segunda-feira, 7 de março de 2011

31 - NÃO, NÃO É COMISERAÇÃO.............................

                         

Para aqui estou, olhando… Olhando e sorrindo a quem por mim passa. Rangendo os dentes de revolta, ódio, porque me sei diferente. Comiseração, não sei, apenas que se não na minha vida este acidente…. E eu seria outra, talvez indiferente ao que agora em mim mora, esta revolta, este ódio, a mim mesma, a toda a gente. Muita coisa mudou, foi como se o mundo tivesse acabado de repente. 

 Tantas as vezes que paro... e penso, qual caminho hei-de escolher, qual o melhor, se devo seguir o meu instinto, se o não devo fazer, pois sei que, aquele que escolher, será, e o outro, sempre para esquecer. Não há opções, não há alternativas.

Olhei-o, primeiro nele me despertou o corpo hercúleo, o porte erecto, os modos atentos, o sorriso franco, a beleza do olhar, a simpatia do trato. Não reparou que observado, continuou airosamente o seu mister, aproximou-se, não de mim, mas de uma caixa enorme que alguém deixara no meio do salão de exposição e vi-o olhar em redor, talvez buscando quem lhe valesse, retirá-la devesse, ou ralhado ser por tal desleixo.

Foi questão de segundos do olhar à acção, e, num ápice, numa destreza toda ela beleza, a segurança que só a força permite, baixou-se, pegou-lhe pelos cantos, e, como quem uma nota musical desenha, ergueu com tanta graciosidade quanta pode ter um simples gesto, aquele peso enorme até ao ombro, sem soltar um ai, um gemido, um lamento.

Siderada, ficaria horas olhando-o porque, nesse minuto vi quanta harmonia lhe animava a vida, felicidade irradiava do seu rosto belo, o cabelo escovinha, olhos pedindo avidamente ser beijados, ou eu desesperadamente desejando beijá-los, a tez morena, o peito largo, os músculos salientes e trabalhados, qual Adónis em cujo colo me entregaria, apenas para me afundar naqueles lábios carnudos e sedentos, ou sedenta eu porque para aqui sentada e condenada.


Bruno, assim se chama o meu enlevo, que nem sabe nem sonha quantas vezes aqui venho agora e desiludida parto se o não vejo.

Os ombros ! Que portento !

A altura meã, que mais lhe acentua os cânones que o corpo denuncia. Uma tara! Diria dele em meus tempos de menina e moça.
E não sabe ele nem nunca saberá quanto amor lhe dedico agora que presa e solta, presa em mim, solta dos constrangimentos, convenções e condicionamentos que esta moral em mim, em nós, inculcou e repudio num repúdio gritado, qual grito de socorro e desespero em que me enleio, em que me tolho, que me troa em pensamento mas nem ousa passar pela garganta e me sufoca.

E para aqui estou, olhando. Olhando e sorrindo a quem por mim passa. Rangendo os dentes de revolta, ódio, porque me sei diferente. Comiseração, talvez, quem sabe, sei só que não devia ter surgido nesta minha vida esse acidente…. E eu seria outra, talvez indiferente ao que agora em mim mora, esta revolta, este ódio, a mim mesma, a toda a gente.

É difícil de um momento para o outro aceitarmos que…

Porque se a todos vós amo, também a todos vós quero e nada mais anseio, apenas que não em mim este flagelo, esta vida parada, porque eu também quero viver !

Quero a vida cheia merda !
Estão a ouvir-me seus merdas !
Também eu quero a vida cheia !
Que se lixem todos !

E aqueles olhos pedintes, os lábios carnudos e sedentos, o colo em que me entregaria se pudesse, todo ele prometendo carinho, meiguice, doçura, mil promessas em que de bom grado me afundaria, mas não, condenada, agarrada a esta cadeira, e querem o quê fogo !

Sumam-se-me da vista !
Desapareçam !
Deixem-me só fogo !

Que desesperada e enleada em lembranças já esqueço, recordações esvanecidas, de momentos que contaram, já não contam.

Mãe ! Mãezinha ! Porque só agora te quero tanto ? Que nem correr para ti posso, abraçar-te, aconchegar-me no teu seio !

Tento soltar as asas, voar, procurar de novo algo, impaciente, ansiosa pelo que espero encontrar porque todos os dias novos esforços são novos desafios, desde o início, desde a partida, são sempre novos desafios e todos os trajectos são grandes, agora sei, conheço melhor o percurso da vida, e não devia ser assim, não devia nunca.

Todos os dias novos desafios, sempre, e em tudo, tristezas uns, alegrias outros, até atalhos parecem surgir, com diferentes vias, por vezes uma luz que sigo sofregamente e cujo caminho não tem, ou nunca mais chega ao fim e, se chega, quando chega, é ao fim da estrada imprudente que tomei.

Ao menos tu Bruno, estás aí posso ver-te, sonhar contigo, tocar-te.

Nunca o soubeste mas, dia houve em que sorrateira, empurrando esta cadeira, fui até à tua beira e me acerquei de ti, te toquei, e tu solícito, como sempre, como és;

- Em que posso ajudá-la menina ?

Corri !

Corri é força de expressão !

Nem sei como tanta força repentinamente me acudiu aos braços, de tal modo que em duas braçadas as rodas desta cadeira galgaram a saída e me vi só, feliz, contente por me teres visto e falado e por momentos, fui outra, fui como qualquer outra e, ruborizada, coração pulando no peito, sonhei-te, nesse momento como em tantos outros, e tens sido o meu sonho o meu elo de ligação à terra, o meu elo de ligação à esperança, e por dias se me aliviou o desespero.

Cuida-te Bruno, que essa moto, essa bomba, jamais faça de ti o que fez de mim um carro lindo...