Agora,
que já te vais familiarizando com a coisa, é chegada a altura de dar um avanço
na dita e o momento p'ra fazermos um suponhamos.
Supõe que tens a formação efectuada e que, mau grado o 9º, ou o 12º ano, ou alguma
licenciatura que tenhas não te servem para nada. Ainda tentaste um mestrado, de
seguida um doutoramento, igualmente para nada. Neste pais não tens a mínima
hipótese de saída profissional, ainda por cima teimas não aderir a um partido…
E emigrar não queres… Serás como eu, que sou teimoso e entendo esta terra
minha, dos portugueses, e não acho justo que justamente os outros, os
estrangeiros, sejam quem nela tem maiores oportunidades e nível de vida… Eles
compram tudo e não nos deixam nada…
Olhamos
para os Salgados, para os Oliveira e Costa, para os Rendeiro, para os Dias
Loureiro, para os Lima e tantos outros e perdemos a fé na justiça. Há muito
conclui que nesta terra vale a pena ser sério, sobretudo se esperarmos um
lugarzinho no céu. Por isso deduzo que farás as tuas contas, como eu fiz as
minhas, cujo resultado foi ainda acreditar nesta democracia. Ela terá também
uma oportunidade p'ra mim, assim eu queira, assim eu saiba, assim eu resolva os
problemas de consciência que, desgraçadamente me afligem a moleirinha. Toda
essa gente que atrás citei, ou não tem problemas ou não tem consciência, ou
nenhuma das duas. No tempo de Salazar era tudo mais fácil, nem essa tal gente
teria ousado, seriam chamados à pedra de manhã e atirados para o Aljube ou
Caxias à tarde, e antes que piscassem um olho os bens estariam confiscados.
Agora é diferente, temos democracia e temos justiça, e leis, e buracos, e
virgulas, e legalismos processuais que permitem a quem tenha dinheiro eternizar
os processos até à prescrição, ou até que os netos morram de velhos…
Subtil,
disfarçada, camuflada, a luta de classes aí está para te tornar servo da gleba
de novo. A escolha é tua, sim ou sopas ?
Meio
mundo a foder o outro meio mundo, desejas ficar por cima ou por baixo ? Faz
como o Catroga que soube escolher bem … Ele e tantos, desde a 1ª República que
não se via nada assim…
Continuando
o nosso suponhamos, fizeste as tuas
contas, fizeste a tua opção, fizeste a tua revisãozinha moral e constitucional,
e supondo teres concluído que a democracia jamais se ajustará a ti, irás tu
ajustar-te a esta democracia. Muito bem, ou muito mal, já que se há alguém que
não deve meter prego nem estopa sou eu, que me devo manter a leste, não
influenciar, não meter o bedelho, nada de intromissões, serás tu, terás que ser
tu sozinho (a) quem terá que ultrapassar pruridos, se inda os houver.
Pois
bem, vamos supor que os ultrapassaste, que leste com atenção o primeiro,
segundo e terceiro textos desta série, alegadamente estarás disposto (a) a ir
em frente, então entremos noutros campos, o do equipamento pessoal de
auto-ajuda e o das relações pessoais e humanas, qualquer deles como verás,
igual e extremamente importante para o teu desempenho e futuro, para o teu
sucesso, para o aproveitamento de todas as tuas potencialidades. Vamos
debruçar-nos sobre o equipamento primeiro por ser atar e pendurar, como no
fumeiro, num instante despacharemos esta parte, a outra exigirá mais tempo e
atenção.
Começarei
pelo primordial, óculos de sol que te permitam ver sem que ninguém se aperceba
para que lado ou para onde estás olhando, para disfarçadamente poderes olhar de
viés… Bloco-notas, tomar nota é essencial, em muitos casos pode ser a pedra
angular de um resultado, deverás observar qualquer situação muito bem antes de
agires, não o faças sempre às mesmas horas nem a partir dos mesmo locais, já há
dois séculos Darwin se referia e explicava a coisa aludindo à riqueza infinita da
variedade, portanto varia, varia para que ninguém te estranhe e ou te denuncie,
varia o local, as roupas, as horas e se possível o carro ou a mota, mas varia
muito.
