Há muitos anos já ensinou-me mestre Sena,* saudoso
professor de economia que a morte levou de imprevisto e demasiado cedo para
tanto que ainda teria para nos dar, nos porque era eu e a Luisinha e mais uma sala
cheia de maltinha, mas ensinou-me ia eu dizendo, não ser a economia coisa de
coca-bichinhos, sendo até uma bola fácil de rebolar, mais fácil arrastar esta que o
escaravelho a sua, sua dele, dado cientificamente confirmado visto depender ou
basear-se a economia na lei dos grandes números, coisa facinha de manusear e entender.
Bom bicho, digo bom tipo aquele José Sena,
quando se punha a falar nunca mais se calava dando imenso gosto ouvi-lo.
Tornava tudo fácil, pelo menos fácil de entender, de compreender, assimilar, e
sobre as contas nacionais o deve e haver do estado, a despesa e a receita, eu
diria agora o orçamento de estado, sobre o qual diria ele não ser mais do que
uma conta de somar e subtrair, mal indo as coisas caso dessem em aritmética de
sumir…
Sumiço
levou ele antes de tempo coitado, ainda foi convidado a cumprir o seu dever
cívico como presidente da Câmara Municipal de Estremoz mas foi sol de pouca
dura, morreu no exercício do cargo, Deus é mais exigente que a contabilidade do
estado, tendo-o requisitado quem sabe se para elaborar alguma auditoria às nuvens
do céu ou a anjos e arcanjos.
Passados
tantos anos parece-me ainda estar a ouvi-lo, eu e ele de barba rala, ele de
sorriso sempre pendurado nas orelhas e eu com as ditas sempre espetadas a fim
de não perder pitada do que dissesse. Afirmava ele e estou a citá-lo de
memória, haver sempre em qualquer economia de um qualquer país minimamente
organizado, sectores ou áreas por natureza geradoras de permanente prejuízo, afirmava-o
referindo-se à justiça, ao ensino, à saúde, à segurança, áreas criadas para
garantirem bem-estar e não para darem lucro, o que não significava que não o pudessem
dar, daí serem por natureza permanentemente deficitárias.
Mas
quem quereria abrir mão das vantagens que esses prejuízos e essas áreas nos
traziam ? Ninguém quereria claro, embora nessa altura nenhum de nós adivinhasse
quão caras nos viriam a ficar no futuro, futuro que é o hoje. Mas… acrescentava.
Para além dessas áreas outros sectores da economia há igual e naturalmente deficitários
e, dando uma volta sobre si mesmo rodopiando sobre o tacão de um dos sapatos
adiantava:
- Os
transportes, a administração pública, a cultura por exemplo, já não vivemos nos
tempos gloriosos da revolução industrial em que o lumpemproletariado vivia lado
a lado com as usinas, as machines, os empregos, hoje há necessidade de deslocar
em movimentos pendulares dos dormitórios para as cidades e vice-versa milhares
ou milhões de trabalhadores e se os bilhetes reflectissem o custo real do
serviço de transporte ninguém os compraria, portanto a sociedade subsidia o
sector dos transportes de molde a tornar suportável e acessível o seu custo
fomentado a sua utilização, ela também e por sua vez vantajosa em termos
económicos, sociais e ambientais, o mesmo acontecendo com a cultura ou a
administração pública.
Naturalmente
há que idealizar e projectar estradas, conceber e produzir ou adquirir material
rolante, idem para portos e embarcações, bibliotecas, teatros e anfiteatros,
palácios da justiça, edifícios camarários, hospitais, escolas, aeroportos,
cais, pontes, tuneis, salas de chuto e complexos desportivos, polivalentes para
arraiais, carruagens, autocarros, kimboios, portanto imensos sectores e áreas
deficitárias, buracos e buracos para encher e preencher, e com tanto buraco
onde ir buscar dinheiro, o muito dinheiro necessário para os alimentar ?
Mais
um sorriso malandro, mais uma voltinha sobre o tacão do sapato, desta vez sobre
o outro e em sentido contrário ao da volta anterior, para desfazer tonturas, rebentar nós, e naturalmente desatar o karma e desenlear o mantra, ficando de sorriso
pendurado até algum de nós aventar uma resposta, uma hipótese ou uma asneira.
