Que
se passou ? Que passou ? A polícia matou ! *
Todos
se mexem excitados, correndo cada um para seu lado, evitando as balas, ou não
sabendo que evitar foge-se e evita-se qualquer coisa, mesmo que nem se saiba
bem o quê. Há
que evitar o pior e pior são sempre as dores, o sofrimento, os estragos.
Não
pensem estar ouvindo o relato de uma carga policial no Bairro da Fonte, ou numa
qualquer favela de um qualquer país latino-americano, estão assistindo, por
volta de 2002, ou 3, à abertura de um concerto ao vivo dos “Manu Chao”, em
Paris, e ao vibrar de uma multidão, um vibrar rouco, um ronco surdo, que nos
colocou a todos em polvoró e ululando felizes sem saber bem porquê.
Assim
ficaram os meus neurónios, neurónios modo de dizer, acho que só tenho um, não
sei, nunca os contei, sempre me limitei a concordar com o que sobre eles dizem,
mas continuo achando ter um apenas, só sinto um percebem ? Superexcitado mas um
! Deste modo se sentiu o meu único, ou, como soa dizer-se, se sentiram os meus
neurónios há dias. Não
sei se um só se muitos, ou todos, sei que, sendo eu por formação espartano nos
desejos que instigo, sujeito e exponho, aspiro ou submeto, ao sentir uma virtual estocada se me
excitou porém todo um mundo de conexões que nem sabia estarem ou existirem em
mim, pelo que apenas posso desejar que, de acordo com hábitos e uma moral
própria há muito praticada, mais adaptada que assimilada, continue o mesmíssimo
estóico de sempre perante a dor, o sofrimento, a excitação e a tentação.
Bateram
onde dói, e bateram com tal força que temo ser sinal falso aquele desafio que
quase o nem chegou a ser, tão rápido foi resolvido, mais parecendo onda
morrendo na praia.
Não
foi.
Contudo
todavia mas porém não foi, e se não largo mão de um certo vídeo, King África,
Paquito Chocolatero, é tão-somente por ele ser o que até hoje mais conseguiu
identificar com o meu modo de ser, com a música que me encanta, existiu desde o
primeiro minuto uma empatia uma alegria espontânea entre aquela trupe e o meu
espírito, mudaram a beleza dos meus dias, espelharam em simultâneo em mim a emoção do turbilhão que sempre são os
meus pensamentos sonhos e desejos.
Nunca
somos quem nos pensamos, somos para além disso, de tudo que nos imaginamos, e
alguns de nós tão grandes, tão imensos, que nunca se nos vê o fim, nem adivinha
o futuro. Nessa imensidão sou e me perco, me perturbo, me agito, como se eu
fosse muitos, correndo cada um para seu lado, fugindo, evitando qualquer coisa,
pois mesmo que nem saiba bem do quê há que evitar o pior e o pior serão os
estragos.
Nem
sei se dos homens há queixas de matadoras que os procurem dominar ficando-se
por aí os seus intentos e vinganças. Sei que me vi num dos primeiros filmes de
Almodôvar e como tal me sinto vítima de uma estocada da qual inda não recuperei
porque o ferro tocou bem fundo e nem espaço tenho para tais sonhos albergar,
quanto mais tentações, desejos ou aspirações acalentar ou permitir-me.
O
espartano que há em mim quer nos desejos quer nas tentações a que me sujeito,
há muito exigiu, de urgência diria, o mesmíssimo estóico de sempre perante a
dor e o sofrimento, tão só por terem batido onde dói, e batido com tal força
que nem sei dizer-vos nem contar-vos quão bem me sinto por finalmente ter dado
uso a neurónios que nem sonhava haver em mim, nem sonhava existirem, e
funcionarem.
E
talvez por serem novas as suas conexões, andam, vibrantes e aos saltos como
átomos numa molécula, provocando em mim visões e miragens ora repentinas ora
duradouras, de peixinhos doirados a rosas totalmente azuis, como se a natureza
tivesse cambiado as suas cores somente para me agradar e manter em mim a
esperança nem eu sei no quê.
A
estocada primeiro, o silêncio depois, como se sapiente carrasco soubesse
precisamente onde remexer e instalar inquietação, obrigam o estóico espartano
que sou a ser paciente, a aguardar, sem sobressalto nem inquietação o que os
dias e os Deuses entenderem ofertar-me, ficarei grato. Até lá, havendo quem
aproveite as férias para pensar, aguardarei contudo que findem para sobre o
fenómeno me debruçar, procurando entendê-lo, ou interpretá-lo sem alarme,
desassossego ou perturbação que me tolham a presciência do porvir, calmamente o
aguarde, calmamente o incarne, calmamente o acolha.
Será
como auguro?
Ou
dada a estocada estará cumprido o objectivo ?
Como
será ?
* https://youtu.be/emhRyBsa47w