quinta-feira, 25 de abril de 2013

CRÉDITO CÃO * por Maria Luísa Baião ......................

         

             Ele abraçou-a como se fosse a única mulher do mundo, como se toda a sua vida se condensasse naquele momento de luminosa virtude e inocência, como se o seu destino dependesse da solidez daquele abraço, abraço que arrastava um implícito devir a que a sua consciência se entregava.

Ela, como a todas nós já sucedeu, deixou-se levar embalada por momentos de ilusão pura que juramos ser verdadeiros, sentiu-se a eleita, a escolhida, única. Retribuiu o abraço, deixou que a cabeça pendesse para trás, ofereceu-lhe o pescoço, de alva brancura, os lábios vermelhos rogando ternura, caminho que ele percorreu, para terminaram num longo beijo, dos tais que enquanto duram, temos tempo para pensar tudo e algo mais.

Abraçados caminharam, pisando a relva e arrastando os livros, num transe mágico a que a realidade a qualquer momento poria fim. Passaram-me ao lado, não deram por mim, fiquei ali sentada, pensando quanto toda aquela mágica ilusão é sempre pouca, por muito que, loucas, acreditemos ser total.

Sem que o quisesse o pensamento foi-me derivando para a sequência desse amor olhado, na exacta proporção em que, fundidos em suave sonho se me esfumavam da visão. E imagino que um do outro tirarão as forças que precisam, para neste vale de lágrimas vogarem, imagino que cada um deles ao outro dará forças para que os destinos se cumpram, os sonhos se concretizem, os pais os abençoem, as vidas se fundam e se cumpram os desígnios que os Deuses, num momento de lucidez ou brincadeira, (nunca sabemos a disposição dos Deuses, é imprevisível) quiserem dar aos seus destinos.

E fico a pensar como lhes chegará hoje por milagre, amor e uma cabana e como amanhã irão sacrificar-se para que a cabana tenha dois quartos no mínimo, garagem se possível, um quintal para umas flores que morrerão à míngua de tempo, água e cuidados pois as suas atenções serão monopolizadas pelos vencimentos das prestações, as febres dos meninos e a incerteza dos empregos temporários.

É uma pena, um desperdício, que a juventude não seja eterna, que homens maduros deitem ao mar os sonhos tão docemente abraçados em momentos do mais puro ilusionismo. É uma pena que homens maduros ceifem cerce as aspirações dessas crianças, por vezes prematuramente mães, pais, só porque ninguém lhes ensinou o B á bá do sexo, essa coisa e tal que faz de nós seres bons, maravilhosos, de encantar. É triste ver como nos empenhamos a fundo em criar dificuldades ao que devia ser fácil, preconceitos, intolerâncias, inveja, ignorância, tudo vale, tudo serve para que obriguemos esses jovens a cair no mundo real que nós criámos, um mundo em que para sonhos e ilusões não há lugar, um mundo em que o viver e o escravizar é similar.

Quem me dera, como eles ir vogando, no mar de sonhos de quem vive amando, mas não, há muito me acordaram, me chamaram crescida, e me usaram. Corre, corre, mulher se o queres ser, ver as crianças crescer, a casa ter, sorri, sorri sempre, sofre, sofre, porque ser crescido é sofrer.

Caminham juntos, a par e passo por enquanto, tecendo devaneios, repartindo anseios. Sonham, quebram amarras, repartem projectos e farras, não sabem, não podem saber ainda que o tempo se escoa, casa, família, nada enevoa o caminhar, nada o parece toldar. Acordarão um dia bruscamente, descobrirão que nesta terra não há gente, mas interesses, benesses, intendentes. Não verão tão próximo a casa prometida, a vida consentida, tudo porque num ai se foi a esperança prometida.

O balcão já fechou, o crédito jovem habitação encerrou, que mundo cão este em que eu estou...

* Escrito em Évora a 14 de Junho de 2002 por Maria Luísa Baião e publicado por esses dias no Diário do Sul, coluna “Kota de Mulher”. 
(140A)


terça-feira, 16 de abril de 2013

140 - CATARSE, OU CATAR-SE ..................................


