sábado, 26 de fevereiro de 2011

26 - ESTOCADA...


Que se passou ? Que passou ? A polícia matou ! *

Todos se mexem excitados, correndo cada um para seu lado, evitando as balas, ou não sabendo que evitar foge-se e evita-se qualquer coisa, mesmo que nem se saiba bem o quê. Há que evitar o pior e pior são sempre as dores, o sofrimento, os estragos.

Não pensem estar ouvindo o relato de uma carga policial no Bairro da Fonte, ou numa qualquer favela de um qualquer país latino-americano, estão assistindo, por volta de 2002, ou 3, à abertura de um concerto ao vivo dos “Manu Chao”, em Paris, e ao vibrar de uma multidão, um vibrar rouco, um ronco surdo, que nos colocou a todos em polvoró e ululando felizes sem saber bem porquê.

Assim ficaram os meus neurónios, neurónios modo de dizer, acho que só tenho um, não sei, nunca os contei, sempre me limitei a concordar com o que sobre eles dizem, mas continuo achando ter um apenas, só sinto um percebem ? Superexcitado mas um ! Deste modo se sentiu o meu único, ou, como soa dizer-se, se sentiram os meus neurónios há dias. Não sei se um só se muitos, ou todos, sei que, sendo eu por formação espartano nos desejos que instigo, sujeito e exponho, aspiro ou submeto, ao sentir uma virtual estocada se me excitou porém todo um mundo de conexões que nem sabia estarem ou existirem em mim, pelo que apenas posso desejar que, de acordo com hábitos e uma moral própria há muito praticada, mais adaptada que assimilada, continue o mesmíssimo estóico de sempre perante a dor, o sofrimento, a excitação e a tentação.

Bateram onde dói, e bateram com tal força que temo ser sinal falso aquele desafio que quase o nem chegou a ser, tão rápido foi resolvido, mais parecendo onda morrendo na praia.
Não foi.

Contudo todavia mas porém não foi, e se não largo mão de um certo vídeo, King África, Paquito Chocolatero, é tão-somente por ele ser o que até hoje mais conseguiu identificar com o meu modo de ser, com a música que me encanta, existiu desde o primeiro minuto uma empatia uma alegria espontânea entre aquela trupe e o meu espírito, mudaram a beleza dos meus dias, espelharam em simultâneo em  mim a emoção do turbilhão que sempre são os meus pensamentos sonhos e desejos.

Nunca somos quem nos pensamos, somos para além disso, de tudo que nos imaginamos, e alguns de nós tão grandes, tão imensos, que nunca se nos vê o fim, nem adivinha o futuro. Nessa imensidão sou e me perco, me perturbo, me agito, como se eu fosse muitos, correndo cada um para seu lado, fugindo, evitando qualquer coisa, pois mesmo que nem saiba bem do quê há que evitar o pior e o pior serão os estragos.

Nem sei se dos homens há queixas de matadoras que os procurem dominar ficando-se por aí os seus intentos e vinganças. Sei que me vi num dos primeiros filmes de Almodôvar e como tal me sinto vítima de uma estocada da qual inda não recuperei porque o ferro tocou bem fundo e nem espaço tenho para tais sonhos albergar, quanto mais tentações, desejos ou aspirações acalentar ou permitir-me.

O espartano que há em mim quer nos desejos quer nas tentações a que me sujeito, há muito exigiu, de urgência diria, o mesmíssimo estóico de sempre perante a dor e o sofrimento, tão só por terem batido onde dói, e batido com tal força que nem sei dizer-vos nem contar-vos quão bem me sinto por finalmente ter dado uso a neurónios que nem sonhava haver em mim, nem sonhava existirem, e funcionarem.

E talvez por serem novas as suas conexões, andam, vibrantes e aos saltos como átomos numa molécula, provocando em mim visões e miragens ora repentinas ora duradouras, de peixinhos doirados a rosas totalmente azuis, como se a natureza tivesse cambiado as suas cores somente para me agradar e manter em mim a esperança nem eu sei no quê.  

A estocada primeiro, o silêncio depois, como se sapiente carrasco soubesse precisamente onde remexer e instalar inquietação, obrigam o estóico espartano que sou a ser paciente, a aguardar, sem sobressalto nem inquietação o que os dias e os Deuses entenderem ofertar-me, ficarei grato. Até lá, havendo quem aproveite as férias para pensar, aguardarei contudo que findem para sobre o fenómeno me debruçar, procurando entendê-lo, ou interpretá-lo sem alarme, desassossego ou perturbação que me tolham a presciência do porvir, calmamente o aguarde, calmamente o incarne, calmamente o acolha.

Será como auguro?

Ou dada a estocada estará cumprido o objectivo ?

Como será ?


* https://youtu.be/emhRyBsa47w