Informalmente
a resposta certa era encontrada depois de uma algaraviada entre todos,
vulgarmente achada após um longo intervalo e uma vez esvaziadas as bexigas e
sorvidos os cigarros. Essas aulas eram animadas e participadas como nenhumas
outras, e a resposta para um milhão era nem mais nem menos que a sugerida por
uma balança cujo fiel era um porquinho desses que aparecem aleatoriamente como
mealheiros no qual ele Sena, ele senhor professor espetava ou equilibrava um
facalhão que para o efeito traria na pasta.
Confuso ? Nem por isso, a
explicação era simples, a colecta dos impostos (mealheiro/poupança) teria que
chegar para quitar as despesas, não chegando havia que recorrer a uma de duas
soluções, ou ambas em simultâneo, metia-se a faca ao pescoço do contribuinte e
sugavam-se-lhes mais impostos, por isso a faca na ranhura do mealheiro, ou
sacavam-se os lucros às empresas do estado. Portanto na balança do deve e haver, o que havia num
prato teria que ser suficiente para equilibrar o prato contrário.
O
sector empresarial do estado era e é, na maior parte do mundo que não nesta
terra e neste momento, contemplado com monopólios altamente lucrativos como a
electricidade, as comunicações, os combustíveis, a distribuição postal, e
muitos muitos outros cuja importância estratégica aconselhava a sua posse nas
mãos do estado, não só por serem estratégicos, como a energia por exemplo, mas
por serem demasiado importantes para ficarem ao sabor das leis do mercado, leis implacáveis
para com os de menos posses, o estado cuidava de que fossem lucrativas sem
contudo nos esmifrarem sem qualquer arroubo de sentimentalismo serôdio. O
dinheiro ganho por elas, os seus lucros, iriam colmatar os buracos na justiça,
na saúde, no ensino, nos transportes etc etc etc…
Ora
sucede que paulatinamente temo-nos desfeito de dedos e de anéis, isto é, já não
temos essas empresas, aliás já quase não há empresas nas mãos do estado, pelo
que quando haja necessidade de tapar buracos ou reforçar meios a solução é
apertar o pescoço ao contribuinte. Nós ganimos, os chineses e muitos outros rejubilam
com os lucros, culpa nossa, ninguém nos mandou vender as galinhas dos ovos de
ouro. Hoje não temos EDP, nem REN, nem CTT, nem Telecom, nem estaleiros, nem
SETENAVE nem LISNAVE, nem portos nem ANA nem aeroportos, nem OGMA, nem TAP, nem
seguradoras nem bancos, a bem dizer nem temos as estradas do país, elas também
entregues às celebérrimas PPP…
Que
esperar do futuro ? Não sei, estamos a morrer mais e a nascer menos, emigramos,
definhamos, não temos futuro nem segurança, um descuido e o emprego vai-se, e
vai-se a casa, não há quem nos defenda, são só bluffs e faz de conta, e fico eu
imaginando que se Puigdemont corre o risco de cumprir 30 anos pela brincadeira ou
aventura catalã, quantos anos deviam apanhar os nossos políticos por andarem há
40 anos a gozar com este povo e a vender a pataco o país ?
E
termino deixando um agradecimento saudoso e sincero ao prof. José
do Nascimento Dias Sena, homem animado dum modo de ensinar peculiar, ensinava brincando,
e todos sabemos ser a brincar que se dizem as verdades e ter sido a brincar que
o macaco foi ao... Pois foi com o prof. José Sena que muito aprendi, e aprendemos coisas
que nem o Passos Coelho nem a Maria Luís Albuquerque nem o A. Costa sonham, ou nem sabem ou parecem nem saber, nem esses nem tantos outros antes deles, decididamente estamos entregues
aos bichos…
Amigos,
façam as malas ou matem-se… Não vejo outro caminho…
* José do Nascimento Dias Sena (1953-1994), professor emérito
da Universidade de Évora e último presidente da Câmara Municipal de Estremoz,
falecido durante o exercício do cargo.