quarta-feira, 3 de agosto de 2016

371 - A VIZINHA JUSTA E O IMI DO COSTA ..........


Que bom que seria haver só domingos, eu por mim até prefiro os sábados, porém domingos ou sábados, é igual, é-me indiferente, a bem dizer a única coisa que muda são as mulheres, as mulheres e a paisagem quando olhamos pela Janela.

Mas que belo almoço, um bom gaspacho, e um bom presunto de porco preto, bem fresco e melhor regado como manda a lei, é um bom vinho este, Castelo de Estremoz, quase vimos daqui as vinhas subindo a encosta da cidade, este vinho* tem uma particularidade curiosa que talvez seja culpada pela espiritualidade que nos pranta, as uvas são vindimadas durante a noite, para manterem a frescura e o aroma que sentimos neste néctar. (cortei vinho e meti néctar, soa melhor não soa?). Depois de totalmente desengaçadas e esmagadas as uvas fermentam em cubas de inox com temperatura controlada durante seis a oito dias e as castas Aragonez, Trincadeira e Castelão que o compõem e fazem dele um vinho tipicamente alentejano e são uma feliz conjugação de fruta madura e frescura que resultaria numa suave estrutura não fosse ser para mim um vinho um pouco áspero, como se não bastasse já a aspereza da língua por onde ele arrasta o atrito. Já a cerveja Sagres me provoca essa mesma sensação, daí que não a aprecie, gosto dos líquidos que estralam no céu-da-boca e depois escorregam bem pela goela. Mas era um almoço de amigos e às tantas já nem notava a rudeza ácida do vinho, bem bom apesar de tudo, o Caxias chama-lhe um figo e fê-lo acompanhar de farta comida tradicional alentejana, queijos e a mais variada doçaria conventual. Saímos dali mais docinhos que cordeirinhos.

Estava eu olhando pela janela, olhando as vinhas quando me ocorreu, e apostaria, que fazendo o mesmo estaria o Costa, só vendo prédios e mais prédios, a poente e a nascente verá um mar de prédios a perder de vista, e pensei de mim para mim que onde uns vêem um mar de prédios Costa verá um mar de tributos, vai daí ter-lhe-á surgido a ideia da tributação, tributação ponderada, justa, mais sol mais tributo, melhor vista mais tributo, melhor astral mais tributo, todavia uma tributação solidamente alicerçada em critérios subjetivissímos, isto é justa, justissíma.

Ainda acabrunhado ouço a canzoada a ladrar e entre ela um ladrar mais fino, assim como um chiar, é chiar de “poodle”, a minha vizinha Justa vai passear os cães, logo será sábado, nem preciso ser adivinho nem consultar um oráculo ou o calendário, nem sequer preciso levantar-me, os latidos dizem-me ser sábado, dia em que a vizinha Justa os leva bem cedo a passear, isto é a correr com ela, aposto que serão seis e meia da matina e nem um minuto mais, aposto que ela calçará os ténis rosa vivo e o fato de treino preto com a lista laranja eléctrico em S do ombro ao tornozelo. Gosto de ver aquele S, fá-la parecer mais alta e mais direita, mais desempenada (não devo usar o termo mais nova), com o peito mais atiradiço para a frente e as costas menos curvadas.  

Costa esfregará as mãos olhando os telhados, já o fizera quando das taxinhas sobre as dormidas e os turistas que entravam na capital, por isso nem entendo toda esta admiração agora, o homem foi feito para taxar, nem saberá fazer outra coisa, tal qual a minha vizinha Justa e a sua postura, que a ocupa e alimenta, aliás muitissímo bem para os quarenta e cinco ou cinquenta que contará, demasiado bem até, concedo que tem as rodinhas um pouco baixas mas o resto compensa, se compensa… 

Dizia eu que o Costa espreitará os telhados, e eu não me contenho sem espreitar a manhã pelos fuinhos do estore. Adoro quando ela põe aquela fitinha no cabelo, aquela ou aquelas, afinal condizem sempre com a cor das coleirinhas da Fakir e do Monhé, dois animais exemplares que nos dias de semana nem largam um balido, digo um trinado, digo um latido. A genica da vizinha Justa logo pela manhã tira-me do sério, aliás se não fosse isso seria o estacionamento no largo, nota-se logo que é sábado, menos carros, outros carros, e atirados para ali ao calhas sem quaisquer preocupações. Durante a semana e bem arrumadinhos cabem o dobro, bem, mas ao fim de semana os fiscais da EMEL não aparecem e a malta dá ganas à sua natureza interior, é como se alguém tirasse o interior às válvulas dos pneus d’uma bicicleta, descomprimimos, cagamos para tudo.

A vizinha Justa tem daquelas trelas de onde se tira um saquinho para apanhar a caca dos cãezinhos, a vizinha Justa é exemplar, toda ela, é exemplar, é um modelo, um modelo modelar, já o Costa, um bom contorcionista e ilusionista, seria um presidente de Junta exemplar, quis o destino fazer dele autarca modelar, daí até PM foi erro de casting, cada um com as suas tamanquinhas, cada macaco no seu galho, e realmente não lhe vejo arcaboiço para ministro, nem de primeira nem de segunda, do trapalhão anterior nem sequer vou falar, esse quanto a mim nem para apanhar a caquinha dos cães serviria, erros de casting, desde que se foi o Carlos Castro que o país anda assim aos trambolhões, faquires, Houdinis, emplastros…

Modelar é a Justa, essa sim, sei do que falo, o prédio faz um angulo recto e da minha janela vejo a janela da casa de banho dela, por onde o sol entra de manhã bem cedo tudo tornando radiante, contudo essa parede de tarde nem apanha sol, talvez lhe baixem o IMI, ela merecia, ai se merecia, sim tem as rodinhas baixas mas é elegante. Mereceria claro, justificar-se-ia.

A chaleira ! Nem a ouvi apitar merda ! Lá se entornou o chá outra vez, e aquela porcaria mancha-me o esmalte do fogão de um castanho dificílimo de tirar. Lá estão eles de novo com a história do IMI na televisão, taxem, os pombos caralho ! A cidade está cheia de pombos porra ! E cagam em cima de toda a gente foda-se, ainda são piores que o Costa, dos pombos e do Costa ninguém se safa, é a nossa sina…

Vou calçar os ténis e buscar a pedaleira, vou-me até à Ericeira ...