Aproveitei o interesse de todos pelos óculos, em especial a curiosidade
dele, por mim usada como manobra de distracção. A dissensão estava a subir de
tom, e o orgulho não me permitia aturar-lhe as provocações sem as castigar,
sem lhas fazer engolir. Medi-o bem, era deveras mais alto, entroncado e pesado
que eu, a coisa pedia uma estratégia adequada e rápida, quanto mais tempo
passasse mais riscos correria, mais enxovalhados ficaríamos, ele e eu,
trocando impropérios e provocações como duas varinas. Eu sou mais de acção que
de conversa e o interesse dele e de todos nos óculos deu resposta às minhas
preces.
Eram
uns Ray-Ban que trouxera de Durban, de onde chegara nem haveria meia dúzia de
dias, uns Ray-Ban modelo aviador que, segundo me apercebi estariam na moda por
todo o mundo. Já os vira na montra da Casa Havaneza, caríssimos, quase dez
vezes mais do que me tinha custado por isso não me custou sacrificá-los,
tirei-os da cara, não fosse alguém julgar estar a esconder-me cobardemente
atrás deles para evitar a luta. Nem me lembro bem do motivo mas tornara-se
claro que a luta era inevitável e só um cobarde viraria costas.
Eu estava na tropa, estava de licença, já era homem, ele seria da minha idade, quando muito haveria entre nós a mais ou a menos, dois a três anos de diferença, para mais velho ele talvez, e mais corpulento e alto, era bem mais alto que eu. Escrever esta história não é nada de que me orgulhe, eu estava na tropa, tinha boa preparação física, tinha chegado de Durban em férias, ele estava claramente a ofender a minha honra, de homem e de militar, tornara-se óbvio estar a pedi-las, e a luta inevitável, só um cobarde viraria costas. Embora também ele fosse militar, também ele soubesse tão bem quanto eu que devíamos evitar este tipo de confrontações, pois seriam as nossas armas a sair chamuscadas com este tipo de comportamento. Mais a mais as nossas especialidades no caso de sermos levados à barra da justiça só nos trariam agravantes.
Eu estava na tropa, estava de licença, já era homem, ele seria da minha idade, quando muito haveria entre nós a mais ou a menos, dois a três anos de diferença, para mais velho ele talvez, e mais corpulento e alto, era bem mais alto que eu. Escrever esta história não é nada de que me orgulhe, eu estava na tropa, tinha boa preparação física, tinha chegado de Durban em férias, ele estava claramente a ofender a minha honra, de homem e de militar, tornara-se óbvio estar a pedi-las, e a luta inevitável, só um cobarde viraria costas. Embora também ele fosse militar, também ele soubesse tão bem quanto eu que devíamos evitar este tipo de confrontações, pois seriam as nossas armas a sair chamuscadas com este tipo de comportamento. Mais a mais as nossas especialidades no caso de sermos levados à barra da justiça só nos trariam agravantes.
Bem
mas voltando aos óculos, peguei-lhes nas hastes, rodei-os frente aos olhos de
todos, por fim frente aos dele:
- Não são só bonitos, também são inquebráveis, reparem !
e mal acabara o reparem
atirei com os óculos ao ar, bem alto, e eles lá foram subindo, rodopiando e
subindo às cambalhotas, às voltas, o pessoal expectante, olhando-os, aguardando
que a trajectória se invertesse , eles começassem a descer a descer até se
estilhaçarem nas lajes de granito do passeio onde a maralha fizera roda.
Aproveitei
esses segundos de expectativa e distração para lhe assentar um certeiro
pontapé nos tomates e, ainda ele nem tivera tempo de se encolher enfiei-lhe
dois ou três murros na cara, olhos e nariz, para o cegar e meter a sangrar
abrindo-lhe uma torneira que o assustasse e desorientasse, a fim de o arrumar
depressa e com pouco esforço. Tinha-o atirado ao chão com uma bateria de murros
bem dados e melhor apontados e um simples pontapé, que porém me deixou a canela
a doer como o caraças, tudo em menos de um minuto, sem estrilho, sem barulho e sem alarde.
Depois
baixei-me para o ajudar a levantar-se e foi aí que ele agiu, eu dera a luta por
terminada e nisso fui parvo claro, a luta parara ? Já tocara o gongo ? Ou
continuava ? Para ele continuava, eu dera-o por satisfeito com a pancada que
levara e afinal não ficara, ele não ficara nada satisfeito, ficara envergonhado
e agiu para tentar ganhar a luta e salvar a honra e, quando me baixei para o
ajudar a levantar do chão agarrou-me pelas abas do blusão ergueu-se e
deu-me uma tão inesperada quão valente cabeçada. Meteu-me os dentes para
dentro. Rasgou a testa claro, verdade, sovei-o bem, levou-as, mas ele também me
deu, nem nos podíamos ver quando brigámos, nem antes nem depois, como vos disse
nem me lembro bem do motivo mas ele estava a pedi-las e não levei nada a mal, só fiquei sem dentes, nem os
óculos se partiram, nada de que me orgulhe.
Naquelas
alturas a gente age até sem pensar, não houve cobardia, ele levou e também quis
dar, também deu, armámos uma cena à porta do Café Portugal, tudo cheio de
gente, e ele tinha que salvar a honra porque a vergonha já ninguém lha tirava
de cima. Meteu-me
os dentes para dentro, salvou a honra, que caraças se não nos tivessem separado
não sei como acabaria, ele também era rijo. Acabámos os dois metidos na mesma
ambulância dos bombeiros que entretanto alguém chamara, ambos sabíamos, o
melhor seria pirar dali, a bófia não demoraria a chegar, nenhum de nós tinha
explicações a dar nem as quereria dar. Acabámos tendo que dá-las à má fila ao agente
de serviço na urgência, mas dias mais tarde quando convocados a comparecer no
posto já nenhum de nós estava em Évora, quer dizer eu estava mas alguém
telefonou a dizer que voltara para a Africa do sul, ele era alfacinha e voltara
a Lisboa, pelo menos assim me contaram posteriormente.
Foi
a ele que surpreendido vi há dias estacionando nas cercanias do café que
frequento, arrastando os pés, parecendo ter o dobro da minha idade, ambos nos
olhámos e hesitámos, depois estendemos a mão um para o outro mas não chegámos a
apertá-las, abraçámo-nos. Sempre era verdade, vive em lisboa, tem problemas
renais e faz hemodiálise coitado, convidei-o, que não que não podia beber, ia
ali à clinica dos bancários ter com um nefrologista de primeira para uma
consulta, falámos um pouco, acompanhei-o, rimos com o acontecido há quase
quarenta anos, que sim, mal saíra do hospital rumara a Lisboa para evitar
chatices e dali para a Guiné, ele, eu ainda voltei para Durban durante dez
meses, depois regressei definitivamente.
E os óculos Baião, não caíram no chão, alguém meteu o pé e os aparou, com a confusão nas urgências entregaram-mos a mim, fiz por eles, usei-os uma boa catrefa de anos até se partirem de velhos, obrigado, cá o amigo agradece.
E os óculos Baião, não caíram no chão, alguém meteu o pé e os aparou, com a confusão nas urgências entregaram-mos a mim, fiz por eles, usei-os uma boa catrefa de anos até se partirem de velhos, obrigado, cá o amigo agradece.
Voltámos
a rir-nos, abraçámo-nos de novo e despedimo-nos, mas trocámos contactos, não
ficaremos outros trinta e muitos anos sem nos vermos.