A história da Europa é pródiga em guerras, a última, que deixou destruído meio mundo e a quase totalidade dos países europeus começa a ficar esquecida.

Dessa em especial, Portugal safou-se, e, para mal dos nossos pecados, não abraçou a catarse colectiva que viria a fazer dos países reconstruídos da Europa central e ocidental o paraíso que foram, e ainda são, se comparados com o purgatório em que estamos atolados.

Esses países renasceram das cinzas, das cinzas e de um sofrimento atroz, qual Fénix redimida dos seus pecados. Nós, mais recentemente, atravessámos 38 anos de democracia, atravessámos mas não aprendemos nem aproveitámos.

Há cerca de sessenta e poucos anos falhámos o Plano Marshall, mas de há quase quatro décadas para cá falhámos todos os planos que nos prometeram e que nunca vimos cumpridos…

É pacificamente aceite entre nós que o melhor que os nossos democratas conseguiram foi atolar-nos num buraco sem fundo de onde os mesmos, sempre os mesmos, se escapam, escorregadios, como enguias entre os dedos.

Evidentemente a culpa não é só dos oportunistas a quem demos oportunidades, mais difícil é assumirmos que parte da culpa também cabe a cada um de nós individualmente. A propósito você já fez este ano, este mês, esta semana ou hoje mesmo o que devia por este país que é de todos ?

Esta arenga não vem a talhe de foice, isto anda tudo ligado, é terça feira, são dezoito horas, e em menos de quarenta e oito já me deparei com um funcionário público exemplar, que também os há e felizmente cada vez em maior número, e devo dizer-vos em abono da verdade que raramente perco a ocasião para ali mesmo no momento e perante o menos óbvio lhes agradecer a postura, a amabilidade, a simpatia e a disponibilidade.

Em contraponto hoje cedinho, logo pela manhã, choquei de frente com uma besta-quadrada, e claro, também não dei por perdido o meu tempo e atirei-lhe com o ignóbil desempenho à cara.

Das dez da manhã até agora meditei e arrefeci, não quis escrever este texto debaixo da emoção e da revolta que me causou a ignorante atitude de quem não me atendeu como devia.

Das minhas deambulações meditativas conclui que parece estarmos precisados da nossa própria catarse. Superado o conflito de 39 – - 45 sem destruição nem desgraça catártica, amodorrámos.

Temo que os tempos de desemprego maciço pobreza e fome que temos pela frente nos levem à redenção que tão longa paz e prosperidade levou aos outros países que aqui citei mas não a nós. Temo que seja necessário um tão desumano sofrimento para percebermos que todos somos em simultâneo responsáveis e culpados da difícil situação em que nos encontramos.

Um dos problemas de Portugal pós 25 de Abril foi a existência, até hoje mantida, de quatro portugais, o Portugal socialista, o social democrata, o comunista e o cristão democrata... Ora enquanto não aceitarmos as nossas diferenças e diferentes interesses, enquanto democraticamente não delimitarmos a possibilidade de acção de cada um, e enquanto cada um não funcionar como parte de um todo, nunca seremos um país. E quem diz um país diz uma cidade.

Será necessário o sacrifício de 50.000 funcionários públicos para aceitarmos as nossas culpas e nos redimirmos ? Eu sei que há muitas culpas e ainda mais culpados, eu sei que há muitos caminhos e muitas mais opções, mas isso não me desvia um milímetro da arenga que pretendo impingir-vos, a responsabilidade de cada um de nós no estado em que todos nos encontramos.

E você funcionário público que hoje, como sempre, cultiva uma atitude reactiva ? Já se compenetrou que está a contribuir para o desemprego da sua classe e para o de milhares de portugueses ?  

Espero que já tenha vociferado contra este texto e contra mim todo o fel da sua alma e pare para pensar, estamos no mesmo barco, se você não me ajudar a mim como posso ajudá-lo a si ?

Quer vir para o meu lugar ?

Quer trocar de actividade comigo ?  

E promete passar a ter uma atitude proactiva ?

