Não
era fingida, era mesmo assim, um pouco “aérea” ou talvez não, mas bastas vezes
a vi caminhando absorta, mergulhada nos seus próprios pensamentos, talvez numa introspecção
purificadora, ou numa meditação criadora, criativa, um verso agora, a seguir
outro, uma rima, uma quadra, um soneto, passo a passo, alinhavando estrofe a
estrofe, e, achada a palavra certa, ponto final.
O
olhar vivo e um sorriso.
Outras
vezes o fácies carregado, o olhar baço, ponto - traço - ponto, neurónios telegrafando
sinapses, axónios em polvorosa e nada, por vezes nada, o queixo descaído,
os ombros incapazes de segurar a alça da mala, olhar mortiço, o temperamento e
a disposição sem tempero nem solução, dias e dias áspera, irritadiça, como se a
TPM tivesse inda ocasião, oportunidade, vez.
Era
esse o seu mantra, uns dias com a aura exuberante, outros sem ela, um dia os chacras
em cima, outros em baixo, o karma num carrossel ou numa montanha russa, sobe e
desce, sobe e desce, um dia toda sorrisos no outro sorrisos para ninguém antes
indiferença, desdém, certo dia precurei-lhe a meio de uma conversa:
- Tenho
que lhe perguntar, a Jacinta é bipolar ?
-
Não ! Que ideia ! Por que pergunta ?
Expliquei-lhe
com calma e ponderação a minha razão, o facto de detestar fazer perguntas a
outros que não ao próprio, a delicadeza da questão, ao que ela, como já sabem me
respondeu não, não era, era sim a vida a culpada, os dias, uns melhores outros piores, tantas
vezes como uma montanha russa respondeu-me sorrindo.
- Ou
como um carrossel, contrapus eu.
-
Sim, ou isso.
A
coisa foi esquecida, ultrapassada e esquecida, esqueci até a sua inconstância,
o seu caracter volúvel, instável, a alegria feliz versus a meditação e
recolhimento intimistas, e passaram-se dias, dois, três, quatro, já nem sei.
Repentinamente
dei por ela furtando-se, evitando-me, fingindo não me ver, depois e casualmente reparei no
corte de amizade provocado numa rede social que partilhávamos. Ignoro o que
pensou durante aqueles dias, com quem falou, com quem se aconselhou, estranhei isso
tanto quanto estranhara a sua resposta, tão natural me parecera, demasiado rápida e natural para um caracter incerto, movediço, volátil, inseguro. Devagarinho
e lentamente o meu diagnóstico confirmava-se da inconstância à instabilidade, dali
à bipolaridade não distaria muito. O passinho dum pardalinho talvez.
Dias
depois ao entrar na pastelaria onde calhava encontrarmo-nos muitas vezes mas casualmente já ela ocupava uma mesa, educadamente solicitei permissão para me sentar
e indaguei se desejava que passasse a fingir que a não via ou se lhe deveria
dar só os bons dias e continuar;
- O
Humberto faça como achar melhor, como entender.
Entendi.
Que
ganhei ou perdi com tudo isto ? Nada. Então por que será que me senti como um
urso polar ? Se é que sei como se sentirão os ursos polares na triste imensidão
gelada do árctico...
Se o urso polar
Quisesse pular
Caía na neve
De patas para o ar !
Autor do poema, Mário Castrim