Vivenda,
apartamento, condomínio, escritório, fábrica ? Aponta tudo muito bem, quantas
pessoas, a que horas partem, a que horas voltam, quantos carros, marca, cor,
modelo, se estacionam sempre no mesmo local, se frente à casa ou na garagem,
voltam ao almoço, um, os dois moradores, nenhum ? Como são as portas, as
janelas, existe quintal, portas e janelas nas traseiras, quem são os vizinhos,
quais os seus hábitos, a que horas o carteiro costuma aparecer, existem cães ? Este
questionário, que pode e deve ser constantemente melhorado e tão extenso quanto
possível e as circunstâncias o permitirem e aconselharem nem é o primeiro
passo, mas dar-te-á milhares de informações e poderá permitir-te laborar às
claras, sem pressas, sem stress, portanto com menos risco e maior proveito.
Disse o segundo passo porque o primeiro deverá abranger o “quem” ? Quem
observar, quem eleger para fulcro da tua atenção ?
Se
tiveres veia voyeurista escolhe gajas boas, ou machos musculosos, eu não tenho que
discriminar, se tiveres outros motivos ou intenções então os teus alvos terão
naturalmente que ser outros, deduzo eu. Eu que somente uma vez, e há muitos
anos espreitei uma vizinha no banho, mas calma, fazia-o porque ela sabia, ela
deixava, ela incentivava, e até abria a janela da casa de banho e afastava os
cortinados mal acabava de me acenar e dar os bons dias. Eu fui seduzido é
verdade, mas não posso dizer que tenha sido enganado, primeiro porque o produto
era de primeira, e em segundo lugar porque quem acabou por casar com ela e
manter-lhe os gastos caros foi o capitão Evaristo, meu
vizinho, que avançou apesar dos seus sessenta e muitos, e que ainda ontem vi,
aliás vi os dois (ela amparava-o carinhosamente), saindo do escritório de advogados
de Honório & Otário, ali à travessa da Mangalaça.
Mas
enfim, sê justo (a) e democrata, nem tudo servirá nem será eticamente indicado
para alvo da nossa atenção, ainda que haja mulheres que pela sua beleza a
suscitem, ou gajos bem apresentados e que a mereçam, montados em Ferraris mas
com salários em dívida a centenas de trabalhadores. Nunca esqueças quão efémera
é a beleza, até porque gajas boas haverá sempre, centra-te na justiça,
essencialmente na justiça redistributiva, como o Robin os Bosques, ou o Zé do
Telhado, para que não digam que excluo a nossa literatura.
Após
esta fase de observação e selecção de alvos, sobre a qual muito mais poderás
aprender em manuais de treino militares, passemos ao equipamento de uma forma
rápida e geral, superficial, pois a prática e as necessidades que sentires em
cada ocasião te aconselharão a ir melhorando esse arsenal, até por não haver
muitas situações iguais, como concluirás. Já tens óculos de sol, bloco-notas,
pois arranja também binóculos bons, anti reflexo, e se possível uns que te
permitam tirar distancias e tirar fotos, já estão no mercado uns digitais,
ainda caros, mas um must ! Gravam e
fotografam tudo, até fazem pequenos vídeos como os telemóveis e gravam as
observações verbais que lhes queiras adicionar ! Depois e genericamente, luvas
finas de algodão, há baratas em qualquer hipermercado, atenção, nunca as uses
mais que numa ocasião e tem cuidado a desfazer-te delas, como aliás do bloco-notas
etc etc etc… Todo o cuidado é pouco, assegura-te que essas provas sejam mesmo
destruídas.
