sábado, 6 de outubro de 2018

534 - ALBERTO, O NOSSO PRÍNCIPEZINHO …


 Bem sei que ela não resolveu puto, que só nos demostrou solidariedade, que somente vincou a necessidade de se colocar um fim naquele flagelo,

- Mas a sua figura frágil de princesinha teria sido boa publicidade pra ti amigo Alberto, “Irmão, ela não resolveu o teu problema mas o mano Alberto resolve. Vem ter comigo quanto antes”. A gente tem que puxar pelo cabeça ó Alberto.

Esta conversa teve lugar há poucos dias, talvez uns dois meses, ele tomava a bica com o nosso amigo Lopes que por sua vez o levara a ver a sua artística exposição fotográfica e eu, sentado e mordiscando à boca cheia o meu suspiro topei-o pelo canto do olho, mas reconhecei-o logo.

Conhecera-o numa época em que pouco se pensava em coxos, manetas, pernetas, manetas e noutros amputados e aleijados de variada índole, tão poucos parecia haver. Alberto, encerrado num mal enjorcado cubículo do hospital ia improvisando umas próteses com recurso a madeira, correias de coro, rebites, ilhoses, pano felpudo, espuma densa, falando, acordando e acertando pormenores com os médicos. Através de apreciações efectuadas a olhómetro e experimentações, lá ia gizando milagres mercê de muitíssima habilidade e ainda mais paciência e sensibilidade.

Eu viera de licença de férias, estaríamos aí por 76 e depois de uns bons dez minutos observando a arte, habilidade e imaginação com que ele ia pondo coxos a andar e manetas capazes de fotografar, digo de ser vistos e fotografados, luva disfarçando a prótese fixa, rígida, bonita mas não tão prestável quão uma boa perna de pau ou um par de muletas em madeira resistente mas leve. Tão absorto que às tantas larguei a minha sem sequer pensar;


- Ó amigo Alberto, em Angola é que você se iria safar bem com este negócio amigo, há por lá coxos, pernetas, manetas e gente sem fim para quem você seria Deus, para quem você seria um milagre.

Que não respondeu-me,

- Baião, chegaram-me os 24 meses que lá passei, gosto disto, gosto de Évora, da pacatez alentejana, até deste nosso calor, tão diferente daquele.

E deste modo ficámos conversados, não voltaríamos a ver-nos até, salvo erro 82, data do meu regresso definitivo a estas planícies, estava o amigo Alberto de malas aviadas e bilhete na mão, ia de abalada, a evolução da técnica e o progresso do país tinham-lhe acabado com o improviso, a imaginação, a habilidade e o emprego. Doravante próteses só biónicas ou robóticas, assim o ditavam as regras da CEE, modernidade, recurso a técnicas e materiais evoluídos, aparelhómetros e soluções com que ele nunca sonhara, a sua arte ultrapassada, a habilidade desprezada, agora eram exigidas habilitações, técnicas e conhecimentos que ele não dominava nem apresentava, não perdera o emprego, o emprego, aquele emprego é que simplesmente se extinguira, agora mãos robóticas seguravam ovos sem os partirem e pernas sintéticas dobravam o joelho e davam a passada sem se lhes pedir, perna de pau agora, quero dizer então, só um gelado que a Olá vendia, não sei se ainda vende.


Depois disto perdi-lhe o rasto por uma catrefa de anos, para ser sincero esqueci-o completamente, o meu problema são pedras nos rins, foram demasiados anos a beber água de charcos, riachos, ribeiros, rios, lagoas e até de poças, pelo que nem o Alberto me poderia valer nem que se prontificasse a fazer-me dois rins em marfim ou em pau-preto.

Não fora ele com a sua cara de pau encostado ao balcão beberricando uma bica e jamais o teria lembrado ou reconhecido. Voltara, o negócio correra-lhe bem mas a princesa rebentara com ele e, vendo a minha cara de espanto,

Outro capitão pensei eu, recordando um oficial da cavalaria do exército britânico James Hewitt* o militar que dera aulas de equitação à princesa, querem ver que este Alberto também andou enrolado com a princesa…

Coisa que ele, prontamente adivinhando os meus pensamentos me esclareceu,


- Nada disso, ela não foi lá desminar coisa nenhuma, foi incentivar e convidar a que outros desminassem… Levou com ela agentes da poderosa indústria inglesa, farmacêutica, protésica, em especial a de material ortótico, representantes da banca, uns promovendo os produtos, de pacemakers nucleares a muletas de um alumínio brilhante que a pretalhada adorou, outros abrindo linhas de crédito, oferecendo dinheiro para lhes comprarem tudo o que vendem, achas que eu tinha hipóteses Baião ?  Ainda falei com o gerente do Totta Aliança, quem financiara o primeiro carro que tive e que me respondeu já estar reformado e o banco ser agora do Santander e espanhol, o Banco do Alentejo foi-se, o Banco Português do Atlântico foi-se, o de Fomento foi-se, o Totta Aliança foi-se, o Fonsecas & Burnay, o Crédito Predial Português, o Pinto & Sotto Mayor, o Lisboa e Açores idem, isto está tudo mudado e já nada é nosso amigo Baião, nem Angola é nossa nem Portugal é nosso, olha, pretos nunca mais os quero ver na frente e brancos ainda menos.


Baião, como deves calcular voltei há pouco tempo mas já deu para notar, isto por cá está bom é para quem não faça nada e é a isso que me vou dedicar, vou auto reformar-me, já não tenho cabeça nem paciência para estas merdas, nem p’ra estes merdas. Vou meter baixa, preencher uns papéis, dizer que sou sírio, croata ou líbio, tunisino, libanês, tudo menos português… 



https://www.sabado.pt/social/internacional/detalhe/ha-20-anos-diana-foi-pedir-o-fim-das-minas-em-angola