sexta-feira, 12 de julho de 2013

149 - NO FUTURE .................................


Vejo-a há que anos atrás de um balcão. Como ela muitas e muitos. Marquei- - a. Ter um olho de cada cor foi-lhe fatal. Dantes na peixaria do hiper, depois na caixa, depois na recepção. Há uns quatro anos atrás na padaria Moderna, posteriormente na pastelaria logo ali ao lado. No verão passado na esplanada da praça do mercado, para o ano, bem, para o ano e para se entreter talvez voluntária numa Fundação qualquer.

A esta gente todo um mundo de oportunidades se lhes abre. Esta pequena, esta jovem mulher dizem, tem uma licenciatura em sociologia, mas podia ser em quaisquer outras áreas. Há quem teime que terá também um mestrado. 

E olha cabisbaixa entre duas bicas que avia a outras mulheres já com filhos e com a vida feita, já com passado e com futuro, serve-as maquinalmente, os bolos maquinalmente, capaz de as servir mas incapaz de lhes sorrir.

E enquanto limpa as mesas afaga os cabelos de crianças que nunca teve nem nunca terá. Terá mais algum canudo ? Boa pergunta, mas não me atrevo a fazer-lha. Muita desta rapaziada sem futuro alimentou a ganância de outros, de gente sem escrúpulos, e tem um canudo. Ou mais. Não lhes deram nem lhes venderam um futuro, um canudo sim. E promessas. E ilusões. E ao limpar as mesas afaga cabelos a crianças como as que nunca teve e jamais terá...

Limpa-as mecanicamente, arruma as cadeiras mecanicamente, e aquiesce aos pedidos da freguesia mecanicamente.

O velhote treme que treme na mesa do canto foi meu professor tinha eu onze, doze, ou treze aninhos. Lembro-o bem, um colosso desempoeirado irradiando empatia.

Agora sobrecarrega-a com pedidos e pedidos. Ela aquiesce e serve. Serve-o como serve a todos, com servilismo mas sem sorrisos, aquiescente e ausente.

Aposto que se dessem um giz ao velhinho ainda faria com três traços e uma curva um desenho de espantar. Em tempos maravilhou-me. Há gente que fala como ele desenhava. E ele com medo que lhe cortem, e cortam, cada vez mais na reforma. Outros, donos do país da cidade, do futuro, de nós.

O Gaspar levantou-se da mesa e saiu sem pagar. Eu pago. Eu pago tudo. Julgou que chegava aqui e punha todos a beber bicas e a sorrir. Não lhe achei graça.

Por trás do balcão ela continua tirando bicas, mecanicamente. Sem um sorriso. Com muita aquiescência mas sem mais que isso. Quem lhe roubou o futuro desfez-lhe o sorriso. Sem crianças, nem loiras nem morenas como as que lhe saltam em redor exigindo gelados. Nem se queixará que lhe cortam na reforma. Nem terá reforma.

O Casas Velhas fechou a mercearia e veio namorar para o café. Namora há mais anos que eu venho a este café todos os dias para a bica a meio da manhã. Ela quer casar aposto. Ele faz ouvidos de mercador enquanto foge com o cu à seringa.

A mocinha por trás do balcão sabe que o futuro já foi.
O Casas Velhas também.

A mercearia sem clientes. A mercearia com cães. Ele incapaz de cobrar essas dívidas, que já nem cabem no livro, a namorada arrastando-o para o juízo final.

“ Não encontre defeitos, encontre soluções “ dizia Henry Ford. Estas vidas não têm remendo, nem remédio. Este país não tem futuro, esta gente, os outros, resolveu as suas vidas mas não arranjou soluções.

O meu antigo professor de desenho traçou, gesticulando raivosamente, um desenho no ar. Aposto que era lindo e, no auge da inspiração, quedou-se inerte sobre a mesa.

Ela não se assustou. Nem sorriu. Não reclamou. Nem tossiu.
Ligou para o 112, depois limpou os cacos e o entorneiro.
Mecanicamente, servilmente, como sempre.

Ele, aposto, não voltará a vituperar a reforma.

Nem os outros.