sexta-feira, 24 de novembro de 2017

477 - O PLANO DE FINANCIAMENTO MALÓ ...


Hoje é um dia triste, não porque ao olhar pela montra do café ou pela janela de casa (onde estou é comigo, detesto que me controlem) o dia se apresente acabrunhado, escuro, bucólico, também ele tristonho. Contudo não me acomete a tristeza nem a inveja ao ver o meu amigo Azevedo dirigindo-se a mim de sorriso rasgado até às orelhas como se fosse dele o sorriso, ou o sorriso ou os dentes brancos e alvos, ou alvos e brancos, como se as duas coisas não fossem a mesma coisa, sabendo eu quanto os dentes ou o sorriso lhe custaram, os olhos da cara foi o que foi, neste caso mais os dentes pois poucos ou nenhuns serão dele mesmo que já estejam pagos, o que eu duvido conhecendo o Azevedo como conheço.

Mas em frente que atrás vem gente como diria uma amiga minha, torta que nem um garrote e a quem todas as infelicidades da vida caem em cima e atormentam. A pronto ou a crédito o Azevedo tem dentes novos, azar foi ter feito um seguro contra todos os riscos à mota, que afinal saiu daquilo sem um risquinho, tendo-se esquecido dele mesmo, a quem tiraram da valeta com a cara desfeita. Sei que fazem seguros de mãos a pianistas, e de outras coisas por exemplo a actores porno, desconheço é se haverá um seguro exclusivo para os dentes ou os joelhos dos motards, quem souber que me diga qualquer coisa porque eu só sei de ouvir dizer, que a clinica Maló financia até 72 suaves prestações dentes cuja garantia pode atingir os duzentos anos, dentes que, dizia um folheto que uma vez nem li, fariam a inveja de toda a gente. Os do Azevedo fazem.

O mundo anda virado do avesso e os valores éticos e morais, tal como as tradições, andam virados de patas para o ar. Antigamente “a gente” propunha uma obra a uma editora e das duas uma, ou ela nos respondia que sim que valeria a pena apostar na coisa, que teria pernas para andar e fazia por ela esperando ganhar ali algum dinheiro, ou nos mandaria de caras aprender a escrever aconselhando-nos a limpar o cu àquela merda. Simples e directo, resposta mais clara não poderia haver, assunto arrumado.

Agora não, agora por maior merda que a obra seja a editora gaba-a, gaba-nos a nós por arrastamento, glorifica a coisa, afirmará ser uma pena perder-se a sua edição e distribuição, avisando-nos que na segunda página se encontram as condições gerais do contrato e aconselhando-nos a aquisição de um número mínimo de exemplares entre os 100 e os 200. Claro que ficamos sem saber se aquela merda vale ou não vale alguma coisa, os modernos meios e processos de impressão, ON DEMAND, assim se designam, permitem imprimir de um a um cento, um milhar ou um milhão com o mesmo custo unitário e como tal tudo que venha à rede é peixe, será ganho, e jogando com as emoções, as vaidades e o ego de cada um teremos edições cujo número de exemplares irá de um cento ao infinito, e seja como for que vieres a pagar os cem ou duzentos ou mil da praxe o lucro da editora estará sempre assegurado mesmo que tu meu papalvo fiques com 99 ou 999 ou 9999 livros na mão, que ninguém quererá nem saberás como prender na casa de banho, se com um cordel ou um arame pendendo da canalização do autoclismo, ou empilhados a um canto a fim de lhes ires arrancando folha a folha para ...

Há umas semanas propus a várias editoras uma belissíma obra que alinhavara, contactos por correio electrónico em que nalguns casos esqueci enviar ou anexar o ficheiro PDF com a dita obra, porém nada a recear, duas ou três responderam-me, daquelas respostas automáticas que o hotmail permite, que sim que se estava perante uma obra bem estruturada valendo a pena editá-la e bla bla bla, ao que lhes respondi que sim que aceitaria as condições e que poderiam portanto começar já a imprimi-la bla bla bla, pois quero ver o que me dirão quando se aperceberem terem-se pronunciado sobre uma obra que nem receberam e muito menos leram.

Pelo menos uma editora foi honesta, temos trocado mensagens, a obra proposta tem potencial, a ver vamos como diria um cego, a ver vamos se chegaremos a acordo ou se serei comido ou não pois as condições são leoninas, o leão tem a faca e o queijo na mão, a mim resta-me espernear, ou não, não ir na conversa, não aceitar, afinal não sou o Lobo Antunes, não tenho força negocial, estou nas mãos dos editores, vai ser um jogo de paciência, um jogo do empurra, porque ao fim e ao cabo eles também precisam dos escritores e se bem me parece nem serei dos piores, tenho para mim ser até bastante bom, ouvirão falar do Baião, talvez esteja na calha para o Nobel e ainda não saiba, o futuro a Deus pertence, modéstia é coisa que não partilho e a humildade nem sequer é a minha cena, o Nobel sim é a minha onda, e embora por enquanto tenha que me contentar com a minha Suzuki ou com uma Honda, essa é a realidade e não há realidade mais enganadora que a virtual. Editores e filhos da puta são pares iguais, entre os dois venha o diabo e escolha.

Como tal meus amigos e minhas amigas ou minhas amigas e meus amigos, as senhoras primeiro, só não é escritor e não tem livros editados quem não quer, o problema é ter leitores e compradores para eles, seguidores, admiradores, apreciadores, apoiantes, porque o resto é tão falacioso quanto as boas práticas e intenções da Fundação EDP, da Coração Delta, da BPI Capacitar ou BPI Solidariedade, da Frota Solidária da Fundação Montepio, e outros projectos de solidariedade e responsabilidade social que tais, quanto a mim tudo mecenato ou patrocínios destinados a baixar lucros e evitar que se paguem impostos ao fisco, quantas vezes se beneficia mais do que se dá eu nem sei, sei apenas que há comendas e doutoramentos honoris causa dados que custaram milhões a quem foi agraciado, ou milhões dados a quem agraciou alguém mas que não mereceria um chavo…