Bateu a porta, sentou-se ao volante, deu à ignição e
ficou ali, assim, olhar parado, fixo no nada, lá longe.
Sorriu.
E o sorriso ficou-lhe pendurado no rosto uma
eternidade, diria mesmo que sorriu dentro do sorriso que já tinha porque os
olhos se mexeram.
Às mulheres não podemos, nem devemos possuir de
qualquer maneira, nem sequer do mesmo modo. Não há duas iguais.
Há as docinhas, meiguinhas, sofridas, mal tratadas,
violentadas, combalidas inseguras, arrastando egos esvaziados, indecisas, a
requererem atenção, preparação e paciência, uma dedicação extrema e um cuidado
redobrado. Detestam ímpetos e esquemas improvisados.
A vida já lhes deu a dobrar a cicuta desse cálice.
Temem o gesto repentino, o modo brusco, a palavra impensada ou em tom elevado, como temem um olhar acusador.
São mulheres que perderam a sexualidade, se é que
alguma vez a tiveram, objecto que se sentiram de sultões indecorosos.
Pareceu-me cansado. Cansado mas feliz. Tão feliz que
arrancou sonhando e logo ali ia abalroando outro carro. Nem parou, provavelmente
nem deu por tal, o outro condutor, repentinamente parado, batia com a mão na
testa, pasmado. Explicito.
Apaga a luz sendo ela tímida. Querendo tudo, todo, acabar,
chegar ao fim, abandona precipitações palavras e gestos irreflectidos. Não lhe
olhes a nudez por mais divinal que seja. Mantém o recato, dá-lhe tempo espaço e
segurança. Deixa que a sensualidade lhe emirja natural e placidamente.
Apaga a luz e não a olhes nos olhos, nem de forma
desafiadora, sê paciente e comedido. Uma coisa de cada vez. A nada a obrigues,
deixa tudo fluir naturalmente, ao menos que assim pareça ser. A mãe natureza
não nos fez todos iguais. Temperatura a mais fará hormonas estalar e saltitar
como pipocas no tacho. Permite-lhe que marque o ritmo, ela agradecerá.
E a ti que diferença fará uma semana, um mês, qual a
pressa ? Estás de empreitada ? Vai com vagar, com calma. Keep calm que Roma e
Pavia não se fizeram num dia.
Não mais de dez minutos volvidos sobre o quase
acidente uma ruiva abandona o prédio em frente. No rosto um sorriso, na mão uma mala
Louis Vuitton, o cabelo tratado, lindo e volumoso.
O sorriso denunciou-a, um sorriso igualmente pendurado
no rosto, diria mesmo que um sorriso tão grande que mais parecia um sorriso
dentro de outro sorriso, os olhos brilhando,
mexendo.
Ter uma mulher é fácil. Vencer a timidez é de
artista. Saber vencer é de gente grande. Estabiliza filho, estabiliza…
Nas fitas do cinema de réprise do meu bairro quando
miúdo, as mulheres não se conquistavam. Tomavam-se. Não se aguardava a sua
dádiva, a sua entrega, o galã submetia-as pela sedução, e tomava-as. Gozava-as.
Usava-as.
A maralha exultava.
Uma vez houve que uma cena entre um padre jovial,
armado de supina beatitude, alto, todo ele sorrisos, e as freiras e beatas que enxameavam
a igreja da freguesia que nem vos conto. As beatas...
Bem, o melhor é contar-vos depois, não são elas a
razão desta arenga…
Claramente nada escapa às regras e o cinema não é
excepção, evoluiu. Hoje faz-se amor com mulheres desinibidas, loiras ou morenas
mas seguras de si, e sabendo o que querem.
Usam malas Louis Vuitton, viajam na British Airways,
usam tampões OB, Evax , Tampax e shampoos que dão volume.
São lume.
Especialmente se maduras fazem o meu género e, ao
vê-las na fita encolhia-me na poltrona, mordiscava as unhas e abafava as risadas.
São lume !
Durante anos e anos não falhei as sessões de sexta –
feira !
Avançam para as câmaras de peito ufano, grandes
decotes, parecendo o Titanic sulcando as águas antes do desastre, sem taras,
sem complexos, sem medos. Há mulheres de quem o melhor é fugir, mas não destas...
Sorrisos sobre sorrisos, olhos brilhando, mexendo.
Com mulheres assim que pensa em preocupações ?
É tudo naturél !
Vem a bola e força !
Ah ! Já me esquecia daquela história das beatas !
Bem, deixa ver se me lembro porque a história das
beatas sempre me deu para rir cada vez que a conto. Quando a vivi a vontade de
rir foi nenhuma é certo, mas ao contá-la, não me sustenho e o riso atrapalha-me
até a voz.
Na época a malta descalçava-se para jogar à bola não
fosse uma biqueirada mal dada rebentar a biqueira (desculpem-me a redundância)
à bota. A ser assim era sova garantida.
Jogávamos num terreiro ao lado do convento,
atravessado por vereda marcada por quem buscava a cidade torneando a porta
grande e a principal entrada nas muralhas. A vereda encurtava caminho.
Chutada a bola com mais força sumira-se nos arbustos
por baixo da janela do convento. Eu caminhava descalço, pé ante pé.
Bem, a verdade é que não a vi, e como a não vi,
inadvertidamente pisei-a e queimei-me ! Dei um urro e abalei dali a ganir.
Que esperavam ?
Ainda hoje tenho a marca da queimadela.
P’rá semana é a final !
E não podemos deixar o Bº. de Stº. António vencer !
Não posso !
…