Um
andará pelos quarenta, o outro pouco aquém disso, disputam a pujança dentro do
grupo dos “Amigos Do Pidal” e pedalam, vinte, trinta, quarenta ou mais
quilómetros cada sábado, cada domingo, em cada arrancada. De semana trabucam e
trocam impressões, sentados na esplanada do New Concept Coffee & Shop
esgrimem pedaleiras, calções, carretos, equipamentos, rodados, óculos de
vidrado espelhado, pisos, mas também riscos, cores, desenhos, esquiços,
pinturas, quadros e visões, sonhos.
Foi
num destes momentos que os apanhei e disparei a Polaroid, fixei a imagem, agora
há que levá-la à tina do preparado e revelá-la porque vocês ainda não o sabem
mas sei-o eu já, a revelação mostrou-se surpreendente, uma verdadeira revelação
aliás como deverá ser qualquer surpresa que se preze. Então não foi que após
tantos anos vividos na mesma cidade, sem se conhecerem, as bicicletas os
aproximaram ?
Talvez
não deva dizer aproximaram, talvez deva dizer ligaram, já que entre eles se
descobriram ambos adeptos das mesmas cores, das mesmas tendências, do mesmo
gosto pelos lápis, pelo carvão, traço, risco, desenho, pintura, até se
descobrirem ambos pintores, artistas da tela e do pincel, das bisnagas, dos
cavaletes, tendo-se então olhado bem e descoberto a si mesmos iguais em muitas
coisas, até na cor dos olhos e, de descoberta em descoberta, chegaram à
conclusão que o pai de um deles assim assado mas também o pai do outro assado e
assim, p’lo que apesar de demorada a coisa acabou por ser concluída, eram
irmãos ! Digo meio irmãos !
Então
não foi mesmo uma revelação surpreendente ? Até eu, a quem pouca coisa já
surpreende fiquei admirado, espantado, pasmado com esta constância e
exuberância dos genes, dos cromossomas, do ADN, claro que depois surgiu
naturalmente a pergunta; por que não contar esta linda história ? Como ? De que
modo ? Arranjando uma base, um pódio onde colocar os manos em exposição e com
uma pequena legenda por baixo ? Vestidos de ciclistas ? Nus ? De pincel na mão
?
É
inverno, está frio, e quem viria ver dois cabeludos mal encabelados em cuecas ?
A história é bonita, comovente, surpreendente e, depois de lhes conhecer as
obras sugeri que ao invés deles se mostrassem os seus quadros, e daí até
sondarmos o Nuno Fernandes foi um passo, há que aproveitar o espaço, o espaço e
o conceito do seu café. O sorriso rasgado que nos serviu de bandeja mal lhe
esboçámos a ideia tirou-nos todas as dúvidas, e a Dora ?
A
Dora adora estas coisas, cores, pintura, desenhos, adora tudo isso e pintar os
olhos, estava montada a marosca.
Depois
foi dar aos pedais, projectar a coisa, convidar mais criaturas, artistas
locais, regionais, promover o artista local, pescámos o João Concha da Rusty
Place * um consagrado para âncora, ficará exposto mal se entre no café, uma
escultura num ponto central p’ra deslumbrar, p’ra surpreender e criar uma
centralidade, uma atmosfera, é artista conhecido e batido nestas lides, bom
tipo, terapeuta, pachorrento, bonacheirão e amigo de toda a gente, comedido
quanto deve ser um artista.
Além
dele o José da Fonseca, também ele já rodado e com quem expositoremos de braço
dado, é um apoio sólido, como se diz agora, uma mais valia considerável e nada
despicienda, talvez arregimentemos a Sandra Bravo, a Helena Sousa, e sabe Deus
quem mais pois a coisa já começou a andar sozinha, já está imparável e não
queremos excluir ninguém, antes incluir todos, quem sabe se aparecerá a Sara
Caieiro com algumas pinturas ou barros, a Sandra está lá longe no Porto e
poderá não participar, é pena, haverá uma próxima, haverá mais, este é o meu
modo de meter as mãos nas tintas, nas cores, na argila, no ferro, a vida só é
bem vivida se nos lambuzarmos dela nã é ?
Será
giro, ver como eles vêem o mundo e no-lo mostram.