Ou ficamos cada macaco no seu galho e macaco não empata macaco como amigo não empata amigo ??  

Medite…

Eu prantei aqui as minhas meditações…

Deixe aqui as suas, deixe aqui o seu comentário.

Mas sob anonimato não por favor.

Tenha coragem a assuma-se, ao menos todos saberemos claramente quem tem e quem não tem culpas no estado desgraçado a que nos alcandorámos… 

:)


sábado, 13 de abril de 2013

139 - Seara ao Vento ...


Debalde tentei
Descansar 
Adormecer
Na noite voguei sonhando
Teus cabelos soltos
Qual seara ondulando
Sorriso alargado
Brilho nos olhos
Deux pommes de terre
Peau blanche
Um sinal de trânsito
Um triângulo invertido
Um cone
Sinalizando perigo, 
Ou clamando atenção
Cheiro a pistáchio
Sabor a morango
Uma criança lambendo um gelado
Tempestade 
Turbilhão
Um sonho divino, um desejo
Eu miúdo sorvendo os lábios
O esforço supremo, um esgar
Um corpo tombando para o lado
Uma dádiva
Um sorriso
Finalmente o sono
:)




sábado, 9 de março de 2013

138 - POSESSION / OBSESSION .........



Nunca antes, mas desde aquele dia sim, para mim foi o final, não aguentaria mais tanta indiferença


- será pecado o beijo ?

e questionava-se permanentemente numa blandícia matreira, mole, que me exasperava, quando eu, tantas vezes, sim amor tu mereces, eu compreendo-te, eu trato disso

enquanto o masoquismo, como vicio que a animava e a que eu fechava os olhos, tomava conta dela e, se tinha que ser ao menos fosse eu, que não era sádico, pois se por um lado evitava a queda da sua loucura nas mãos de um qualquer, ou que assim viesse a sofrer, ao menos fosse comigo que, arvorando um racionalismo compreensivo e paternalista mas simultaneamente soez, me vingava

vingava-me do será pecado o beijo que me travava as investidas sempre que, mais carinhoso e terno, procurava despertar nela interesse algum ou mesmo mínimo pelo baldaquino que em sua honra instalara na enorme sala de que fizera quarto

- nasci no pecado, sou filha do pecado

afiançava-me ela ajoelhada, de mãos postas, nos raros momentos em que algo ou alguma coisa a tomava, submetendo-a, num transe, hipnótico, não sei, do qual só se libertava se sossegada com o meu

- sim, sim amor eu trato disso, tu mereces e eu compreendo-te,

e a tomava, num sadismo que ela exigia fosse cumprido religiosa e ritualmente, após o que se acalmava, sossegava, até novamente exigir ser possuída por mim demoniacamente numa  perversão voluptuosa e lúgubre

- perdoa meu Deus perdoa em mim os pecados do homem eu que sou filha de pecadora e nasci e vivi em pecado perdoa Senhora perdoa Pai, em nome do Pai do Filho do Espírito Santo esta minha penitência, que cada sacrifício meu  aplaque os tumultos da minha existência e desta negra alma

ámen

e enquanto este transe lúbrico, de mãos fechadas num fervor desmesurado e lascivo sobre as enormes contas de rosário de um terço levado aos lábios minuto a minuto nos intervalos dos murmúrios me forçava, para aplacar a sua ânsia libidinosa e voraz a tomá-la, a possui-la quase ou como se a violasse e do estupro fizesse consequência para o seu sacrifício, a sua penitência, durante o que ela, em atitude e oração ofertava aos seus deuses ou demónios imaginários a expiação e imolação apaziguadoras da perturbação da suja alma

numa parede a xilogravura de Jesus, noutra, provavelmente do mesmo artista, uma invocando Nossa Senhora das Dores, à cabeceira uma cruz, nua, numa mesinha de cabeceira, e sempre à mão, o terço com incrustações de prata, na outra mesinha uma foto do noivo, falecido numa picada em Timor, vitíma de uma mina terrorista e pela morte do qual se culpava visto lhe ter sido infiel enquanto ele no mato, sobretudo por, descontados os fusos horários, nada a demover da certeza de ele ter morrido no exacto momento em que ela, nos antípodas, lançava um grito de lascívia numa pensão do Beato, perdida de amores por um boletineiro da Marconi, que a fez sentir-se impura e, para todo o sempre e ainda hoje se questionar

