O título
original deste texto era nem mais nem menos, digo sem tirar nem pôr, A GEOGRAFIA NOS ÚLTIMOS CINQUENTA ANOS e foi por mim escrito nos idos de 1977, mais concretamente para a saudosa Professora
Elsa, no novel Liceu André Gouveia, onde na condição de aluno nocturno
frequentei já nem sei o quê equivalente ao ano propedêutico ou ao sétimo ano
liceal, nem isso agora interessa, interessa sim o quão ela me seduziu, ela Elsa
e a sua Geografia, isso sim deveras importante.
Logo calhou
hoje andar à rasca da anca por mor duma queda dada ontem e, ao rebuscar o baú
em busca de velhas chapas de RX, não fosse dar-se o caso de as dever mostrar a
algum especialista, pois numa outra vida tivera um problema de bacia mesmo ali
onde me doía e dói, porém em vez das chapas dei com o tesourinho citado,
escrito pela minha mão, e que me valeu um notão. Já então tinha a letra, a caligrafia
que mantenho hoje, embora agora mais miudinha, mais inclinada, mais despachada,
há que avançar em frente que atrás vem gente, como diria a minha amiga Paula.
Passo então a
apresentar-vos o trabalho mencionado, vem a propósito, não o apresento simplesmente
para encher páginas mas a fim de julgarmos quão estúpido e dantesco foi o abandono
dos acordos de Paris por Trump, além de eventualmente poder ser que alguém seja
cooptado para a geografia como eu fui, embora isso não traga nenhuma vantagem
especial neste país, como não traz ser engenheiro ou arquitecto, enfermeiro ou
alfaiateiro. Trata-se de um país a brincar e é com esse espirito, e também para
me gabar, tão novinho e coisinhas tão jeitosinhas que eu então já dava à luz, o
que para vocês pode não importar mas me enche o ego e aviva a auto estima.
“ Ao
propor-me fazer (devia ter escrito realizar) um trabalho sobre os progressos deste
ramo das ciências nos últimos 50 anos parece-me lógico rever as suas conquistas
anteriores, não só para ajudar à compreensão da situação no ponto de partida
deste trabalho, como para dar uma ideia da cronologia, necessidades e porquês deste
último arranque sobre o estudo do nosso mundo. Como é sabido desde os tempos
mais remotos que o homem procura saber situar-se na esfera que o encerra,
Ptolomeu, Aristóteles, Copérnico, D. Henrique, Fernão de Magalhães e tantos outros foram dando ao
mundo novas visões (e novas versões) cada vez mais exactas do mesmo. Se bem que nesses tempos o
progresso fosse andando a passo de ganso, o mesmo não veio a acontecer nos
séculos seguintes, mais concretamente nos Séc. XVIII e XIX, onde a Geografia,
então de feição clássica, não descansou enquanto não catalogou dentro da sua
concepção de ver as coisas (da sua concepção clássica) tudo o que lhe foi possível
e poderemos mesmo dizer (afirmar) que os estudos sobre os quais hoje (em 1977)
nos debruçamos não teriam razão de ser sem o apoio de todo esse enorme trabalho
anterior, nem existiriam mesmo.
Esse mérito
coube em grande parte a homens que souberam dar às suas vidas um sentido positivo e real, desde o Cap. Cook, que com as suas viagens deixou inscritas em
cartas cartográficas grandes regiões do globo, Charles Darwin homem de rara
visão e grande espirito de observação que nos deixou um marco de extrema importância
para a comparação dos seres vivos e sua evolução no meio ambiente, e tantos
outros que posteriormente desbravaram os continentes recém-descobertos. Os Séculos
XVIII e XIX foram pois aqueles em que tudo foi dado a ver, desde os continentes
africano, americano e os próprios polos que na época representavam para o
homem o espicaçar da sua curiosidade (este sua está a mais), foram vencidos. Mas o gigante não descansou depois de todas
estas lutas, outros sonhos breve começaram a povoar a mente do homem, e é aqui
neste passo da história que com 2 homens que (e 2 dispensáveis ques) tivemos
oportunidade de conhecer pelos nossos estudos recentes que (outro que) surgiria
o despertar mágico da Geografia, Humboldt e Ritter. *
Como retrospectiva
não devemos esquecer o real (a realidade) que rodeava a sociedade do tempo, nada pode ser
desligado do seu evoluir, a revolução Industrial do Séc. XVIII veio trazer e
resolver problemas do homem, ajudou-o e encheu-o de interrogações, deu-lhes
umas vezes os meios e outras os fins, e quando Humboldt e Ritter surgiram os
transportes estavam já desenvolvidos, o intercâmbio entre os continentes era já
vulgar, corrente, e foi este relativo progresso que deu a Humboldt a
oportunidade de conhecer e pensar no que estava por fazer. O que saltava à
vista estava catalogado, foi o período da Geografia clássica, com Humboldt
outra época viria a nascer, a moderna, e ele como Ritter deram-lhe todo o seu
cunho pessoal (o seu era desnecessário), pormenorizaram, interrelacionaram as ciências
naturais, históricas e filosóficas com a Geografia e ajudaram à compreensão das
relações entre os homens e o ambiente, encheram os espaços de fenómenos (que
explicaram), botânicos, climáticos, geológicos, estruturais, e suas influências
no homem, e pelo homem, geraram polémica e contestação, e abriram o caminho à
curiosidade de outros homens que por sua vez vieram também a fazer “escola” e a
criar critérios. (métodos).
