Ainda
nem dez e meia da manhã são e a coisa está agitadíssima na esplanada que
habitamos. Antes de chegar já eu ouvia o ti ri ri da ambulância dos bombeiros,
o que não adivinharia era que ela apontasse para o mesmo destino que eu. Piquei
o ponto no momento em que debaixo de fortes convulsões o grande latagão do Luís
Honório era carregado e, vendo a minha cara de surpreendido a Aurélia resmungou-me
entre dentes com o queixo subtilmente apontado à Lénia:
-
Braço partido aposto, ou partido ou estalado no cotovelo, o gajo é pesado como
o caraças.
Deixei
a poeira assentar, às tantas debrucei-me sobre o seu ombro:
- Ó
Aurélia, o braço partido provoca convulsões ?
Desde quando ?
- Ai
tu não sabes a história ? É que se não conheces a história não sabes da coisa
metade… Acrescentou ela em ar de confidência.
No
meio da consternação geral não quis estar a fazer perguntas, não eram nem o
momento nem o local adequados a tal, pois a mesa estava cheia. Do Honório soubera ter
por duas ou três vezes tentado o suicídio, felizmente tentativas goradas, sabia
isso como aliás toda a gente sabia ter ele problemas no quartel, precisamente
por isso, ou por causa de uma baixa médica que arrastava há três ou quatro
anos, se não mais.
Sentei-me
sossegado, o que havia para saber chegar-me-ia aos ouvidos, não valia a pena
estar feito cuscas, isso era coisa para a Ermelinda e para o José Pereira, por
mero acaso e felizmente ausentes, nesta mesa havia de tudo, desde gentes alheadas da realidade a quem a cavalgasse na onda e na hora, são gentes eclécticas, participativas, e tanto os há que
não comemoram o 25 de Abril ou o 1º de Maio como os há que aproveitam essas ocasiões para os excessos ou todas as que possam para festas de arromba, a Lénia, vim posteriormente a saber,
estava neste último grupo.
Desde
o 1º de Maio que ela não aparecia ao café, aliás nem em parte nenhuma, vieram
depois a dizer-nos que arranjara qualquer complicação que a atirara para a
cama. Por ela mesma e nessa manhã veio a saber-se de um qualquer distúrbio
ligado à flora e fauna intestinais (o abuso de álcool costuma provocar estes
efeitos esclareço eu), e lhe provocara febres altas e perturbações várias, ela
própria contara à mesa:
- Esta
coisa é terrível, para qualquer pessoa, levantei-me hoje pela primeira vez mas
não me sinto a cem por cento, a mim tem-me dado desde náuseas a vómitos,
tonturas, má visão, a diarreias ou fezes duras. Ultimamente até me acidificava
a urina e depois provocava-me ardor na uretra... E nos intestinos, e no ânus.
Ainda esta manhã muito eu sofri na casa de banho, uma vez mais a tentar, a
tentar e não conseguia fazer... Uma hora de castigo e só consegui fazer uma
bolinha verde escura muito dura imaginem.
- E trazia brinde ? Perguntara
o Luís Honório inocentemente.
E
foi esta a cena que eu por escassos cinco minutos perdi, a Lénia não achou
piada à boca do Honório, sub-repticiamente chutara-lhe o pé da cadeira, o
latagão caíra desamparado, ouviu-se o osso a partir embora o problema fosse a
vermelhidão que o tomou e o espumar da boca, de modo que ninguém se atreveu a
levantá-lo dali, a Lourdes Tripeira (não é do Porto mas tem uma língua de
trapo) ligou de imediato ao 112 e este aos bombeiros, pelo que ainda a
ambulância que viera ajudar não se perdera de vista na sua urgência e já a Esperança
me sussurrava ao ouvido encostando-se sorrateira e maliciosamente a mim:
- A
erva acabou com ele, desde os dezoito que tem epilepsia, nem sei como o
aceitaram na GNR.
Mais
uma que eu nem sabia nem sonhava, realmente não sei da missa nem metade, sorri
para ela, atirei-lhe uma piscadela de olho dúplice, para que tivesse a certeza
e consciência que eu a entendera e:
-
Hás-de explicar-me isso melhor menina, quando puderes.