- será pecado o beijo ?

enquanto fazia de mim exorcista dos pecados de que não a culpava nem me cabia a mim expiar mas num turbilhão me arrastaram para o seu mundo imaginário e concentracionário, um mundo em que dor e castigo se conjugavam como atrozes carrascos e algozes de um amor luciferino que na ideia dela terá sido culpado pelo bizarro fim do noivo e de idílico noivado

- mete, tudo, todo, mete todo sem dor nem piedade, não mereço viver, força, à bruta, mete de repente, enfia tudo de uma vez, não pares, arranca-me os cabelos, castiga-me às tuas mãos, queima-me as entranhas, incendeia -me a boca a garganta, Senhor, expio os meus pecados Senhor, que o meu padecer purifique a minha alma e que nossa Senhora das Dores me encurte a vida e me alivie o sofrimento, quero morrer

e sentindo-se impura enforcava-se com o terço, enrolava-o nos seios ou enfiava-o entre as pernas ampliando a dor e o castigo e arrastando-me a mim nas mágoas duma expiação em que fazia de carrasco e de exorcista, eu, para quem o mundo girava já tão ao contrário que naquela tarde não me contive e no exacto momento em que ela gania debaixo de mim qual fêmea acossada pelo cio, lancei mão do pesado crucifixo na parede, ergui-o bem alto para que a pancada na nuca fosse fulminante e coincidente com a milésima de segundo em que o orgasmo me acometesse, e já pressentia na minha cara o esgar vingativo de um incubo sádico quando

uma aparição ante meus olhos tomou forma e ante mim, um incréu, se materializou uma Nossa Senhora de Fátima ou das Dores cuja luz me cegou e cujo braço susteve quando já em movimento descendente a estocada, e ainda hoje recordo o seu sorriso sereno, calmo, de pura paz, emanando um poder de sedução que me travou o golpe e envergonhou de tão ignomiosa acção

soltou um grito e libertou-se de mim, cruzou os braços sobre o rosto e ouvi-lhe num murmúrio perdão perdão perdão Deus Pai, enquanto enterrava a cabeça entre os joelhos e se encolhia a um canto

depositei com inacreditável tranquilidade e superstição o crucifixo sobre a cama, como que arrependido do brutal gesto que nos desgraçaria

mas o destino não marcara aquela hora, endireitei-me, respirei fundo para recuperar a serenidade e o domínio de mim, olhei à esquerda e à direita as xilogravuras nas paredes e jurei a mim mesmo enterrar ali os delírios selvagens que preenchiam os vazios da minha alma e nunca mais, até hoje, arranquei cabelos violei ou sovei quem quer que fosse,

olhei-a uma ultima vez, pareceu-me a incarnação do diabo
ela cegava-me, mas esqueci-a

olhei-a pelo espelho, tomava a bica a meu lado na Pérola da Sé, magra, sumida no hábito de freira, não a via há muito mais de trinta anos, não me reconheceu ou fingiu não me ver,  fiquei-lhe  agradecido, esquecera-a, esquecera-me de mim

hoje sei, o amor só medra noutras galáxias

ela fora a minha cocaína… 







sábado, 2 de fevereiro de 2013

137 - E QUANTOS ANOS VÃO ? … By Luísa Baião *



Vi-o ontem mesmo. Acabadinho de chegar de Havana e ainda com aquela cor morena ensaboada que só Cuba impregna na pele. Aliás a efusão do encontro foi mais para meu marido, de quem é amigo, que eu saiba de tempos anteriores ao meu nascimento. Quantos anos já lá vão, parece-me que uma vida inteira.

 Não estava ébrio, não estavam para ser mais correcta, mas aquele ar bronzeado, o ar feliz e alegre de quem ainda teima em prolongar umas férias que adivinho maravilhosas, fizeram-me lembrar as noites calientes do Malecon, as cubanas e cubanos despidos de preconceitos, orgulhosos da sua cor, ébrios de vida, vidas vividas numa ilha paradisíaca.

