Há uns dias
para responder com exactidão a questão que se me deparara e não querendo
desiludir um amigo, embrenhei-me nos cartapácios de história tendo a dado
momento sido casual e inadvertidamente confrontado com o deslumbramento de
Leonor. Expectante estaquei, fiquei ali parado, seduzido, fascinado, encantado,
na realidade pasmado, imaginando-me também eu passível de ser acometido e
tomado por tais alumbramentos, êxtases, entregas e paixões.
Certamente
outros que não os que agora me prendem, seduzem ou conquistam, a variedade de
escolhas à disposição seria bem menor, como menor seria o leque de
oportunidades ou possibilidades de realização, sobretudo sendo-se mulher (não
estou a ser machista ó Mariazinha marquesa de Índigo), como teria sido o caso
de Teresa de Ávila (1515 – 1582), a propósito e na sequência de cuja consulta vim
a lembrar-me de uma outra mulher de peso, ou contrapeso, Leonor d’Almeida, porque
nem crente nem devota, ao invés de Teresa de Ávila, mais conhecida entre nós
como Santa Teresa de Jesus, nascida Teresa Sánchez de Cepeda y Ahumada,
carmelita que viveu o auge do misticismo católico, o mesmo misticismo que mais
tarde pesaria à nossa forçada penitente, a boa Leonor de Almeida, de todos
conhecida por Marquesa de Alorna, cuja vida daria um filme, um livro já deu, a
Rosinha adorará lê-lo de certezinha seja ou não escrito pela Stilwell. Este a
que me refiro devemos agradecê-lo à escritora Maria João Lopo de Carvalho que
em nada fica atrás da Isabel a não ser no abecedário e no arquivo.
Maria João
Lopo de Carvalho trabalhou magistralmente o romantismo e a penitência de que se
revestiu a vida da nossa boa D. Leonor de Almeida, Marquesa de Alorna, que
“escrevia poemas à secreta luz da lua enquanto ouvia o espaço incerto das
raízes do seu tempo sentindo em si o motim e depois o desconcerto”,* ou seja,
uma avalanche de alumbramentos, êxtases, entregas e paixões, enfim, de emoções
insatisfeitas cujo sentir plasmou na poesia, mau grado as condições em que
escrevia, e sem querer fiz poesia, o que só prova que a respeito de inspiração também
eu terei os meus dias…
Teresa de
Ávila começou por ser uma noviça carmelita, católica, vindo a acabar os seus
dias rodeada de misticismo tendo sido canonizada ainda no século XVI, o século
em que viveu, e somente quarenta anos após a morte. Não estarão desligados da
sua ascensão aos céus e na hierarquia católica os factos importantíssimos
atribuídos à sua actuação durante a Contra Reforma, numa Castela ou Espanha
doentiamente católica. Naturalmente foi nesse contexto que obtiveram protecção
e divulgação as suas obras sobre a vida contemplativa através da oração mental,
nesta época de caça às bruxas, íncubos e mafarricos somente alumbramentos,
êxtases, entregas e paixões místicas eram aceites, fenómenos de que os seus leitores
eram alvo ou se diziam possuídos. Não havendo cinema, na ausência de internet,
faltando-lhes o Facebook, o Twitter e o Instagram que restava à populaça que
não o misticismo ? Interessante notar que Miguel Cervantes e o tal D. Quixote
de La Mancha viveram por esta época.
O cerne do
pensamento místico de Santa Teresa era a ascensão da alma em quatro estágios. O
primeiro - "oração mental" o segundo - "oração de silêncio"
o terceiro - "devoção de união" e o quarto - "devoção do êxtase
ou arrebatamento" Santa Teresa foi uma importante autora da oração mental
e detém uma posição entre os autores da teologia mística única. Em todas as
suas obras relata as suas próprias experiências e, ajudada por uma profunda
perspicácia e capacidade analítica, explica-as de forma claríssima. A sua
definição de "oração contemplativa" foi aproveitada pela Igreja
Católica que a integrou no Catecismo: "Oração contemplativa, é nada mais
que uma partilha íntima entre amigos; significa dedicarmo-nos frequentemente
tempo para estar sozinhos ou com quem sabemos que nos ama". Escritas com
fins didácticos, as suas obras encontram-se facilmente na literatura mística da
Igreja Católica destinadas a difundir a fé e a devoção entre os crentes. Devido
à sua actuação na luta desenvolvida pela Contra Reforma foi-lhe dada a oportunidade
de reformar profundamente a Ordem Carmelita sendo considerada co-fundadora da nova
Ordem dos Carmelitas Descalços. E quanto à nossa boa Leonor de Almeida, a nossa
marquesinha de Alorna que podemos dizer ?
Leonor de
Almeida Portugal de Lorena e Lencastre 1750-1839 foi uma nobre e poetisa
portuguesa conhecida nos anais da poesia por "Alcipe". De sangue
azul, era filha de D. João de Almeida Portugal, segundo marquês de Alorna e
quinto conde de Assumar família perseguida pelo Marquês de Pombal sob acusação
de parentesco aos Távoras. A família de Leonor de Almeida foi acusada do empréstimo
duma espingarda a um dos conjurados e Leonor foi encerrada como prisioneira com
a mãe e a irmã no convento de São Félix em Chelas, de 1758 a 1777, aos 8 anos
de idade, tendo o seu infortúnio durado dezoito anos, dos 8 aos 27 anos. Leonor
fora claramente malfadada ao nascer e teve além disso uma infância atribulada,
os avós maternos executados barbaramente, o pai preso e encarcerado na Torre de
Belém e no forte da Junqueira, todos devido a suspeitas de envolvimento no
crime dos Távoras.
Na morte de el-rei D. José, sua filha, e
futura rainha D. Maria I, mandou finalmente libertar os prisioneiros do Estado.
Durante esses dezoito anos de cativeiro Leonor não deixou contudo de receber
uma educação esmerada e uma formação completíssima, além dos custos do
cativeiro soube estudar e dedicar-se a trabalhos artísticos e literários, entre
outras actividades que lhe são conhecidas sabe-se que Leonor se entregou à
pintura e se dedicou à enfermagem, tendo trabalhado como cozinheira e organista
do convento. Conhecia várias línguas, desenhava e pintava admiravelmente,
possuía vasta instrução científica, e o seu carácter era apesar de tudo afável,
amenizando com meiguice e candura as amarguras da mãe e de outros desditosos e
desditosas. A audácia de ter afrontado a ira do Marquês de Pombal tornaram-na
digna, considerada e respeitada.
Moralmente
desgastada saiu do convento e da clausura somente aos vinte e sete anos,
demasiado e psicologicamente afectada para que sua poesia pudesse ser um
risonho passatempo, o que todavia não obstou a ter escrito quase toda a poesia na
prisão Convento de Chelas. Apesar das circunstâncias deixou-nos um legado de composições
poéticas interessantes, com uma expressão romântica, demonstrando uma superior
e romântica sensibilidade, sobretudo se tivermos em conta as atribulações a que
a vida conventual e de cativeiro a obrigaram. Duas mulheres
que a história resguardou, uma por ter vivido à custa do misticismo católico,
escrito uns livros de orações e um catecismo, e a outra por ter sofrido as
agruras da clausura religiosa, publicado obras de mérito cientifico, poetisa de
se lhe tirar o chapéu e não me admira ter sido sempre avessa a crenças a fé e a
devoções, de crente ou devota Leonor nunca deu mostras.
A sua longa vida de nobre dama de corte e de
poetisa foi todavia ricamente preenchida, e vivida, quer em Portugal quer no
estrangeiro, era dama da Ordem da Cruz Estrelada, da Alemanha, valendo a pena
ler com vagar o livro de Maria João Lopo de Carvalho e dar atenção à sua
biografia e bibliografia. Leonor de Almeida contaria perto de noventa anos
quando foi visitada pelo Marquês de Fronteira, acabara de chegar do estrangeiro
e mal D. Maria II a soube entrada em Lisboa como prova de apreço concedeu-lhe
de imediato a banda da ordem de Santa Isabel, e renovou-lhe os títulos de 6.ª
condessa de Assumar e 4.ª marquesa de Alorna por decreto de 26 de Outubro de
1833.
Faleceu tão
formosa e tão segura senhora a 11 de Outubro de 1839 no Palácio de Fronteira,
propriedade do Marquês de Fronteira, aproveitando eu para vos confessar ter o
último destes marqueses, D. Fernando de Mascarenhas* igualmente Conde da Torre,
sido meu professor das cadeiras de Teoria da História, bom tipo, gordinho baixo
e simpático mas que me deixou perplexo e em vacilante mais de uma hora, eu
chegara atrasado à primeira aula, ficando em dúvida se seria um ou uma
professora, tinha uma voz de falsete (não tem que ver com falsidade) e um
cabelo encaracolado lindo e louro encimando rubicundas bochechas, inda que não
fosse essa a razão pela qual lhe chamavam o Marquês Vermelho. Mas voltemos à
nossa boa Marquesa de Alorna pois em mim não corre sangue azul nas veias, para
vos dizer que faleceu vinte dias antes de completar 89 anos de vida, tendo
demonstrado invulgar longevidade para essa época. Foi sepultada no dia seguinte
em jazigo particular, no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, onde poderemos
chorá-la.
* Maria Teresa Horta – Poésis – Lisboa, D. Quixote, pág.
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