sexta-feira, 23 de outubro de 2015

282 - NUDISMO EM SINES ??????????????????? ...


           Nós queríamos vê-las, não tanto porque isso tivesse alguma particular importância, essencialmente matar-nos-ia a curiosidade. Nem era eu o único sedento por descobrir o que teriam elas de especial que fizesse aquele grupinho dos grandes babar-se e gargalhar sempre que alarvemente  se juntava. Invariavelmente eram cercados pela garotada e pela rapaziada, ávida de os ouvir, mor das vezes sem os entender…

Houvesse esperança e paciência para esperar que no fim da conversa as mulheres viriam forçosamente à baila, nunca vi nenhum daqueles grupos dispersar-se sem que assim não fosse e sem que dissensões que eu então não entendia conduzissem à dispersão dos grupos de galhofeiros.

As viagens eram difíceis, nem melhoraram de ano para ano, ao camião eram adaptados uns bancos corridos de tábua e que se estendiam a todo o comprimento da caixa de carga, quatro filas. O toldo acarretava a desvantagem de concentrar os gases de escape, pelo que a tosse e os vómitos eram coisa normal e nos punha a brigar por ficar numa ponta. Uma vez chegados e as tendas grandes montadas depressa a rotina se instalava e a vila deixava de ter segredos para nós.

Naquela manhã dois ou três de nós esquecemos a praia e ultrapassámos o farol velho, um parque de caravanismo, o pinhal e a extensão das dunas, para nos quedarmos entre as rochas da praia do norte que nem areia tinha, mas tinha ouriços e estrelas-do-mar, caranguejos, peixes coloridos e por colorir, rochas e rochedos, algas, lismos e um mar verde cor de jade lindo lindo lindo, onde a espuma da rebentação, envolvendo-nos, nos abraçava e isolava num mundo impar de fantasia em que nem sede nem fome nos vinham à lembrança. Mais que uma vez bebemos água do mar e comemos lapas cruas, como se fossem ostras…

De sandálias, botas ou ténis pendurados ao pescoço pelos atacadores calcorreávamos quilómetros, explorando a maré vazia e sem darmos pelo tempo passar até que na volta, repentinamente aquela extensa rede de arame, ondulando pelas dunas e a perder de vista, alta, malha miúda, pontilhada de sinais e avisos em três línguas, convidando os mais afoitos a afastar-se e vincando a privacidade do local. Foi o suficiente para nos captar a atenção e prender ao lugar, expectantes por conhecer o mistério escondido por tanto sinal e tanto aviso. Só faltavam os cães. Quase em uníssono lembrámo-nos de uma conversa dos grandes ouvida umas noites atrás à volta da fogueira, e em coro exclamámos:

- É o parque de nudismo !

O castelo abrigava as tendas do vento frio soprado pelo mar naquelas noites de Agosto, mas durante dia e em especial à tarde concentrava o calor sendo quase impossível mantermo-nos ameias dentro. Quem conhecer o castelo de Sines achá-lo-á bonito, lindo, um dos mais belos e de onde se estendia a vista por maravilhosa paisagem que o mar ternamente afagava. Agora, com as obras do porto toda essa magia se foi, mas naquela altura era o paraíso na terra.

Junto à única saída do castelo todas as manhãs o mercado dava vida e cosmopolitismo ao lugar, e à tarde, aos sábados e domingos as matinés do Cine Vasco da Gama e do Cine Esplanada entretinham a gaiatagem, olhos nas fitas e comendo pevides, amendoins, maçãs caramelizadas ou pastilhas Pirata, ou pelas noites frescas, diariamente e sempre que não nos entretínhamos a deambular pela vila ou pelo magnifico jardim aberto e mesmo a jeito, à saída da  esplanada do cinema.

É curioso como recordo tudo isto mas nem uma cara dos que comigo corriam, brincavam e nadavam, lado a lado, ou sequer das largas dezenas que comigo acamparam naquela experiência de escuteiros da Bufa, perdão, da Mocidade Portuguesa, em que a cada dia uma dúzia de nós era escalada para faxina ajudando à mesa, a confeccionar as refeições, a descascar batatas ou a lavar hortaliças. Ainda hoje lembro o cheiro inconfundível do café com leite, ou antes do leite com café, os papossecos quentes barrados com uma margarina amanteigada e granulosa que deixava a língua esquisita e a travar. O que não recordo é quem, na dúzia de chuveiros e torneiras montadas a céu aberto junto à muralha tomava banho a meu lado, ou a meu lado lavava o prato do almoço ou do jantar.

Se não fosse por uns seixos muito redondinhos e acinzentados que se pintados de vermelho pareceriam medronhos nem lembraria o Clemente nem o Lourido, com mais dois ou três anos que eu e por essa altura conheci. Um faleceu há pouco, em Ponte de Sor onde escolhera viver, decerto de alguma cirrose mas isto já sou eu feito maroto a imaginar, Deus lhe tenha a alma em descanso. O outro dei com ele de caras há uns meses e pareceu-me um velho, abatido, barba por fazer, escondido e tiritando dentro de um robe maior que ele, mas, curiosamente, ostentado a mesma cara de menino com que quase há cinquenta anos o conheci, menino descarado que mijava mais longe que qualquer um e a tinha de longe muito maior que a de todos, pois que se puseram uma vez a disputar-lhe o tamanho despertando a curiosidade, a animosidade e atenção da malta toda que já se preparava para dormir, mas preferiu puxar dela antes que lhe chamassem maricas, apesar de muitos de nós nem conhecermos muito bem tudo para que aquilo servia. Aos curiosos e em especial às curiosas adiantarei que eu fiquei na média, o meu nem era o maior nem o mais pequeno, já então possuía, como hoje, um número de senhora, maneirinho, tamanho indicado para senhoras…

Mas por falar em curiosidade e voltando à rede aramada e ao seu mistério, toda aquela extensão perdendo-se de vista pelas dunas e espicaçando-nos a curiosidade debaixo de um sol abrasador, sem um único pinheiro ou arbusto onde nos abrigarmos, fez-nos palmilhar quilómetros na esperança, vã, de ver alguma mulher nua. Não vimos, e apesar de todos pela vida fora me terem garantido que as mulheres são todas iguais e quem viu uma ter visto todas, hoje sou capaz de afirmar que o não são. Começam logo por não terem todas a mesma profundidade no olhar nem o mesmo calor se nos abraçam.

São diferentes, muito diferentes, e por vezes essa diferença nem é subtil, é marcada e marcante. Cada uma é única, soltam gargalhadas distintas e mesmo que tenham as mesmas cócegas não riem do mesmo modo, e estendem a perna ou o pé de forma desigual. Nem dormem para o mesmo lado, nem gostam das mesmas coisas nem das mesmas posições. Há as que nos abraçam até que lhes sintamos o bater do coração e as que nem coração têm, há as que nos enlaçam com as pernas numa devoção que nos renova a esperança e solidifica a fé. Há as que beijam com sofreguidão e as que nos sugam a alma sem perdão. Há-as volúveis, ou com profundidade, como há as que corporizam a vacuidade em contraste total com todas aquelas que nos conduzem ao abismo.

As tintas esbateram diferenças no que à cor do cabelo concerne, mas Deus fez com que não pudessem disfarçar o sorriso, o rir, ou o bater das pestanas. Já não fumo, fumei quase quarenta anos e ia-me matando, e sempre detestei mulheres que fumem ainda que, depois de, adorasse puxar de um cigarro e fumá-lo de papo virado para ar, ficando ali falando com ela, de economia, história ou geografia… *

«O que eu gostava ouvi-la falar de economia … ou qualquer outra coisa, matemática, física, história, ou geografia… Estirado, pés fora da cama, inalando indolentemente um cigarro, debaixo da manta curta.

Tu falavas, eu ouvia, fosse história, ou geografia o que tu dizias, à pressa, como sempre, como tudo, como se o vagar pudesse acabar-se um dia, ou eu, a quem a tua conversa seduzia, como feitiço que sobre mim caísse e revolvesse numa inquietação obscena.

Amavas focar a geografia, contares-me dos lugares exóticos onde em puritanos sonhos tu nos vias, e eu, nostálgico, sorria e, numa ternura impaciente, desatava-te os laços e lacinhos, por vezes com os dentes.

Recitavas pela enésima vez a história da economia, a beleza dos números, ah ! Mas não de todos ! Repreendias-me com sarcasmo :

 - Apenas números grandes ! As deduções e induções, as tendências, as projecções ! ……………….

Emergias. Sorriso afivelado, cantos da boca babados, seios pendurados, divertida, maquiavélica, diabólica, demoníaca :

- Acabou-se a matemática a álgebra e a trigonometria !

Incapaz de travar-te as investidas, desejoso de aparar-te as manhas conhecidas, para depois ficar ainda ouvindo-te, molengona, falando de economia, história e geografia. Há anos te recordo em cada anfiteatro, em cada seminário, workshop ou auditório» *

Quem diria.

* http://mentcapto.blogspot.pt/2014/05/189-o-que-ela-adorava-falar-de-economia.html