terça-feira, 1 de agosto de 2017

449 - TRUMP E O ANO GEOFÍSICO INTERNACIONAL - O HOJE E A MEMÓRIA............


O título original deste texto era nem mais nem menos, digo sem tirar nem pôr, A GEOGRAFIA NOS ÚLTIMOS CINQUENTA ANOS e foi por mim escrito nos idos de 1977, mais concretamente para a saudosa Professora Elsa, no novel Liceu André Gouveia, onde na condição de aluno nocturno frequentei já nem sei o quê equivalente ao ano propedêutico ou ao sétimo ano liceal, nem isso agora interessa, interessa sim o quão ela me seduziu, ela Elsa e a sua Geografia, isso sim deveras importante.

Logo calhou hoje andar à rasca da anca por mor duma queda dada ontem e, ao rebuscar o baú em busca de velhas chapas de RX, não fosse dar-se o caso de as dever mostrar a algum especialista, pois numa outra vida tivera um problema de bacia mesmo ali onde me doía e dói, porém em vez das chapas dei com o tesourinho citado, escrito pela minha mão, e que me valeu um notão. Já então tinha a letra, a caligrafia que mantenho hoje, embora agora mais miudinha, mais inclinada, mais despachada, há que avançar em frente que atrás vem gente, como diria a minha amiga Paula.  

Passo então a apresentar-vos o trabalho mencionado, vem a propósito, não o apresento simplesmente para encher páginas mas a fim de julgarmos quão estúpido e dantesco foi o abandono dos acordos de Paris por Trump, além de eventualmente poder ser que alguém seja cooptado para a geografia como eu fui, embora isso não traga nenhuma vantagem especial neste país, como não traz ser engenheiro ou arquitecto, enfermeiro ou alfaiateiro. Trata-se de um país a brincar e é com esse espirito, e também para me gabar, tão novinho e coisinhas tão jeitosinhas que eu então já dava à luz, o que para vocês pode não importar mas me enche o ego e aviva a auto estima.

“ Ao propor-me fazer (devia ter escrito realizar) um trabalho sobre os progressos deste ramo das ciências nos últimos 50 anos parece-me lógico rever as suas conquistas anteriores, não só para ajudar à compreensão da situação no ponto de partida deste trabalho, como para dar uma ideia da cronologia, necessidades e porquês deste último arranque sobre o estudo do nosso mundo. Como é sabido desde os tempos mais remotos que o homem procura saber situar-se na esfera que o encerra, Ptolomeu, Aristóteles, Copérnico, D. Henrique, Fernão de Magalhães e tantos outros foram dando ao mundo novas visões (e novas versões) cada vez mais exactas do mesmo. Se bem que nesses tempos o progresso fosse andando a passo de ganso, o mesmo não veio a acontecer nos séculos seguintes, mais concretamente nos Séc. XVIII e XIX, onde a Geografia, então de feição clássica, não descansou enquanto não catalogou dentro da sua concepção de ver as coisas (da sua concepção clássica) tudo o que lhe foi possível e poderemos mesmo dizer (afirmar) que os estudos sobre os quais hoje (em 1977) nos debruçamos não teriam razão de ser sem o apoio de todo esse enorme trabalho anterior, nem existiriam mesmo.

Esse mérito coube em grande parte a homens que souberam dar às suas vidas um sentido positivo e real, desde o Cap. Cook, que com as suas viagens deixou inscritas em cartas cartográficas grandes regiões do globo, Charles Darwin homem de rara visão e grande espirito de observação que nos deixou um marco de extrema importância para a comparação dos seres vivos e sua evolução no meio ambiente, e tantos outros que posteriormente desbravaram os continentes recém-descobertos. Os Séculos XVIII e XIX foram pois aqueles em que tudo foi dado a ver, desde os continentes africano, americano e os próprios polos que na época representavam para o homem o espicaçar da sua curiosidade (este sua está a mais), foram vencidos.  Mas o gigante não descansou depois de todas estas lutas, outros sonhos breve começaram a povoar a mente do homem, e é aqui neste passo da história que com 2 homens que (e 2 dispensáveis ques) tivemos oportunidade de conhecer pelos nossos estudos recentes que (outro que) surgiria o despertar mágico da Geografia, Humboldt e Ritter. * 

Como retrospectiva não devemos esquecer o real (a realidade) que rodeava a sociedade do tempo, nada pode ser desligado do seu evoluir, a revolução Industrial do Séc. XVIII veio trazer e resolver problemas do homem, ajudou-o e encheu-o de interrogações, deu-lhes umas vezes os meios e outras os fins, e quando Humboldt e Ritter surgiram os transportes estavam já desenvolvidos, o intercâmbio entre os continentes era já vulgar, corrente, e foi este relativo progresso que deu a Humboldt a oportunidade de conhecer e pensar no que estava por fazer. O que saltava à vista estava catalogado, foi o período da Geografia clássica, com Humboldt outra época viria a nascer, a moderna, e ele como Ritter deram-lhe todo o seu cunho pessoal (o seu era desnecessário), pormenorizaram, interrelacionaram as ciências naturais, históricas e filosóficas com a Geografia e ajudaram à compreensão das relações entre os homens e o ambiente, encheram os espaços de fenómenos (que explicaram), botânicos, climáticos, geológicos, estruturais, e suas influências no homem, e pelo homem, geraram polémica e contestação, e abriram o caminho à curiosidade de outros homens que por sua vez vieram também a fazer “escola” e a criar critérios. (métodos).


