“Eles
não sabem que o sonho é uma constante da vida e sempre que um homem sonha o
mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos duma criança” lá lá lá lá
li…
Tal
qual a vida de cada um de nós, a história, que afinal mais não é que a
história das nossas vidas colectivas, tem pormenores que muitas vezes nos
escapam mas que não deixam de nos alegrar, apimentar o quotidiano e trazer ao nosso mundo contemporãneo um pouco do humor e da sátira que Gil Vicente não teria desdenhado.
Um
dia destes, mor de um trabalho que ando a desenvolver, a pesquisa levou-me a D.
Dinis, um dos nossos primeiros reis, o do pinhal de Leiria, esse mesmo, que
antanho serviu para as naus e hoje sustem ainda as areias e serve de refugio a
muito boa gente que o aproveita para ali dar a sua escapadinha, ou, na gíria
popular, dar uma trancadinha, uma trancada, a graduação já dependerá da
sensibilidade de cada um e não me meto por essa vereda...
Até por quem diz uma
diz várias, que isto das trancadinhas é como as cerejas, e quem come uma come um
cesto, ou um cento, nunca se fica por ali, quer-se sempre mais sendo como as
conversas agradáveis que nunca se acabam seguindo-se umas atrás das outras, as
conversas ou as cerejas, não as trancadas, não haveria quem aguentasse, só
alguém mui duro de cabeça, pois, isso …
Mas
ia eu dizendo que esbarrei com D. Dinis, o Lavrador (1261-1325) não o Dinis dos
botões, um dos monarcas mais importantes da nossa história e um homem culto e
letrado que deixou uma marca indelével nos mais variados campos, conhecem-se-lhe
137 poemas, 73 cantigas de amor, 51 cantigas de amigo e 10 cantigas de escárnio
e maldizer, mas ia eu dizendo quão este rei me surpreendeu, em especial por ter
desposado a mui requestada Isabel de Aragão que, entre pretendentes franceses e
ingleses, nobres e príncipes, escolheu o nosso bom Dinis, que além de príncipe e
nobre já era rei, e como mais vale sê-lo que parecê-lo a bela Isabel de Aragão,
sim essa que a nossa Isabel Stilwell tem historiado, e bem, ou não é assim
Rosinha ? Não quero que a minha amiga Rosinha, que anda com o livro da Stilwell
ao peito, vá entender mal este meu arrazoado.
Na
pressa de consumarem o casamento D. Dinis e Isabel casaram-se por procuração,
ele cá ela em Barcelona, tendo a Isabelinha dado corda aos sapatos e apressado
a vinda. El-Rei esperava-a em Trancoso, sendo precisamente aí que parei a
investigação por a coisa ter ficado nebulosa, uns historiadores nada mais adiantam,
outros não têm pejo em afirmar ter sido o casório consumado logo ali em
Trancoso, dada a impetuosidade, a paixão, a saudade e o desejo dos jovens
nubentes, ele na força dos seus dezassete anos e farto de aias, damas de corte,
cortesãs, barregãs, cozinheiras, costureiras, moças de copa, de estrebaria e engomadeiras
certamente, a este propósito terei que ir pesquisar a fim de saber desde quando
se dá ao ferro e quem o inventou, isto digo-o eu, nenhum historiador cita estes
factos mais que prováveis, confesso, eu também me perco por engomadeiras, é-me difícil
vê-las ali a dar a dar sem lhe desligar o fio da corrente ou pontapear a
extensão e apagar-lhe a luz, mas voltemos ao que interessa, à vaca fria que é
como quem diz à bela Isabel de Aragão, apanhada em Trancoso e secalhando logo
ali trancada a fim de evitar olhares indiscretos e toma lá disto ó Evaristo que
nessa altura não havia pruridos nem contemplações, portanto nem haviam de ser
os doze aninhos da nossa Isabelinha de Aragão que evitariam as trancadas reais
que decerto terá levado em Trancoso, embora a história não confirme nem
desminta e mor das vezes seja omissa quanto a assunto tão melindroso.
Verdade verdadinha
é que a ditosa rainha nos deu dois rebentos, Afonso e Constança, sendo ela
mesma mui apreciada em Coimbra, ali se conta ter acontecido o milagre das
rosas, igualmente a apreciam em Estremoz, onde pontifica uma bela pousada com o
seu nome, ideal para escapadinhas e quiçá para trancadinhas.
Esta
moda das trancadinha, que quanto a mim só pode ter começado em Trancoso, não
foi invenção cá do rapaz, pois um dos historiadores, não lembro já qual deles
nem tal interessa, desenvolveu a partir de palavras atribuídas à rainha um
pensamento ou uma associação de ideias idêntica e em relação à cidade de
Odivelas, onde, segundo Isabel de Aragão e a história afirmam ter sido lugar privilegiado
para D. Dinis dar as suas escapadelas e trancadas, no caso trancadas pois está
envolvida uma figura real e trancadinha ficaria mal nesta história, além de
diminuir o personagem.
desabafaria para o seu
senhor sempre que estava com os azeites a Rainha Santa, e do ide
vê-las a ódi vê-las e a Odivelas é um estalar de língua que a corruptela e a populaça adoram,
como adora as gargalhadas histéricas da Cristina Ferreira, ou as mamas que,
garantiu ela aos mídia, são totalmente suas, suas dela, o que deixa supor não
haver ali silicone, ou a haver, estará pago. Mais paciência que D. Dinis tem o
Goucha… Aposto que D. Dinis, o tal que escreveu bué de choses, poemas, cantigas
de amor, cantigas de amigo e cantigas de escárnio e maldizer não lhe perdoaria
umas trancadas.
Mas
deixai que me concentre no meu trabalho, estou a atrasar-me e quer Gonçalo
Eanes quer Pêro de Évora e Pêro da Covilhã não merecem que os olvide nem tão
pouco a desatenção que estou a devotar-lhes…
POEMA D’EL-REI D. DINIS
….
O que vos nunca cuidei a
dizer,
com gram coita, senhora,
vo-lo direi,
porque me vejo já por vós
morrer;
ca sabedes que nunca vos
falei
de como me matava voss'amor;
sabe Deus bem que doutra
senhora nom,
que eu nom havia, e por mi
vos chamei.
…