Em
boa verdade a vida não me tem corrido bem ultimamente. Conjugações e astros não
se perfilaram de molde a satisfazer-me os desejos e teimaram caprichosamente em
toldar-me um horizonte que há muitos anos se me abrira deslumbrante. A sina,
que plêiades de luzes celestes nos traçam, teimam ofuscar-me um caminho que
visionara bem mais fácil de percorrer. Tolheram-me os desejos, é certo, mas não
me frustraram nem caprichos nem ambições que nunca acolhi. Olhei os céus eivada
de esperança, perscrutei o negro das noites em desespero, debalde o esforço.
Quebrado o anseio tornei a casa, venceu-me o cansaço e o sono. O universo
recusava desvendar-me segredos que já foram medos.
Formulo
desde sempre um desejo a cada estrela que cai riscando a abóbada como um fulminante e, fico deveras radiante quando, entre mim e o infinito, uma aliança
se esboça e da qual guardo segredo temendo que disso façam troça. Sempre que tal aconteceu em torvelinho me sustive, esperançada, aguardando a hora. Imaginem só
a impaciência, alimentada agora pela ciência, que nos modera ímpetos e
resguarda receios, que nos marca encontros e recreios.
Um
traço no céu é um desejo, imaginem então quantos posso pedir a Aladino num só
beijo se, em vez de uma estrela caindo, uma miríade delas vier fugindo. Riscam
os céus em flashes de encantar, em data marcada para que as possamos apanhar.
Saíra à rua esperançosa, cara afogueada, tez viçosa, de braço estendido e
regaço bem cosido não fosse alguma perder-se. O outro braço bem erguido, não
calhasse Deus esquecer-me ou não me ver por distraído, o que dizem não fazer.
Mas toda a gente esqueceu, se é que nem sequer lembrou, que essa bela
constelação sempre sempre nos brindou, p’los dias de Novembro, com uma chuva de
estrelas, cadentes, resplandecentes, que de trinta em trinta anos nos livra a
vida de enganos.
E de
Leão partes vi, de fugida e em contraste com nuvens que temi em mim
descarregarem fúrias. Tal não aconteceu, mas seu negro se fez breu e a
constelação escondeu para meu grande pesar. E, em vez das belas Leónidas, me
vieram abraçar lágrimas pródigas, frias, tentando-me ao recolher mas não a
esperança esquecer. Volvi a casa quebrada, quebrada mas não vencida, e tal como
um Rei de Esparta, Leónidas de seu nome, (não por acaso, talvez), defendi a
minha Termópilas, não contra Xerxes da Pérsia, mas contra esta vida magana, que
me torceu, não dobrou, e mais me fortaleceu.
É
que há muitos anos atrás, tecendo ilusões e sonhos, bafejada fui num momento.
Fugaz é certo, lamento, mas que nunca mais esqueci, porque foi abraçada a ti
que nessa luz me embebi e sofri por ficar sóbria. Pirilampos e Leónidas nos
cobriram como um manto, parecendo até que o céu, em pranto, se fechara sobre
nós, eleitos, de tal modo que, ainda hoje o aroma de amores-perfeitos me lembra
essa noite que eu invento em cada dia ou pensamento. O Céu tornado jardim
florido, de luzes e luzinhas preenchido. O sangue nas veias me ferveu, e
senti-me protegida por um véu.
Mas
fosse agora esse dia e não mais recuaria ante tão ébria alegria. Ter vida em
mim é noção de não perder ocasião, crer sempre que o amor não tarda. Não sou já
a menina que se guarda, mas mulher que mesmo na bruma, busca precisamente a luz
que ofusca e emana de um coração. É-me de todo indiferente, o modo a hora o
lugar, não me custa sofregamente respirar e resguardar no pensamento a chama
que me permita, até ao vento, consumir-te, saborear-te, devagar...
* By Maria Luísa
Baião, Novembro/Dezembro de 2002 in Diário do Sul, Kota De Mulher.