Da discussão nasce a luz, e mais tarde Ratzel,** criador da antropogeografia, vem dar nova achega à questão ao considerar o comportamento humano em função da influência do meio, quando até aí, e talvez devido ao facto de ter caminhado de vitória em vitória o homem era visto (considerado) como o dominador do meio em que vivia. No entanto depois de todas estas descobertas a terra não parou de girar, as cidades cresceram, a densidade demográfica aumentou, os espaços foram sendo preenchidos e a geografia começou novamente a não saber como os explicar na mente dos homens, nessa vitrina tão vasta vimos surgir novo anúncio, “novas concepções precisam-se” e é mais ou menos a partir desta ideia, desta nova necessidade de encarar as coisas que surge a “Nova Geografia”.

As concentrações industriais, as migrações populacionais, os porquês das grandes cidades precisam de novas explicações, a inter-relação entre a sociologia, história, a matemática e a geografia torna-se necessária, e a geografia torna-se tão precisa (necessária) às outras ciências como elas à geografia para a explicação desta nova organização espacial, que não é só obra das influências entre o homem e o meio que o rodeia. O pormenor terá que ser colocado de parte para ser procurada a exactidão (a síntese) de realidades sociais mais vastas. A técnica dá-nos novos meios, o computador, a recolha e tratamento de dados, a estatística, a matemática e a lógica são cada vez mais necessárias e utilizadas, há maior necessidade de compreender o espaço para o dominar. A geografia deixa de ser qualitativa, classificativa, para se tornar quantitativa, há que responder a novas exigências, que adaptar-se a novas situações, montes de perguntas, montes de respostas, montanhas de dados, há que saber trabalhar com eles, traduzir, trabalhar, explicar, prever, tudo a um ritmo a que a geografia não estava habituada (tal como a nossa AR), falhará por vezes ? Talvez, mas os erros vão sendo aperfeiçoados, a matemática surge onde é possível e necessário aplicá-la, densidades demográficas, natalidade, mortalidade, minimização de custos, maximização dos proveitos, matemática e economia, geografia, cada vez mais campos estendem as mãos à geografia numa ânsia desmesurada de compreensão e explicação, os urbanistas, os engenheiros, os economistas, os políticos, os sociólogos, socorrem-se dela para tentar dar-nos a todos um projecto de mundo mais equilibrado, onde viver custe menos e saiba melhor. (parece que não conseguiram).

Surgem nesta sequência teorias para a racionalização dos espaços, os modelos, novos métodos para maior e mais racional explicação e aproveitamento dos espaços sobretudo económicos e sociais. Na origem de todos estes estudos e conhecimentos a “terra em que vivemos” foi e será sempre a nossa fonte de inspiração, quanto mais a descobrimos maior ela se torna para nós, um problema desvendado deixa sempre na sua esteira mais ainda que nem imaginávamos, conscientes deste facto, cientistas de todo o mundo chegaram à conclusão que só de mãos dadas era possível fazer frente a tão grande manancial de incógnitas, e foi estabelecido serem os anos de 1957 e 1958 dedicados ao estudo em uníssono de fenómenos de todo o tipo no nosso globo, foi designado por “Ano Geofísico Internacional”, AGI, e teve resultados tão profícuos que o espírito que presidiu à sua criação se manteve até aos nossos dias, tendo sido do seu trabalho que fenómenos hoje conhecidos foram desvendados. Milhares de “garrafas” especiais foram deitadas ao mar, foram desvendadas as temperaturas, as correntes marítimas e suas influências em climas nos continentes, um conjunto de exploradores cruzou a Antárctida de um ao outro lado investigando a calote polar, as rochas e as águas costeiras da Antárctida, as condições meteorológicas em relação com o clima do resto do mundo, o jet stream, os céus, auroras boreais etc. etc. etc.

Foram (foi) ainda durante este AGI que os EUA e a URSS lançaram os seus primeiros satélites artificiais, dando o estudo e o conhecimento que hoje temos da camada atmosférica superior, da gravitação da terra, do magnetismo, das radiações do sol e raios cósmicos, o Cinturão de Van Allen, as linhas isobáricas, isoiéticas, isóbáricas, isotérmicas, tudo isto são conhecimentos adquiridos através destes estudos recentes que não pararão jamais e fruto desses satélites pioneiros, outros se lhes seguiram e seguirão, e quando tudo na terra for explicado pela geografia, outros mundos estarão já ao nosso alcance e à nossa espera, a ciência não pára, e a geografia também não certamente.

Évora Junho de 1977

Humberto Ventura Palma Baião “