Continuando,
uma dúzia de ténis discretos e baratos cuja sola seja sempre desigual, também
não devem ser utilizados mais que uma vez, destrói-os sem complacência depois
de utilizados, se usares sempre os mesmos qualquer perícia e observação atenta
será capaz de provar em quantos e quais os lugares onde passaste ou estiveste….
Um aparte, usa o cabelo curto, (caem menos) e os bolsos tanto quanto possível
vazios, tal reduzirá as hipóteses de, inadvertidamente deixar pistas nos locais
visitados. Nunca abandones ou atires fora um lenço onde cuspiste, te assoaste
ou limpaste, temos tendência a atirá-los fora, quer para o lixo quer para a
sanita, e mesmo nessas, nunca urines ou defeques quando estiveres a trabalhar,
nem que puxes dez vezes o autoclismo, o ADN agarra-se a tudo, e nunca o vemos…
E
finalmente o estojo, deverás compor um com várias ferramentas, um canivete suíço
e um apalpa folga adaptados, um busca polos daqueles com fio entre o ânodo e o
cátodo (normalmente trazem um fio de 20 a 30 cm), fio que substituirás por
outro de 2, 3 ou 5 metros de alcance. Uma ventosa e um bom corta vidro de
diamante, digo bom porque os baratos acabam por sair caros… e nunca cortes o
vidro do mesmo modo pois isso acabará como sendo uma “assinatura” que te
identificará. O modus operandi já tem mandado a baixo resultados muito
bons…Habitua-te a usar e a levar roupas justas e discretas, roupas que não prendam
os movimentos nem se prendam deixando comprometedores bocados… até um
fio nos codilha… as coisas falam... Podes até ter fardas, dos serviços de gás, de electricidade,
dos telefones, das águas, não esqueças o boné, cuja pala deve recair sobre o
rosto, como não deves esquecer os emblemas dessas entidades e o uso de uma
ficha/questionário elaborada por ti e para recolha de informação.
Tais
adereços permitir-te-ão entrar nas residências em quaisquer altura em que os
ocupantes lá se encontrem, e assim poderás “ver” os equipamentos e, claro,
aproveitares para observares outros pormenores, tranca-portas, alarmes, outros familiares que também
habitem a casa, gatos, quadros, castiçais, bibelots, porcelanas, pratas,
guarda-jóias, estanhos, terás que treinar o olhar até se tornar fotográfico,
tens bons argumentos para seguir canalizações, torneiras, tomadas e fios
eléctricos, de telefones e cabo, chuveiros e esquentadores, desculpas que te
permitirão deambular por toda a casa e, mal saias, registar as peculiaridades
no bloco-notas antes que te esqueças do que viste. Atenção a esse bloco,
dar-te-á muito, mas também te pode dar uns bons anos de arrelias, o bloco ou
imagens que fiquem nos binóculos, telemóveis, máquinas fotográficas ou pc’s. Aprende
a limpar tudo, mas a limpar mesmo e não só apagar.
O
resto são trivialidades, um alicate, uma chave de fendas forte, ou várias, uma
gazua não pois daria muito nas vistas, em vez dela um desmonta pneus
preferencialmente usado fará melhor, passará despercebido, e sempre podes
alegar ter sido esquecido dentro do carro por alguma oficina onde tenhas
estado, uma pequena lanterna de foco fraco e concentrado também será de muita
utilidade e não chamará a atenção a partir do exterior, o que para já
completará o nosso estojo, a vida e a prática te aconselharão melhor que eu a
torná-lo mais e mais completo e bem apetrechado. Ah ! Uma marreta de mão e um
punção serão muito uteis para sacar canhões de fechaduras…
Por
hoje é tudo, já estou a adivinhar a tal gaja a espumar pelos cantos da boca, na
nossa próxima e última aula abordaremos a complexa questão das relações sociais
e humanas sob variadíssimas perspectivas, é a parte que geralmente toda a gente
adora. Incluindo eu.
(continuará
num próximo texto)
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