Não posso
deixar de dar conta do prazer encontrado na leitura dos sermões do padre
António Vieira, nado em Lisboa nos idos de Fevereiro do ano da graça de 1608, à
Rua dos Cónegos, o que terá parecido um prenúncio a muita gente e não somente a
mim que, através do conhecimento da sua biografia, e bibliografia, me
surpreendi com o que já há muito sabia mas cuja espectacular dimensão nunca
apreendera de imediato.
O padre
António Vieira, aproveitando a então recente globalização iniciada pelos
portugueses, os quais havia pouco mais de cem anos tinham dado novos mundos ao
mundo, tornou-se um globetrotter de nos fazer inveja, numa época em que nem navios
paquetes, nem cruzeiros, nem aviões e nem sequer balões dos que dariam a volta
ao mundo em oitenta dias ou a tal Passarola do confrade Bartolomeu de Gusmão,
que nasceria somente na década em que Vieira se finaria.
É notável e
extraordinário quanto este jesuíta palmilhou, digo viajou, numa época em que só
cascas de nozes, muita fé, um bom estômago e espírito de aventura permitiam tais
viagens, mas a verdade é que pelo seu percurso o sabemos num ano em Lisboa, n’outro
deles no Brasil, designadamente na Baía, novamente em Lisboa, depois Paris,
Haia e Roma para daí voltar ao Brasil e retornar ao reino, à metrópole, donde
partirá de novo p’ra terras de Santa Cruz, para no Maranhão vir a ser preso, expulso
e recambiado para Lisboa devido ao facto de ser jesuíta.
Perseguido
também em Portugal refugia-se no Porto e em Coimbra, esclareça-se que a
Companhia de Jesus, ganhara grande ascendência no país e não só, digamos que a
todos os níveis, o que acontecera paulatina e principalmente após a nossa independência
do domínio filipino em 1640. Esta peculiar Companhia de Jesus abarcara claramente
o domínio das influências na Corte, punha e dispunha nas Missões nas Américas e
no oriente, dava cartas no ensino, era a vanguarda da cultura intelectual da
época, o que como ainda hoje aconteceria despertou a desconfiança de governos e
despoletou rivalidades n’outras ordens religiosas e no clero em geral. As
condições criadas viriam a acicatar a antipatia pombalina para com os jesuítas,
o resto da história já a sabemos, levou à sua expulsão do reino, sua dela, companhia.
Foi em
Coimbra que veio a ser julgado pela edição do livro “Esperanças de Portugal,
Quinto Império do Mundo “ o que lhe valeu ser privado do direito de pregar,
oralmente ou por escrito, e para sempre. Como podemos ver calar o pio é moda
vinda do antigamente. Quanto a mim reconheço ter finalmente compreendido donde
veio o Quinto Império a que aludia Fernando Pessoa, e não deixo de vos fazer
notar que já em 1665, Portugal, o quinto império do mundo, não passaria de
esperanças, aliás coarctadas, pelo que acrescentarei de minha lavra a certeza
de que vivemos de esperanças há séculos…
“Quando é
alto e régio o pensamento,
súbdita, a
frase o busca
e o escravo ritmo o serve “ *
e o escravo ritmo o serve “ *
Habituado a
viajar e às representações diplomáticas o padre António Vieira faz-se deslocar
a Roma como quem vai ali ao Samouco, a fim de pedir ao Papa Clemente X a
absolvição da pena injusta a que fora condenado e a sua reabilitação perante a
inquisição portuguesa, o que milagrosamente consegue, vencer o santo Oficio. Entretanto
em Roma conhecera a Rainha Cristina, da Suécia, que o fez seu pregador e o
convidou a ser seu confessor, convite que Vieira humildemente declina. Regressado
a Lisboa vindo de Roma cedo parte novamente para o Brasil cuja costa cabotou ao
longo da sua longa vida, pregando os seus sermões, tendo vindo a falecer na
Baía aos 18 de Julho de 1697 com 87 anos.
Não posso
deixar de frisar quão me surpreendeu a vida deste homem, culto e viajado numa
época em que quaisquer destas qualidades eram difíceis de encontrar em alguém.
Encontro-me lendo, com prazer, os seus “Sermões de Roma e Outros Textos” que as
mais de quinhentas páginas desta sua obra encerram. Como devem calcular são os
sermões de um padre mas não de qualquer padre, nem tão pouco de quaisquer sermões,
são os sermões de Vieira, do padre António Vieira que, ao longo dos séculos se
ergueram a um púlpito inimaginável e impressionante pela qualidade da sua
oratória, da sua gramática, da sua retórica e da sua lógica.
Ao invés do
tal livro de WHM que tanta celeuma causou pela barbaridade do conteúdo, este
sim, este livro do padre António Vieira deveria ser de leitura obrigatória num
qualquer programa escolar que se preze pois, ao contrário de “Eurico o
Presbítero” este não obriga a ânsias nem vómitos, coisa que leva muito boa gente a nunca
mais pegar num livro o resto da vida, ficando a abominar Alexandre Herculano. Pelo
contrário os sermões escritos por este padre num português de qualidade impar,
ajudam-nos a aperfeiçoar a linguagem e a argumentar e contra-argumentar, isto é
a expor e a defender o pensamento e as ideias, os nossos pontos de vista, ajudando-nos
a ordenar as ideias, a pensar.
Certamente já
vos tereis interrogado acerca da razão pela qual vos trouxe hoje esta arenga e
a verdade é que, não o parecendo tem porém a ver com a célebre “sopa de pedra”
de Almeirim. A net distribuiu fartamente um anúncio que me sobressaltara ao
vê-lo na TV, “Festival da Sopa da Pedra e do Petisco 2017” tal e qual, e todos
parecem ter ficado satisfeitos com a obra parida. Tive oportunidade, na net, de
lhes chamar a atenção para tão clamoroso erro pois na verdade os organizadores
deveriam ter escrito “Festival da Sopa DE Pedra e do Petisco 2017” mas debalde
e, curiosamente ia sendo incinerado numa fogueira.
É surpreendente
que dos organizadores do certame à gráfica que imprimiu os folhetos, acabando
na TV que passou os anúncios ninguém tenha dado por tão crasso erro, ou pelo menos
tenha sido assaltado pela dúvida e puxado de uma gramática ou dicionário, ou simplesmente tirado a dúvida junto de alguém mais conhecedor da nossa língua. Antigamente gráficas e redacções acoitavam um designado "revisor" que evitava estes desastres, agora só se pensa em reduzir pessoal e poupar...
Veio-me então à memória e a propósito uma piada que há poucos dias iniciou a corrida nas redes sociais:
- Estás mais
gordo, devias ir para o ginásio.
- Eh pá ! E
tu devias ir para a biblioteca.
- Não
percebi.
- Lá está…
É tudo por
agora, e se forem a Almeirim comam uma saborosa sopa de pedra, sopa delas, das boas
e ignaras gentes de Almeirim, e não da pedra, de qualquer pedra, preciosa ou
não.
* Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa.