Que
bom que seria haver só domingos, eu por mim até prefiro os sábados, porém domingos
ou sábados, é igual, é-me indiferente, a bem dizer a única coisa que muda são
as mulheres, as mulheres e a paisagem quando olhamos pela Janela.
Mas que
belo almoço, um bom gaspacho, e um bom presunto de porco preto, bem fresco e
melhor regado como manda a lei, é um bom vinho este, Castelo de Estremoz, quase
vimos daqui as vinhas subindo a encosta da cidade, este vinho* tem uma
particularidade curiosa que talvez seja culpada pela espiritualidade que nos
pranta, as uvas são vindimadas durante a noite, para manterem a frescura e o aroma
que sentimos neste néctar. (cortei vinho e meti néctar, soa melhor não soa?). Depois de totalmente desengaçadas e esmagadas as uvas fermentam em cubas de inox com temperatura controlada durante seis a oito dias e
as castas Aragonez, Trincadeira e Castelão que o compõem e fazem dele um vinho
tipicamente alentejano e são uma feliz conjugação de fruta madura e frescura que resultaria
numa suave estrutura não fosse ser para mim um vinho um pouco áspero, como se
não bastasse já a aspereza da língua por onde ele arrasta o atrito. Já a
cerveja Sagres me provoca essa mesma sensação, daí que não a aprecie, gosto dos
líquidos que estralam no céu-da-boca e depois escorregam bem pela goela. Mas era
um almoço de amigos e às tantas já nem notava a rudeza ácida do vinho, bem bom
apesar de tudo, o Caxias chama-lhe um figo e fê-lo acompanhar de farta comida
tradicional alentejana, queijos e a mais variada doçaria conventual. Saímos
dali mais docinhos que cordeirinhos.
Estava
eu olhando pela janela, olhando as vinhas quando me ocorreu, e apostaria,
que fazendo o mesmo estaria o Costa, só vendo prédios e mais prédios, a poente e a nascente
verá um mar de prédios a perder de vista, e pensei de mim para mim que onde uns vêem um mar de prédios
Costa verá um mar de tributos, vai daí ter-lhe-á surgido a ideia da tributação,
tributação ponderada, justa, mais sol mais tributo, melhor vista mais tributo, melhor astral mais tributo, todavia uma tributação solidamente alicerçada em critérios subjetivissímos, isto é justa, justissíma.
Ainda
acabrunhado ouço a canzoada a ladrar e entre ela um ladrar mais fino, assim
como um chiar, é chiar de “poodle”, a minha vizinha Justa vai passear os cães,
logo será sábado, nem preciso ser adivinho nem consultar um oráculo ou o
calendário, nem sequer preciso levantar-me, os latidos dizem-me ser sábado, dia
em que a vizinha Justa os leva bem cedo a passear, isto é a correr com ela, aposto
que serão seis e meia da matina e nem um minuto mais, aposto que ela calçará os ténis rosa
vivo e o fato de treino preto com a lista laranja eléctrico em S do ombro ao
tornozelo. Gosto de ver aquele S, fá-la parecer mais alta e mais direita, mais desempenada (não
devo usar o termo mais nova), com o peito mais atiradiço para a frente e as
costas menos curvadas.
Costa
esfregará as mãos olhando os telhados, já o fizera quando das taxinhas sobre as
dormidas e os turistas que entravam na capital, por isso nem entendo toda esta
admiração agora, o homem foi feito para taxar, nem saberá fazer outra coisa,
tal qual a minha vizinha Justa e a sua postura, que a ocupa e alimenta, aliás muitissímo bem para os quarenta e cinco ou cinquenta que contará, demasiado bem até, concedo que tem as rodinhas um pouco baixas mas o
resto compensa, se compensa…
Dizia
eu que o Costa espreitará os telhados, e eu não me contenho sem espreitar a
manhã pelos fuinhos do estore. Adoro quando ela põe aquela fitinha no cabelo,
aquela ou aquelas, afinal condizem sempre com a cor das coleirinhas da Fakir e
do Monhé, dois animais exemplares que nos dias de semana nem largam um balido, digo um trinado, digo um latido.
A genica da vizinha Justa logo pela manhã tira-me do sério, aliás se não fosse
isso seria o estacionamento no largo, nota-se logo que é sábado, menos carros,
outros carros, e atirados para ali ao calhas sem quaisquer preocupações. Durante
a semana e bem arrumadinhos cabem o dobro, bem, mas ao fim de semana os fiscais
da EMEL não aparecem e a malta dá ganas à sua natureza interior, é como
se alguém tirasse o interior às válvulas dos pneus d’uma bicicleta, descomprimimos,
cagamos para tudo.
A vizinha
Justa tem daquelas trelas de onde se tira um saquinho para apanhar a caca dos
cãezinhos, a vizinha Justa é exemplar, toda ela, é exemplar, é um modelo, um
modelo modelar, já o Costa, um bom contorcionista e ilusionista, seria um presidente de Junta exemplar, quis o
destino fazer dele autarca modelar, daí até PM foi erro de casting, cada um com
as suas tamanquinhas, cada macaco no seu galho, e realmente não lhe vejo
arcaboiço para ministro, nem de primeira nem de segunda, do trapalhão anterior
nem sequer vou falar, esse quanto a mim nem para apanhar a caquinha dos cães serviria, erros de casting, desde que se foi o Carlos Castro que o país anda assim
aos trambolhões, faquires, Houdinis, emplastros…
Modelar
é a Justa, essa sim, sei do que falo, o prédio faz um angulo recto e da minha
janela vejo a janela da casa de banho dela, por onde o sol entra de manhã bem
cedo tudo tornando radiante, contudo essa parede de tarde nem apanha sol,
talvez lhe baixem o IMI, ela merecia, ai se merecia, sim tem as rodinhas baixas
mas é elegante. Mereceria claro, justificar-se-ia.
A chaleira
! Nem a ouvi apitar merda ! Lá se entornou o chá outra vez, e aquela porcaria
mancha-me o esmalte do fogão de um castanho dificílimo de tirar. Lá estão eles
de novo com a história do IMI na televisão, taxem, os pombos caralho ! A cidade
está cheia de pombos porra ! E cagam em cima de toda a gente foda-se, ainda são
piores que o Costa, dos pombos e do Costa ninguém se safa, é a nossa sina…
Vou calçar
os ténis e buscar a pedaleira, vou-me até à Ericeira ...