Quase esbarrei com ele, verdade que eu ia distraído
no meio da turbamulta dos turistas e dos indígenas que aquela hora demandavam o
castelo, mas ele, sentado a meio do percurso, favorecia os
recontros se é que não os procurava.
A seu lado uma peanha/tripé de pauta musical suportava
as fotocópias que à laia de cartão de visita ia distribuindo pela direita e
pela esquerda, esquerda de onde lhe caía um braço cuja inércia denunciava
problemas agravados de saúde.
Adivinhei-lhe os olhos por trás das lentes verde
escuras de uns Ray Ban com mais de cinquenta anos, o seu ar sisudo, os
manguitos que vestia, mais que impedir-me concitaram em mim o desejo, e a
curiosidade, de lhe desvendar os segredos.
Esbocei um sorriso, estendi-lhe o braço e aceitei o
papel que me estendia, abrandei o passo e fui lendo o que dizia:
“ À tua consideração.
Por favor, abre e lê, desejo apenas um pequeno momento
teu, uma moeda, talvez duas, uma esmola.
Olhas-me espantado/a ?
Até 2013 eu era felizardo, talvez como tu.
Depois acreditei na promessa feita aos funcionários
públicos e reformei-me para amparar os últimos dias daquela ao lado de quem fui
feliz tantos anos.
Mas os cortes na pensão deitaram-me abaixo, devo ao
banco ainda três prestações do mesmo T1 onde sempre vivi e que sob ameaça de
despejo as reclama, e às finanças o IMI deste e do ano passado.
Já não toco violino, um pequeno AVC, seis meses
depois de Deus me levar a alma gémea, deixou-me o lado esquerdo paralisado.
Nem tenho cão, mas espera-me em casa uma gatinha,
agora a minha única e fiel companheira.
Nunca lhe falho com o veterinário, já de mim, até os
remédios só quando e se tu fores generoso /a.
Não, não se deve à proeminência esta barriga, deve-se
à fome que tenho e à vergonha que sinto.
De qualquer modo obrigado, olha, não deites para o chão
este papel, entrega-o a outro passante, e o Senhor te dê em dobro o que sempre
quis para mim, longa vida e saúde, o que eu mais invejo e lamento não ter.
Obrigado. “
A seus pés, num boné coçado metido dentro do estojo de
um violino algumas moedas brilhavam com o sol, do violino nem o cheiro, somente
o arco jazia deitado ao comprido na caixa envelhecida.
Um pequeno gravador destilava repetidamente as notas
de uma sonata para violino, “ Caprice em Lá menor, de Niccolò Paganini “, o
homem que tocava violino magistralmente...