 Naquela ilha, naquele passeio à beira-mar, caída a noite os nativos não escondem antes nos mostram porque é o beijo a parte mais importante de uma relação física entre dois seres. Porque é o beijo maravilhoso, como interage com o corpo do outro, umas vezes subrepticiamente outras podendo significar um mergulho no abismo da volúpia, quase uma viagem sem volta.

 Naquela ilha se aprende porque depois do amor, em nossos lábios pétalas de todos os matizes se agitam orvalhadas como brisa suspensa da delicadeza, por transitarmos em contramão pela fragilidade do outro. Quantos anos já lá vão, parece-me que uma vida inteira.

 Também ele esse recém-chegado meu amigo, amigo de meu marido, cheirava ainda à névoa do mar das Antilhas, mar que naquele passeio, no Malecon, nos salpica.

 Não será por acaso que Cuba é considerada a pérola do Caribe. Ali naquele passeio dei uma vez por mim completamente encharcada, após ter admirado religiosamente uma gigantesca pintura mural do “Che” deixando-se vislumbrar numa das antigas casas coloniais que embelezam a cidade. Quantos anos já lá vão, parece-me que uma vida inteira.

 Visitei cafés e ali provei do melhor, quase tão bom como o nosso Delta. Ali me deleitei com um charuto indígena que me enrolou os sentidos, sentidos que recuperaria numa instituição cubana que dá pelo nome de Cabaret Tropicana.

 E naquela ilha vi o mundo antes de mim, a época colonial espanhola, o Palácio do Governador, salvo erro e omissão agora o Museu de Arte Colonial, também vi o não menos célebre e polémico Museu da Revolução, carros de há cinquenta anos e um operário tomado de súbita emoção por ter constatado assombrado que tudo naquela mesa, garrafa, prato, facalhão, era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção, como teria dito Vinícius de Moraes.

 Quantos anos já lá vão, parece-me que uma vida inteira. E claro, como não poderia ter deixado de ser visitei, visitámos na irreverência da idade La Bodeguita D’el Médio, sim essa a tal do Hemingway a quem igualmente erigiram um Museu. Resultado, uma ressaca só curada na Isla de la Juventud, a penitência auto imposta de atravessar acordada a Província de Pinar del Rio toda ela considerada património mundial pela Unesco, com final e recolhimento obrigatório no Convento de Stª Clara.

  Ali recuámos no tempo, visitámos a ilha do Papagaio, famosa por ter sido retiro e quartel-general de gente tão famosa como os piratas Francis Drake e Henry Morgan e, como se não bastasse tanta fama, ainda se diz ter sido essa ilha a inspiradora de Robert Louis Stevenson's em “ A Ilha do Tesouro”. Quantos anos já lá vão, parece-me que uma vida inteira.

 No regresso, navegámos não no mesmo mas num outro Granma, por Bayamo, Baracoa. E num Cadilac descapotável dos anos cinquenta cortejámos Trinidad e Santiago de Cuba.

 Após tanta agitação o regresso foi mais moderado, há lembranças que não podemos arriscar serem maculadas com palavras, lembranças que uma atenção aproximada demais poderia danificar. Depois das festas, depois dos passeios, instala-se-nos no íntimo, quase sempre, um silêncio de museu. 

Toleram-se apenas os ruídos mais profundos que o silêncio, nada de barulhos excessivos, nada que incomode o suficiente, nada que invada os mistérios de cada um, é proibido tocar o sagrado de cada uma, para não profanar, p’ra não quebrar, p’ra que a magia e os recuerdos durem por muitos e muitos séculos.

 Esse nosso amigo perceberá tudo isto antes de lhe ter passado o bronze. A vida não é um poema de domingo. 


By Maria Luísa Baião, redigido na ‎quinta-feira, ‎28‎ de ‎Julho‎ de ‎2005, e muito provavelmente publicado no Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER nos dias ou semana seguinte.