De todo o lado me chega notícia de um
bom aluno que hoje, impotente e com perícia, como um cábula mente e como gatuno que rábula inventou me irrita até à medula, me põe hirta me põe
fula, já que por tudo e por nada nos surge no fim da lista. Este
pequeno torrão que já foi primo inter pares é agora um aldrabão e no que
concerne a azares, sempre sempre entre os primeiros.
Andava
eu meditando que nada lhe vou achando em que não mostre uma nódoa, distinção em
nada própria que, solene nele destoa, quando por causa da sida, coisa que
ninguém precisa, p’ra me tornar menos crente tira nota de excelente. Isto
não é já um país, nem aluno ou aprendiz, mas antes caso perdido onde vive um
povo sofrido e em que cada um diz o que diz, nunca dizendo o que sabe, tão
pouco sabendo o que diz.
Talvez
por tão melindrada que a situação se torna e por ver malhar na bigorna tudo
que é coisa acertada como quem malha em ferro frio, algo me veio aos ouvidos
que me quebrou o fastio e me arrancou de pruridos. Não
conheço o orador que, por uma vez sem pudor, teve o condão de gritar, não a
medo ou sururu, a verdade tão à vista, de que afinal o rei vai nu. Fê-lo
do alto de um monte, do púlpito de velha igreja, recriação de Xenofonte,
Anacreonte ou arconte. Fê-lo fazendo dele grito, que saiu sem um
atrito, não gerou qualquer conflito, nem foi causa de delito, antes discurso
bonito e muito, muito bem dito, mas c’o ar de quem peleja sabendo de ciência
certa quanta razão lhe sobeja.
E foi
com uma voz feroz que atacou ali, sem peias, sob o olhar de Santiago e rodeado
de ameias, a “Pobreza Contra a Qual se Luta”, como quem diz; “A Pobreza Contra
a Qual Lutamos”, num discurso sem rebuço, como que erguendo bem alto um pano,
estandarte ou bacamarte, lutando denodadamente p’ra tornar aquela gente crente
da verdade incómoda que deixa qualquer pessoa, pensativa mas mais sóbria. Gastar
dinheiro com a pobreza, segundo o articulista, deu-nos a única certeza que, de
tal a bem ou a mal muita gente se alimenta e sem que dela padeça. E p’ra vos
dar uma pista, direi haver quem se amamenta como se aqueça ao braseiro,
inda sem que disso careça.
Programas
comunitários, ou de outra fonte qualquer, são sacrário onde comer se tornou tão
grande hábito, onde sem ser preciso apito há quem lobrigue o infinito, fazendo
do bodo um gambito e aos pobres um manguito. Caudal
de sobrevivência, catedral de bom emprego, a luta contra a pobreza é hoje a
espinha dorsal de uma hierarquia estival da qual, para o bem ou para o mal só
nos fica uma certeza; tem aumentado a pobreza na directa proporção do muito que
lhe destinam, que é o mesmo que dizer que quanto mais pão lhes dão mais pobres
estendem a mão.
Calhando,
fazendo as contas, com o erário que foi gasto nas lutas contra a pobreza e
baralhando os costumes, já tínhamos há muito feito de cada pobre um milionário,
o que eles não negariam, pois por certo não viveriam com queixas ou azedumes. Não conheço
o personagem, dono da voz tonitruante que apareceu em Monsaraz, qual Cavaleiro
Andante pregando veras verdades sem companhia de pajem.
Calhou chegar até mim o pregão de um homem
seguro que, ao longo de várias idades parece ter tido o condão de irritar
celebridades. Há quem diga ser um puro, outros chamam-lhe
arrogante, sei por ter ouvido contar que é p’lo menos bom pensante. Parece que
ao invés de muitos, o que tem para dizer, di-lo, não se constrange ou amedronta
qualquer que seja a afronta e tem por nome Camilo.
Mor
d’água vos deixarei durante algumas semanas, vou a banhos, vou de férias,
aproveitar dar umas lérias, passear p’lo Al Andaluz, calar canseiras, enganos,
ganhar coragem, decisão, pois na volta tenho à espera, de novo o cirurgião.
BOAS
FÉRIAS.
* Crónica publicada por Maria Luísa Baião em Diário do Sul - Kota de Mulher - s.e.o. em Março de 2003, a propósito de um discurso de Camilo Mortágua, proferido na igreja de Santiago, integrado numas jornadas referidas no texto, vivia-se a iniciativa "Monsaraz Museu Aberto" nesse dia sob o lema da pobreza do país, governava então Durão Barroso.