domingo, 21 de outubro de 2018

536 - ESTE TRISTE OUTONO EM QUE TE FOSTE...


Somente agora, que permanentemente me convocas o pensamento, reparei nesta imagem por ti escolhida para capa da página na rede social onde pontificas.

Só agora atentei nela com olhos p'ra ver e cabeça p'ra pensar, para cuidar de a observar e, andando isto tudo ligado, nada nem ninguém me convencerá não ter havido aqui criteriosa escolha, tu que nada deixavas ao acaso nem davas ponto sem nó.

Talvez ao escolhê-la já sentisses em ti a melancolia de Outono, um Outono contudo rico de cor e prenhe de significado, talvez sentisses já em ti a nostalgia e o apelo astral do universo para que o teu Karma se cumprisse pois nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. 

Talvez tivesses sido convocada pelo Outono para um outro e novo desafio. Nasceste, amadureceste, deste fruto, foi chegada a hora da metamorfose e, para que tudo em nosso redor rejuvenesça, tal como as folhas que caem, qual húmus, qual Fénix, talvez tenha chegado para ti o tempo e a hora de nova viagem e somente agora eu me tenha apercebido disso, olhando enquanto caminho as suaves cores desta paisagem tua, desta desolada paisagem que me deixaste.

Sim porque é aqui que radica esta tristeza profunda que sinto duradoura, este desgosto incomensurável, este abatimento indefinível contido pela estranha serenidade deste peculiar momento, p’la acalmia da vida em que, diminuindo a passada, apurando a atenção, me parece ouvir o sussurro do vento trazendo-me a tua voz, desculpa Berto, estava na hora de partir para outra, sinto o apelo do meu signo, a coragem do Leão, outros mistérios me esperam.

É debaixo deste sol de Outono que caminho, agasalhado na solidão que me vestiste, todavia sinto paz, contigo partiu a inquietação que a ambos assaltava e finalmente encontrámos a paz calma que Outono permite, este Outono, o Outono da vida, de calma, da paz que apesar de tudo tanto ambicionáramos porque o sofrimento não é catarse nem é divisível, mas propaga-se e multiplica-se sem controlo, como a divisão celular que numa citocinese imparável origina a vida. 

Deus deixou-nos o livre arbítrio mas, egoísta, guardou pra Ele mesmo a última palavra, deixou que chegasses a Outono, deixou que amadurecesses, que desses fruto, frutos, tão frutuosa foi a tua vida, cumpriste o teu papel, foste marioneta nas mãos Dele e agora o Outono, o cenário ideal para saíres de cena, o silêncio outonal, o dever cumprido, apesar de tudo obrigado meu amor.

É por entre os espinhos do silêncio que caminho, lembrando-te, concentrado nas memórias de ti qual porto de abrigo precipitadamente procurado e nas quais me refugio, habituado a que aí encontre a abundância pois sempre colhi do que semeaste, sempre fui bafejado p’la felicidade enquanto viveste e agora o silêncio, somente o silêncio e estas constantes lembranças de ti. 

Penso-te e, inconscientemente pontapeio as folhas multicoloridas que o Outono espalha neste lugar de desolação em que, numa atitude comodista me vejo, ignorando a transformação que diante de mim se processa, não reparando, não estranhando, não dando atenção nem contemplando a metamorfose, a renovação, a recôndita regeneração que esta abundante miríade de odores e cores anunciam.

No céu está agora mais uma estrela, dos cambiantes cromáticos de Outono renasce como Fénix a vida, enrolando no seu âmago a vitalidade que matura secretamente o recomeço. Por isso doravante te recordarei em cada Outono, a estação tua. Nem só, mas em cada Outono recordar-me-ei especialmente de ti que sempre recusaste a tristeza, a rendição, a renúncia, o declínio, a resignação. 

Nasceu uma estrela, “Sois pó, e em pó vos haveis de converter” disse o Padre António Vieira citando a Bíblia, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, apostrofou e provou Lavoisier e no que creio firmemente. Também eu saberei manobrar os meus Chakras, transmutando esta dor melancólica numa lição correctora, qual recompensa que me tenha sido dada, qual fruto maduro deste Outono singular em que te vi partir, abalar, Outono que não esquecerei jamais, como jamais te esquecerei a ti meu amor, Outono que recordarei sempre como aquele em que foste incensada e me foi concedido o privilégio de ver-te subir aos céus.

Algo renascerá das cinzas, tenhamos esperança, após a tempestade sempre sempre sobreveio a bonança.

Adeus meu amor de sempre, adeus meu amor eterno.


Maria Luísa Baião quando começámos namorando.