Da discussão
nasce a luz, e mais tarde Ratzel,** criador da antropogeografia, vem dar nova
achega à questão ao considerar o comportamento humano em função da influência
do meio, quando até aí, e talvez devido ao facto de ter caminhado de vitória em
vitória o homem era visto (considerado) como o dominador do meio em que vivia. No
entanto depois de todas estas descobertas a terra não parou de girar, as
cidades cresceram, a densidade demográfica aumentou, os espaços foram sendo
preenchidos e a geografia começou novamente a não saber como os explicar na
mente dos homens, nessa vitrina tão vasta vimos surgir novo anúncio, “novas
concepções precisam-se” e é mais ou menos a partir desta ideia, desta nova
necessidade de encarar as coisas que surge a “Nova Geografia”.
As
concentrações industriais, as migrações populacionais, os porquês das grandes
cidades precisam de novas explicações, a inter-relação entre a sociologia,
história, a matemática e a geografia torna-se necessária, e a geografia
torna-se tão precisa (necessária) às outras ciências como elas à geografia para
a explicação desta nova organização espacial, que não é só obra das influências
entre o homem e o meio que o rodeia. O pormenor terá que ser colocado de parte
para ser procurada a exactidão (a síntese) de realidades sociais mais vastas. A
técnica dá-nos novos meios, o computador, a recolha e tratamento de dados, a estatística,
a matemática e a lógica são cada vez mais necessárias e utilizadas, há maior
necessidade de compreender o espaço para o dominar. A geografia deixa de ser
qualitativa, classificativa, para se tornar quantitativa, há que responder a
novas exigências, que adaptar-se a novas situações, montes de perguntas, montes
de respostas, montanhas de dados, há que saber trabalhar com eles, traduzir,
trabalhar, explicar, prever, tudo a um ritmo a que a geografia não estava
habituada (tal como a nossa AR), falhará por vezes ? Talvez, mas os erros vão
sendo aperfeiçoados, a matemática surge onde é possível e necessário aplicá-la,
densidades demográficas, natalidade, mortalidade, minimização de custos,
maximização dos proveitos, matemática e economia, geografia, cada vez mais
campos estendem as mãos à geografia numa ânsia desmesurada de compreensão e
explicação, os urbanistas, os engenheiros, os economistas, os políticos, os
sociólogos, socorrem-se dela para tentar dar-nos a todos um projecto de mundo
mais equilibrado, onde viver custe menos e saiba melhor. (parece que não conseguiram).
Surgem nesta sequência
teorias para a racionalização dos espaços, os modelos, novos métodos para maior
e mais racional explicação e aproveitamento dos espaços sobretudo económicos e
sociais. Na origem de todos estes estudos e conhecimentos a “terra em que
vivemos” foi e será sempre a nossa fonte de inspiração, quanto mais a descobrimos
maior ela se torna para nós, um problema desvendado deixa sempre na sua esteira
mais ainda que nem imaginávamos, conscientes deste facto, cientistas de todo o
mundo chegaram à conclusão que só de mãos dadas era possível fazer frente a tão
grande manancial de incógnitas, e foi estabelecido serem os anos de 1957 e 1958
dedicados ao estudo em uníssono de fenómenos de todo o tipo no nosso globo, foi
designado por “Ano Geofísico Internacional”, AGI, e teve resultados tão profícuos
que o espírito que presidiu à sua criação se manteve até aos nossos dias, tendo
sido do seu trabalho que fenómenos hoje conhecidos foram desvendados. Milhares
de “garrafas” especiais foram deitadas ao mar, foram desvendadas as
temperaturas, as correntes marítimas e suas influências em climas nos
continentes, um conjunto de exploradores cruzou a Antárctida de um ao outro
lado investigando a calote polar, as rochas e as águas costeiras da Antárctida,
as condições meteorológicas em relação com o clima do resto do mundo, o jet
stream, os céus, auroras boreais etc. etc. etc.
Foram (foi) ainda
durante este AGI que os EUA e a URSS lançaram os seus primeiros satélites
artificiais, dando o estudo e o conhecimento que hoje temos da camada
atmosférica superior, da gravitação da terra, do magnetismo, das radiações do
sol e raios cósmicos, o Cinturão de Van Allen, as linhas isobáricas,
isoiéticas, isóbáricas, isotérmicas, tudo isto são conhecimentos adquiridos
através destes estudos recentes que não pararão jamais e fruto desses
satélites pioneiros, outros se lhes seguiram e seguirão, e quando tudo na terra
for explicado pela geografia, outros mundos estarão já ao nosso alcance e à nossa
espera, a ciência não pára, e a geografia também não certamente.
Évora Junho
de 1977
Humberto
Ventura Palma Baião “