Acabou
de passar o carteiro na minha rua e, uma vez mais, não me trouxe uma carta tua,
não que a esperasse, embora muito a desejasse e tu, sabido, nunca ma tivesses
prometido.
Mas
neste momento seria uma carta tua a única coisa a fazer-me sair à rua,
recolhida que estou, inda que amante de guarida nunca tenha sido, nem sou. Mas
aborrecem-me os pixéis, os posts, os tweets e os instagrams, confundem-me os
neurónios e sempre preferi o cara a cara com os Sertórios ou outras abéculas que
essas ao menos não me enleiam a molécula.
Gosto
de ver-te, de sentir-te, de tocar-te, ouvir-te sorrir, gargalhar, consigo até
gostar das caneladas atiradas quando rindo te estiras, quase caindo da cadeira
c’a bebedeira de riso. Às vezes basta-me isso, um sorriso e pouco mais pois até
os animais, e a minha Mimi que o diga, apreciam coisas tais e também ela, mal
soa o carteiro corre à varanda primeiro e corre depois os quintais, saltitando
pelos ares apanhando borboletas, gafanhotos e lagartixas, ou aventais nos
estendais e, esquecendo completamente o que a levara à varanda, o barulho do
carteiro numa bicicleta a pedais.
Carteiro
em bicicleta é, deste modo e para nós duas, novelo bem enrolado que ela empurra
brincando fazendo-o rebolar, mas para mim cheio de nós que me canso a desatar, porém,
desde que a linha vá sobrando e eu com ela enquanto espero, novos laços vou
atando... Desfaço nós enlaço laços, seja ou não seja Natal, porque os nós que
desato são laços que irão ficar, são paixões que largo no ar, que qualquer um
pode apanhar, juntá-los presos num nó e p'lo correio enviar a qualquer uma de
vós a quem deseje enlaçar.
Depois
é ver-vos felizes, e p’los cafés saltitando, as cadeiras derribando ou no
quintal esvoaçando, as borboletas caçando, os gafanhotos temendo e das
lagartixas fugindo em cada manhã de sol e até ao carteiro se ouvir a campainha
tinindo, avisando sua excelência que tráz para vossa eminência uma cartinha
perfumada e por abrir. Dizei-me então raparigas qual a cartada jogada no
hotmail ou no gmail que vos deixe assim desvairadas ?
Tanto
progresso anda a matar-nos e a deixar-nos frustradas, eu inda tenho guardadas
cartas de cores bem rosadas que hei-de escrever um dia e enviarei às carradas a
quem sei que as aprecia. Bastarão dúzia e meia de frases bem estruturadas,
pozinhos de perlimpimpim feitos das caudas cortadas às lagartixas p’la Mimi,
uns salpicos de perfume e a língua bem passada p’la cola do envelope para que,
desde o carteiro a quem quer que seja carreteiro e a leve ao seu destino, a todos
faça rejubilar, saltar, pular de contentes e, como uma amiga diria, subir
correndo um escadote, ou, como o refrão duma canção cujo mote é a paixão,
deixar-lhes o maravilhoso coração despedaçado.
Por
isso caras amigas dai laços, apertai nós, pois o mundo anda desgraçado e mui
pior sem nós andaria, nósinhas, nozesinhas onde o amor navegará por sobre mares
e oceanos porque é para isso que cá estamos e, ao contrário do que afirma a
ciência na sua infalível inocência, não são os musaranhos que sobreviverão à
emergência, à inclemência, à impaciência, à hecatombe, à destruição, à bomba,
ao apocalipse, ao armagedão, ao caos.
Somos nós, nosinhas, avós, filhas e
mãezinhas, somos nós qual casca de noz quem terá que, nos momentos fatais fazer
de mães e de pais, levar a bom porto o barco, incutir esperança aos demais,
espalhar o amor p'los quintais, dar trabalho a carteiros em bicicletas a pedais
fazendo promessas aos demais.
Natal
será pois quando e sempre que uma mulher quiser, e, visto entre o ser e o
querer ir um passinho de pardal, irá ser o ser o ser ou não ser da questão, eu
já tenho a minha parte, eu já tenho o meu Baião, cada uma fazei por si q’uisto
nã é uma lição mas foi cousa que aprendi.
E fico vendo-o passar, ao carteiro não há que enganar, pedalando sem
parar, a campainha calada, e, embora mui desejasse não me trouxe uma carta tua,
a tal carta que tu, marido, nunca juraste enviar-me por nunca te sentires
perdido.
O
sol brilha na varanda desta janela francesa onde me quedo recolhida esperando
divisar-te mal apareças gingando ao fundo da avenida. Gosto de ver-te, de
ouvir-te, de tocar-te, de sentir-te, de sorrir-te e dar-te umas caneladas p’ra
te ver rindo atrapalhado a bandeiras despregadas e tentando o equilíbrio nessa mesmíssima
cadeira donde em várias ocasiões já te estampaste.
Gosto, gosto de ti já to disse bastas
vezes, tanto tanto que o que mais gosto é mesmo sarrazinar-te a molécula e
meter-te a mão nos neurónios. Amo-te Bertinho matreiro, mesmo que seja a Mimi
quem ganha festinhas primeiro.
Era
uma vez um cavalo,
que
vivia num lindo carrossel,
tinha
orelhas altivas,
e um
lindo lacinho de papel !
A
correr xá lá lá !
a
saltar xá lá lá !
cavalinho
não saía do lugar xá lá lá !
(canção
da minha infância)
by Maria Luísa Baião, Évora, 21 de Novembro de 2017