Para que o dia fosse um
daqueles dias de encantar só faltava mesmo aquela coisa que logo pela manhã vi
no ar. Um homem, sim, um homem passeando um carrossel, que com uma guita
segurava pela mão. Girafas, zebras, cavalos, grilos, golfinhos, serpentes,
peixes, tantos peixes que o dia num repente ficou mais parecido com um
aquário. Tudo girando em montão, tudo tomando asas tal como um balão, fugidio caso
lhe largassem a guita.
Eu marchava pela praça
vogando ao sabor dos pensamentos quando esbarrou comigo um elefante azul
e orelhudo. Tamanhas orelhas fizeram-me recordar uma entrevista dada vai já
talvez para três anos a José Faustino, da Rádio Diana. Engraçado que, nessa
entrevista, lembro-o tão bem, eu era só orelhas e cuidados. Engraçado como não
aproveitei as oportunidades que cada pergunta encerrava. Senti-me empurrada,
parecendo que alguém ou algo queria arrancar de mim, ou arrancar-me dali, tal
foi a sensação quando uma mastodôntica baleia branca, perseguida por uma orca
malhada, me atirou passeio fora. Então pouco à vontade na política, então
pouco à vontade no protagonismo obtido com a vitória numa freguesia tão
difícil, remeti-me, qual caracol, para dentro de uma concha protectora, o que hoje
considero ter sido exagerado.
Olha ! Lá vai uma
andorinha ! Será primavera já ? Sabem que se diz serem elas as mensageiras de Deus
?
Que me perdoe o José
Faustino se aquela entrevista lhe não rendeu o esperado, temi que procurasse
sangue e burilei as respostas tanto quanto pude. Tanto que, ouvida hoje, me
pareceria não ser eu ali sentada frente a ele e àquele microfone.
Céus! Isto hoje está
impossível ! vejam-me só quantos cavalos-marinhos aqui na praça !
Mas creio não ter estado mal apesar de
tudo e penso que, melhor que eu, os governos tidos ao longo
desse período responderam a muitas das interrogações (provocações?) que o José
Faustino me atirou acima e que, qual nora esforçada, tentava arrancar de mim com
uma fateixa.
Essa zebra deve ter
pensado que a não vejo, ela que se cuide, já por aí vi tigres de Benguela, op !
Mais um tropeção bolas ! Que mar encapelado, só mesmo aos leões-marinhos apetece
brincar ! Larguem-me os pés seus malandros, por favor !
Uma questão teimava
andar à volta da diferença entre ser de esquerda ou de direita, fugi-lhe um
pouco à resposta claro. Um leão da savana olhou-me intimidativo, parece o José
Faustino conduzindo o interrogatório. Hoje não se é de esquerda nem de direita foi o que pensei para comigo, é a verdade, e em concomitância lhe respondi
furtando-me a uma resposta directa.
Olha que lindo cavalo
branco ! E que crina bem cuidada !
Hoje não teria fugido a
essa pergunta como então fiz, ter-lhe-ia dito frontalmente que não me inscrevo
nessas marcas, que estou acima delas, e sou pelas pessoas, pelo social, pelo
progresso, pelo bem-estar, pela qualidade de vida e que, se alguma diferença
existe entre forças políticas essa diferença está na razão e no fazer, exacto, especialmente no fazer.
Um pinguim avança para
mim aos tropeções, só mesmo a ele achamos graça se aos tropeções.
Portugal, Évora, o país,
a região, precisam de acção, precisam que por eles se faça alguma coisa, tudo.
Lá aparecerá quem faça, como apareceu quem não tivesse feito.
Que lindos estes peixes,
confundem-me com uma das deles por me verem soltando bolhinhas da boca !
Parecemos todas, ou
somos todas (os) treinadores de bancada. Não há nenhuma, nenhuma de nós que não
saiba o que deve ser feito para que isto se endireite. Pois façamos. É só
fazer. Não é tão difícil como parecerá à primeira vista, é só fazer, é só ter
vontade, é só compreender, é só arranjar motivação, de sobra, para os amigos
também. E fazer. E sorrir. E dar despacho. E procurar a resposta. E achar a
solução. E voltar a sorrir, satisfeita com mais um problema resolvido, um
obstáculo ultrapassado. É copiar o exemplo. É dar o exemplo. É exigir o
exemplo.
Crocodilos do pântano
levitam por cima de mim, corri para o homem da guita, quis comprar-lhe um
bilhete para o carrossel, não mo negou, apenas me impediu por ser adulta. Mas
foi simpático, atirou-me um sorriso de tamanho paquidérmico, com tal força que
me desarmou. Mas não me quebrou o sonho, nem me atirou um não à primeira,
disse-me que sim, mas…
- “gostaria muito, teria até muito prazer nisso, seria mesmo boa publicidade para mim, mas a senhora veja, é já crescida, os animais não aguentam”.
- “gostaria muito, teria até muito prazer nisso, seria mesmo boa publicidade para mim, mas a senhora veja, é já crescida, os animais não aguentam”.
Retruquei-lhe com a
lábia mais sabida que tinha à mão, disparei-lhe um dos meus
sorrisos/gargalhada, uma palmada nas costas, como fazem os homens, bebemos uma
bejeca e ali mesmo lhe paguei todos os balões do carrossel, que distribui pelas
crianças, correndo mais doidas que eu com aquele zoo inesperado.
E foi belo, enquanto as
cervejolas frescas gorgolejavam goela abaixo era ver a miudagem circulando,
contornando árvores e nuvens, subindo e descendo, até o contentamento os
fazer voar céleres direitinhos a casa. Que cheiro a bolacha americana ! Onde ?
Que desejo de matar saudades !
Os vendedores de balões
nunca me desiludiram. Desculpa lá Faustino se nesse dia te troquei as voltas, é
que não estava à vontade com uma joaninha avoa avoa que me tinha calhado em sorte. Abraços.
* Escrito a uma quinta-feira, dia 10 de Novembro de 2005, pelas 22:44:02h e publicado por esses dias no " Diário do Sul ", coluna " Kota de Mulher "