- Um
dia com vagar explico-te, um dia que não haja gente a ver e a ouvir, não são
assuntos para serem abordados em público.
Sorriu-me
com uma perfídia que a minha insinuação jamais igualaria, e eu para ela:
-
Bolinha branca, a bolinha branca é que dá direito prémio não é ? A branca ou a
preta, já nem lembro bem.
E
desatámos os dois rindo mas varrendo a mesa com o olhar não fosse alguém ter
apanhado qualquer coisa no ar e pensar de nós o que Maomé não pensou nunca do
toucinho.
Nem
sempre o furo dá prémio, quem deve ter acertado na bola certa foram os novos
administradores do hospital da minha terrinha, há ali de tudo, até quem não
tenha competência p’ra ser admitido como marçano na mercearia dos Andorinhos. É
triste que os lugares sejam rateados entre as pessoas ou forças que dominam a política
citadina, aprova o meu que eu aprovarei o teu… como que vendo quem o tem maior.
Cada um mija com o seu mas são os amigos quem faz o resto, afinal os amigos são
para as ocasiões. Alguns sem saberem ler nem escrever… outros nem falar sabem,
há ali de tudo e até quem pronuncie “há-dem” e quem em dez palavras diga meia
dúzia de asneiras… mas têm os amigos certos… e que pensar dos portugueses que
não têm amigos como estes senhores ? E dos que são obrigados a emigrar ? E dos
que têm que vender a força de trabalho por tuta e meia ? E dos que nem ganham para
comer ? Dos que nunca terão trabalho ? E dos que nunca jamais em tempo algum terão uma casa, um carro,
nem uma família quanto mais filhos. Para uns tudo para outros nada…. E mais que isto que
vos conto felizmente eu nem sei… Bola branca lhes saiu a eles…
Antes
o Salazarismo de má memória ou todos estes tipos encostados a um muro e
fuzilados…. Ou guilhotinados na praça pública… Gostava de acreditar que foram criteriosamente
seleccionados ao abrigo do procedimento concursal regulamentado pela portaria
nº 83-a/2009, de 22 de Janeiro (Portaria nº 83‐A/2009, de 22 de Janeiro, alterada pela Portaria n.º 145‐A/2011, de 6 de Abril) mas mais
facilmente sou tentado a apostar ter havido ali
ou
negociata ou jigajoga, de que aliás o BE
se viu arredado pois ainda é novo nestas coisas e anda entretido, ou o entretêm
com utopias como a dos “Concelhos Livres de
Armas Nucleares" ou mais hodiernamente com os “Concelhos Libertados
das negociatas do TIPP” e das culturas da “Monsanto” como se eles, bloquistas,
soubessem minimamente o que andam a fazer. Bola preta.
Não quero
ser desmancha-prazeres, mas cheira-me que nas próximas eleições o Bloco vai
provar o amargo gerado por todas as idiotices em que se envolveu e todo o bom
senso que lhe faltou para ajudar a resolver os enormes problemas em que estamos
atascados, e que em parte a ele, e ao tempo perdido com o acessório esquecendo
o essencial, também podemos agradecer. Bola preta…
O
novel BE nunca percebeu que os novos eleitores teriam que ser conseguidos entre
os burgueses mas acomodados eleitores do PS, nunca percebeu que jamais será
incapaz de beliscar o ortodoxo PCP, “um valor seguro”, bola branca para o PCP,
os bloquistas jamais perceberão o título do livro de Jane Austem, “Sensibilidade
e Bom Senso”, o seu eleitorado é composto sobretudo de grunhos facciosos que,
também eles começaram há muito a construir a sua quintazinha, a sua capelinha,
a sua facçãozinha, fechadinha, quentinha, protegida do diálogo com os demais, de
altos muros que evitam o confronto de ideias e de ideais, que lhes asseguram o
conforto das suas certezas, da sua infalibilidade, um conforto que lhe permite
conquistar quem se deixar conquistar ou quem para ele caminhar voluntariamente mas
incapaz de convencer os que contam, os que fazem número, quantidade, volume, densidade
e massa critica que lhe permita sair de vez da sua pequenez. Bola preta para o
Bloco portanto…