domingo, 28 de agosto de 2011

87 - CONTIDO ...............................................................



Como, nem eu sei. Sei apenas que, contra todas as expectativas e contra tudo que são os meus hábitos e as atitudes repentinas que me caracterizam, contive-me.

A custo mas contive-me.

Assinalei o facto, lançando foguetes, dando ordens à banda para tocar e festejar, mas obriguei-me a ficar ali, contido, expectante, não fosse inadvertidamente tocar nalgum botão que disparasse coisa perigosa ou não pretendida. 

Por uma vez na vida terei que volver propositados sacrifícios, tanto mais se as coisas valerem a pena, mor das vezes, nem tanto pelo seu valor intrínseco, que nem estará em causa devido à incapacidade da sua avaliação ou estabelecimento dos seus limites, mas por uma questão de ética ou de princípios, coisa em que fui educado a rigor e jamais ousaria pensar sequer que tal alvitrar pudesse.

Ali fiquei portanto, quieto e calado, mudo e quedo, numa alegria interior que, por cinismo nunca repartiria e egoisticamente fruía. Por momentos pareceu-me o planeta ter parado, estacado, enquanto eu, contido, gozava, desfrutava essa sensação inenarrável que cambiou em remanso toda a visível inquietude do mundo. Até o sol me pareceu ter ficado por momentos suspenso no seu aparente movimento de translação, as aves quietas, pairando imóveis nos ares, enquanto eu, travando a fulgurante, impetuosa ou arrebatada e fogosa exuberância que permanentemente me anima, estoicamente subjugava o espartano que já era, que sempre fui.

Por uma vez na vida tomara uma decisão em três minutos, e por uma vez na vida me pareceu ir pagar cara essa decisão. Ainda hoje não sei se por ter sido demasiado breve e espontâneo na resposta, se por ter demorado muito mais que habitualmente demoro em qualquer aspecto da minha vida. Viver comigo é, por vezes ou quase sempre, como que viver com o cobrador de bilhetes de uma montanha russa. Muita gente o sabe e jamais lhes ouvi um queixume, os meus amigos mais próximos o sabem melhor que ninguém, sem que lhes tenha escutado um único lamento, comigo nunca há desânimo, ninguém tem a vida parada, mas por esta vez, três semanas de meditação me aconselhei e impus, porquanto sei quão pesadas analisadas e ponderadas vão ser as minhas atitudes e palavras.

Arriscar-me-ia apostar que à milésima, e submetidas no final a um escrutínio de coeficiente de ponderação cuja amplitude, ou margem de erro, que por certo adivinho ínfima. Tudo porque contra todas as expectativas e contra tudo que são os meus hábitos e os comportamentos repentinos que me caracterizam, me contive, a custo mas contive-me. Agora é já um outro tempo, é tempo de dar tempo ao tempo, de deixar assentar a poeira, de me remeter a mim mesmo a um período de resignação, de contenção, de renúncia, contemplação, abdicação, de sujeição a outros desígnios.

Com paciência me conformei já, e de antemão confirmo não ser o mesmo, agora privado da minha impetuosidade orgânica, da minha impulsividade natural, pelo que, durante nem sei quanto tempo, provavelmente nem me reconhecerão como eu, mas um outro, a quem a espontaneidade tenha sido roubada que, cabisbaixo, sonhador e saudoso, caminhe por uma vez como alguém designou, nem sei com que autoridade, de “caminhada com os pés assentes no chão”. Pois que pelo menos a alguém sirva esta atitude, esta imolação, a alguém cuja subtileza capte quanto sacrifício cabe neste meu tão pequeno quão grandioso gesto.

Durante dias, qual estilita, ou asceta, de olhos em baixo, observarei as condutas do mundo, as consciências do mundo, a elas me submeterei com parcimónia, examiná-las-ei sem a mínima severidade, e vos juro, tentarei pela segunda vez saber para que serviu e qual o proveito de quase cinquenta anos de vida exemplar. Mas igualmente vos garanto, que se o resultado a que chegar, concluir, como por uma vez aconteceu já, nada ter de proveitoso ou sequer valer a pena, erguer-me-ei do meu retiro, do meu recolhimento, e farei o que não fiz então, gritar-vos que NÃO !

NÃO VALE A PENA O QUE QUEREIS !

NÃO ACEITO A VOSSA VIDA !

A VOSSA UNILATERAL, FALSEADA E REDUTORA FORMA DE VIDA !

QUERO SER EU PORRA !

DEIXAI-ME SER EU ! DEIXAI-ME !

LARGAI-ME DA MÃO ! VOCÊS ESTÃO LOUCOS !

SOIS TODOS LOUCOS !

MAS EU AINDA NÃO !!!!!