Como,
nem eu sei. Sei apenas que, contra todas as expectativas e contra tudo que são
os meus hábitos e as atitudes repentinas que me caracterizam, contive-me.
A
custo mas contive-me.
Assinalei
o facto, lançando foguetes, dando ordens à banda para tocar e festejar, mas
obriguei-me a ficar ali, contido, expectante, não fosse inadvertidamente tocar
nalgum botão que disparasse coisa perigosa ou não pretendida.
Por
uma vez na vida terei que volver propositados sacrifícios, tanto mais se as
coisas valerem a pena, mor das vezes, nem tanto pelo seu valor intrínseco, que
nem estará em causa devido à incapacidade da sua avaliação ou estabelecimento
dos seus limites, mas por uma questão de ética ou de princípios, coisa em que
fui educado a rigor e jamais ousaria pensar sequer que tal alvitrar pudesse.
Ali
fiquei portanto, quieto e calado, mudo e quedo, numa alegria interior que, por
cinismo nunca repartiria e egoisticamente fruía. Por
momentos pareceu-me o planeta ter parado, estacado, enquanto eu, contido, gozava,
desfrutava essa sensação inenarrável que cambiou em remanso toda a visível
inquietude do mundo. Até
o sol me pareceu ter ficado por momentos suspenso no seu aparente movimento de translação,
as aves quietas, pairando imóveis nos ares, enquanto eu, travando a fulgurante,
impetuosa ou arrebatada e fogosa exuberância que permanentemente me anima,
estoicamente subjugava o espartano que já era, que sempre fui.
Por
uma vez na vida tomara uma decisão em três minutos, e por uma vez na vida me
pareceu ir pagar cara essa decisão. Ainda
hoje não sei se por ter sido demasiado breve e espontâneo na resposta, se por
ter demorado muito mais que habitualmente demoro em qualquer aspecto da minha
vida. Viver
comigo é, por vezes ou quase sempre, como que viver com o cobrador de bilhetes
de uma montanha russa. Muita gente o sabe e jamais lhes ouvi um queixume, os
meus amigos mais próximos o sabem melhor que ninguém, sem que lhes tenha
escutado um único lamento, comigo nunca há desânimo, ninguém tem a vida parada,
mas por esta vez, três semanas de meditação me aconselhei e impus, porquanto
sei quão pesadas analisadas e ponderadas vão ser as minhas atitudes e palavras.
Arriscar-me-ia
apostar que à milésima, e submetidas no final a um escrutínio de coeficiente de
ponderação cuja amplitude, ou margem de erro, que por certo adivinho ínfima. Tudo
porque contra todas as expectativas e contra tudo que são os meus hábitos e os
comportamentos repentinos que me caracterizam, me contive, a custo mas
contive-me. Agora
é já um outro tempo, é tempo de dar tempo ao tempo, de deixar assentar a
poeira, de me remeter a mim mesmo a um período de resignação, de contenção, de
renúncia, contemplação, abdicação, de sujeição a outros desígnios.
Com paciência me conformei já, e de antemão confirmo não ser o mesmo, agora
privado da minha impetuosidade orgânica, da minha impulsividade natural, pelo
que, durante nem sei quanto tempo, provavelmente nem me reconhecerão como eu,
mas um outro, a quem a espontaneidade tenha sido roubada que, cabisbaixo,
sonhador e saudoso, caminhe por uma vez como alguém designou, nem sei com que
autoridade, de “caminhada com os pés assentes no chão”. Pois
que pelo menos a alguém sirva esta atitude, esta imolação, a alguém cuja
subtileza capte quanto sacrifício cabe neste meu tão pequeno quão grandioso
gesto.
Durante
dias, qual estilita, ou asceta, de olhos em baixo, observarei as condutas do
mundo, as consciências do mundo, a elas me submeterei com parcimónia,
examiná-las-ei sem a mínima severidade, e vos juro, tentarei pela segunda vez
saber para que serviu e qual o proveito de quase cinquenta anos de vida
exemplar. Mas
igualmente vos garanto, que se o resultado a que chegar, concluir, como por uma
vez aconteceu já, nada ter de proveitoso ou sequer valer a pena, erguer-me-ei
do meu retiro, do meu recolhimento, e farei o que não fiz então, gritar-vos que
NÃO !
NÃO
VALE A PENA O QUE QUEREIS !
NÃO
ACEITO A VOSSA VIDA !
A
VOSSA UNILATERAL, FALSEADA E REDUTORA FORMA DE VIDA !
QUERO
SER EU PORRA !
DEIXAI-ME
SER EU ! DEIXAI-ME !
LARGAI-ME
DA MÃO ! VOCÊS ESTÃO LOUCOS !
SOIS
TODOS LOUCOS !
MAS
EU AINDA NÃO !!!!!