Hoje
é um dia triste, não porque ao olhar pela montra do café ou pela janela de casa
(onde estou é comigo, detesto que me controlem) o dia se apresente acabrunhado,
escuro, bucólico, também ele tristonho. Contudo não me acomete a tristeza nem a
inveja ao ver o meu amigo Azevedo dirigindo-se a mim de sorriso rasgado até às
orelhas como se fosse dele o sorriso, ou o sorriso ou os dentes brancos e
alvos, ou alvos e brancos, como se as duas coisas não fossem a mesma coisa,
sabendo eu quanto os dentes ou o sorriso lhe custaram, os olhos da cara foi o
que foi, neste caso mais os dentes pois poucos ou nenhuns serão dele mesmo que já
estejam pagos, o que eu duvido conhecendo o Azevedo como conheço.
Mas
em frente que atrás vem gente como diria uma amiga minha, torta que nem um
garrote e a quem todas as infelicidades da vida caem em cima e atormentam. A pronto
ou a crédito o Azevedo tem dentes novos, azar foi ter feito um seguro contra
todos os riscos à mota, que afinal saiu daquilo sem um risquinho, tendo-se
esquecido dele mesmo, a quem tiraram da valeta com a cara desfeita. Sei que
fazem seguros de mãos a pianistas, e de outras coisas por exemplo a actores
porno, desconheço é se haverá um seguro exclusivo para os dentes ou os joelhos
dos motards, quem souber que me diga qualquer coisa porque eu só sei de ouvir
dizer, que a clinica Maló financia até 72 suaves prestações dentes cuja
garantia pode atingir os duzentos anos, dentes que, dizia um folheto que uma
vez nem li, fariam a inveja de toda a gente. Os do Azevedo fazem.
O
mundo anda virado do avesso e os valores éticos e morais, tal como as tradições,
andam virados de patas para o ar. Antigamente “a gente” propunha uma obra a uma
editora e das duas uma, ou ela nos respondia que sim que valeria a pena apostar
na coisa, que teria pernas para andar e fazia por ela esperando ganhar ali
algum dinheiro, ou nos mandaria de caras aprender a escrever aconselhando-nos a
limpar o cu àquela merda. Simples e directo, resposta mais clara não poderia haver,
assunto arrumado.
Agora
não, agora por maior merda que a obra seja a editora gaba-a, gaba-nos a nós por
arrastamento, glorifica a coisa, afirmará ser uma pena perder-se a sua edição e
distribuição, avisando-nos que na segunda página se encontram as condições gerais
do contrato e aconselhando-nos a aquisição de um número mínimo de exemplares
entre os 100 e os 200. Claro que ficamos sem saber se aquela merda vale ou não
vale alguma coisa, os modernos meios e processos de impressão, ON DEMAND, assim
se designam, permitem imprimir de um a um cento, um milhar ou um milhão com o
mesmo custo unitário e como tal tudo que venha à rede é peixe, será ganho, e
jogando com as emoções, as vaidades e o ego de cada um teremos edições cujo número
de exemplares irá de um cento ao infinito, e seja como for que vieres a pagar
os cem ou duzentos ou mil da praxe o lucro da editora estará sempre assegurado
mesmo que tu meu papalvo fiques com 99 ou 999 ou 9999 livros na mão, que ninguém
quererá nem saberás como prender na casa de banho, se com um cordel ou um arame
pendendo da canalização do autoclismo, ou empilhados a um canto a fim de lhes
ires arrancando folha a folha para ...
Há
umas semanas propus a várias editoras uma belissíma obra que alinhavara, contactos por correio
electrónico em que nalguns casos esqueci enviar ou anexar o ficheiro PDF com a
dita obra, porém nada a recear, duas ou três responderam-me, daquelas respostas
automáticas que o hotmail permite, que sim que se estava perante uma obra bem
estruturada valendo a pena editá-la e bla bla bla, ao que lhes respondi que sim
que aceitaria as condições e que poderiam portanto começar já a imprimi-la bla
bla bla, pois quero ver o que me dirão quando se aperceberem terem-se
pronunciado sobre uma obra que nem receberam e muito menos leram.
Pelo
menos uma editora foi honesta, temos trocado mensagens, a obra proposta tem
potencial, a ver vamos como diria um cego, a ver vamos se chegaremos a acordo
ou se serei comido ou não pois as condições são leoninas, o leão tem a faca e o
queijo na mão, a mim resta-me espernear, ou não, não ir na conversa, não
aceitar, afinal não sou o Lobo Antunes, não tenho força negocial, estou nas
mãos dos editores, vai ser um jogo de paciência, um jogo do empurra, porque ao
fim e ao cabo eles também precisam dos escritores e se bem me parece nem serei
dos piores, tenho para mim ser até bastante bom, ouvirão falar do Baião, talvez
esteja na calha para o Nobel e ainda não saiba, o futuro a Deus pertence,
modéstia é coisa que não partilho e a humildade nem sequer é a minha cena, o
Nobel sim é a minha onda, e embora por enquanto tenha que me contentar com a minha
Suzuki ou com uma Honda, essa é a realidade e não há realidade mais enganadora
que a virtual. Editores e filhos da puta são pares iguais, entre os dois venha
o diabo e escolha.
Como
tal meus amigos e minhas amigas ou minhas amigas e meus amigos, as senhoras primeiro,
só não é escritor e não tem livros editados quem não quer, o problema é ter
leitores e compradores para eles, seguidores, admiradores, apreciadores,
apoiantes, porque o resto é tão falacioso quanto as boas práticas e intenções
da Fundação EDP, da Coração Delta, da BPI Capacitar ou BPI Solidariedade, da
Frota Solidária da Fundação Montepio, e outros projectos de solidariedade e
responsabilidade social que tais, quanto a mim tudo mecenato ou patrocínios destinados a baixar lucros e
evitar que se paguem impostos ao fisco, quantas vezes se beneficia mais do que
se dá eu nem sei, sei apenas que há comendas e doutoramentos honoris causa dados
que custaram milhões a quem foi agraciado, ou milhões dados a quem agraciou alguém
mas que não mereceria um chavo…
https://hojemacau.com.mo/2017/11/20/a-importancia-das-ideias/
https://espalhafactos.com/2012/12/27/dos-concursos-literarios/
https://espalhafactos.com/2012/12/27/dos-concursos-literarios/