quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

ABRACADABRA .................................................



Não era a fé que me movia, nunca a tive, aliás, peço desculpa, uma vez houve em que me vi tão atrapalhado que supliquei perdão por todas as minhas faltas e roguei pela minha salvação daquele inferno, tudo prometi e todo esse empenho ficou por cumprir. Sou portanto devedor, devedor de mim mesmo, que me obriguei num momento de aflição para depois aligeirar o fardo, quando sobre as costas me não pesavam já os receios, os medos, os terrores.

Não era o caso agora, agora tratava-se de cumprir um mandamento tão velho quanto o mundo, tratava-se de dobrar-me sob o jugo de uma força maior que eu, de soçobrar perante o instinto inato que protege as espécies e lhes garante sobreviverem e multiplicarem-se.

Nesse momento mágico, como um crente ante sacra imagem, entrei em transe e, mais que a vergasta com que o desejo soe golpear-me nesse recolhimento, o corpo se me verga sob o truísmo encantado da minha devoção,

digo-to para que saibas desta fé em mim e me ofereças o linimento das águas desse cálice que sedento busco, sequioso, na mira de abafar as tormentosas chamas que me queimam e me não trazem nunca a quietude que desejo e só alcanço quando em ti me dessedento.

Compreende então que não suportando a angústia me ajoelhei ante ti numa penitência de mártir, te abracei como um náufrago suspenso do salvador, arrastando-o na espiral da morte, na vertigem dos abismos em que a redenção não é o meio mas o fim último da submissão, do gesto e da catarse.

Por isso te abri como a um sacrário, ávido de maravilhar-me no teu santo graal, como quem sucumbe ao encanto duma odalisca, ao aroma adocicado das amêndoas, ao sabor agridoce de travo suave dos pêssegos rosa, por isso me quedei como se ante um cibório, não antevendo mas vivendo os prazeres do êxtase, vogando no paraíso prometido por todos os profetas em todos os sonhos e em todas as vidas.

E feliz sucumbo à minha voracidade, por ser aí que finalmente me perco e me encontro, porque então, sim, só então sublimo a tentação que me arrastara, sôfrego, ao âmago de ti, por em ti encontrar o carrasco e a salvação dos tormentos em que me deleito e suplício, qual cilício e cura desta paixão que me consome.

Somente isso explica a profusão de beijos com que, enlouquecido, numa fúria aparente, cubro o objecto da minha fé, da minha devoção, da minha entrega, ciente de ser este paroxismo avassalador que simultaneamente me subjuga e liberta da sensação, em mim somatizada, que me guia e me cega enquanto se não cumpre o destino, a sina, o fado, e os lábios te tocam, a língua te procura, porque a sede é tortura consumindo-me as entranhas.

Apazigua-me esta dor o néctar dos deuses, ou d’uma flor, é vibrando que o procuro, e então, num estremecimento, guloso, sorvo-o num estertor, alarvemente, esquecido do tempo e do lugar, esquecido de mim precisamente quando eu um outro, quando e se ousas derramar sobre mim essa taça, ou me obrigas, também tu já toldada, já possuída da mesma fé, da mesma devoção, a beber do cálice a cicuta da vida, por sentires e saberes que só a ressurreição nos limpa do pecado se por amor nele mergulhámos.

Cega-se, cega-se e só a mente em turbilhão nos acompanha, não guia, acompanha, enquanto a língua tacteia o caminho, o cruzamento, enquanto a boca clama, voraz, o veneno e a paz, o tudo e o nada …

E antes que tudo termine caio a teus pés, prostrado, numa pausa redentora, porque agora sim, estamos prontos, pois a noite é nossa e chegada a hora de nos cumprirmos,
                 
                   seja...