência é mãe de todo o engenho como é sabido…
Lá se foi aguentando, fazendo jeitinhos à malta e a malta votando nele ! Ele ganhou um emprego com que nunca sonhara, e nós quem nos tape as faltas e cubra as asneiras… isto sim é coesão ! Simbiose !
O Góis atravessou momentos perigosos, como em meados dos anos oitenta, em que o Ministério pretendeu acabar com os professores sem licenciatura. Mas o sindicato da classe impôs-se e foi negociada uma situação, dados três anos aos profs para se profissionalizarem, acabarem as licenciaturas, e aos “profissionais” como o Góis, a hipótese de se reconverterem tirando meia dúzia de cadeiras didáctico-pedagógicas.
Tirar… deram-lhas… Assim fez ele e hoje tem um diploma mais verdadeiro que o de certos engenheiros que a gente sabe.
O Góis habituou-se a ser director e tinha veia pr’aquilo !
Homem comedido, nunca num seu discurso lhe ouvi mais que meia dúzia de palavras, palavras que logo passava aos colegas professores, colegas que não se cansava de elogiar e sem os quais, afirmava sempre, a escola não teria razão de ser.
Vai reformar-se com júbilo e sem que mais ninguém a não ser os colegas chegados o saiba incapaz de articular uma frase mais que meio minuto ou um discurso com mais de vinte palavras.
Se não tivesse singrado no ensino, o Góis teria decerto tido sucesso no teatro. De boca fechada não saía asneira, e não lhe exigissem nem um pouco mais que monossílabos ! Daí o seu enigmático low profile e homem de poucas falas. Era contudo uma referência no bairro onde vivia, na taberna que frequentava e um orgulho para a mulher e para os filhos.
Fez bem, orientou-se. Orientou-se e apoiou-nos, e nós soubemos reconhecer essa disponibilidade votando sempre nele.
É um director conhecido, reconhecido, considerado e invejado !
Decerto teria igualmente tido sucesso na politica !
Ele ! Ele que o que melhor fazia era nada e coisa nenhuma !
Um amigão de todos era o que ele era, um tipo porreiro ! Porreirolas.
Nunca mais teremos outro assim, até pk agora querem responsabilizar os directores e a coisa chiará mais fino.
Não quero ser apocalíptico, mas aposto que a mama se vai acabar.
Boa altura para me reformar não achas ?
O país anda tão mal que mais dia, menos dia nos irão obrigar a trabalhar.
Nesse dia espero já cá não estar e andar a banhos nas Seicheles !
Bom jantar !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Bjssssssssssssssssssssssssssssssssssssssss
Muitosssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssss