É domingo. A solenidade do dia
e o frio quebram-me as rotinas. Uma vaga sensação de frustração anima-me, mas
não me anima. O fiasco na reescrita e reenvio de uma simples mensagem vira-me
contra estas novas tecnologias que nos virtualizam a vida mas não inculcam
virtudes.
O que eu procurei no “Gifs
Flash do ORKUT”, e no “Glimbo”, um ramo inimitável de rosas que a fizesse
vibrar e lhe desse testemunho do meu querer e esta porcaria volta a colocar-me
mal, volta a não funcionar, tudo parece virar-se contra esta tão surpreendente
quanto aberrante e contra-natura amizade.
Saio a pé para distrair, o
sol que ela me lembra retraiu-se e tive por momentos de aconchegar luvas e
cachecol. Enganou-nos a todos este astro tímido, brilha mas não aquece e o
povinho, que nada parece esquecer, afirma há muitos anos tal coisa não se ver.
Verdadinha que se não vê, pior, sente-se na pele e de tal modo que, tiritando
mas gozando os luminosos raios em que me enleio, não evito, nem pelo frio nem
por ser domingo, este meu passeio de meditação.
Já lá vão três bicas, bebidas
como brasas com que procuro alimentar a fogueira ou a fornalha do meu viver.
Vou desandando, abandonando as ruas e escolhendo os caminhos matizados por este
sol que me refresca enquanto, delícia das delícias, do Céu o arco-íris me
abençoa.
Flores numa amendoeira que em
força floriu, única por aqui, flores como eu transidas, ou que se quedam como
avezinhas inactivas nos canteiros que soalheiros ainda não foram este ano, ou,
envergonhadas, fechando-se em copas, não desabrochando por represália o encanto
das suas pétalas e cores.
E não consegui largar na página daquela mulher única, daquela mulher de força o ramo que escolhera, nem lergar nem esquecer as flores escolhidas, malditas de novo e duas vezes estas tecnologias.
Poucas são as flores que,
quedas e mudas pelas geadas que as tolheram, se arrogam um ar de sua beleza. O tempo anda cambalhotando o
planeta, qualquer dia, rotações transladam-se, cortam-nos as vazas numa mão
para que não tenhamos naipe. Emissões e poluições irão traçar-nos ao arrepio os
hábitos futuros e o virtual mas não virtuoso
progresso corta-me as possibilidades, as opções. Por enquanto nada parece
acontecer neste cantinho para além do frio sofrido. Enrolo-me em mim e continuo
este passeio de passos perdidos.
Rumo além, onde, indiferente
às cambalhotas que damos, outras lindas amendoeiras, alinhadas e garbosas como
pavão há muito não visto por estas terras, exuberantes, mostram já os seus
leques de ramos floridos. Há cores que acalmam, as
amendoeiras sabem-no pois nos bafejam com seu hálito. Não estou só, muitas flores
debaixo delas se acolhem, como que sorvendo o odor idílico que me aquece a alma
mas gela o nariz. Bato os pés, esfrego as mãos e, de luvas, tento apanhar o ar
expirado, nuvem dissipada no mesmo gesto que enreda pensamentos e une propósitos.
Ao abrigo desse halo celeste
troco com elas pensamentos, como se nos conhecêssemos há muito. As amendoeiras, de ramagens de
malha larga, envolvem e enquadram o meu espírito, não perco o astro-rei, nem o
aroma desse turíbulo natural, qual incenso de rosa pintado que, enlevado, gabo.
O ar, aromatizado mas frio, não me cresta contudo o imaginado diálogo.
Escuso admitir porquê mas
sinto agora menos frustração, opressão, fico expectante, como se do abraço
dessas amendoeiras fluíssem apaziguadores esteios que, hoje, agora, e nos dias
que hão-de vir, sosseguem ânsias e crispações urdidas, crestadas pelo Inverno e
pelo lamento da técnica, que como ele me trocou as voltas, me deixa em estase.
Ensejo roubar ali mesmo um
ramo florido, retraio-me, as árvore são nossas, de todos, em vez disso fecho os
olhos, respiro fundo, trancando essa recordação uma vez mais e suspiro de alívio por o tempo
estar a mudar, e, enquanto o faço, imagino um florido ramo de amendoeira,
vogando no espaço, caindo suavemente no colo dessa mulher única que me prendeu o
pensamento.