sexta-feira, 26 de outubro de 2018

537 - PEDISTE-ME POESIA, by Maria Luísa Baião*...


                        PEDISTE-ME POESIA

Pediste-me poesia, sem qualquer noção real do desafio não percebido que acabaras de lançar. Não perceberas afinal que te andara a enganar. Sempre adorei poesia, mas por favor entende lá que uma coisa é poesia, outra aquilo que eu fazia.

Não mais que enfeitar palavras, alinhá-las bem juntinhas, polvilhá-las redondinhas, pintá-las de fantasia. Quem vê nisto poesia? Tu talvez, porque acreditas inda haver coisas bonitas em que embalar ilusões e nem reparas que és tu, o embrulho de emoções em que reptícia me intrometo.

Prometo-te alegria, agradeces querendo mais, como quem se delicia com a quimera inventada, a utopia intuída mas que se afunda em abulia como galera perdida na sangria que é a vida.

Baixela de pechisbeque, diria para ser sincera, pois mais não julgo esta escrita que a teus olhos me enobrece. Quem me dera ser poeta, falta-me a arte, o engenho, contudo a ela me entrego, porque quero, porque gosto, me permite divagar, me dá gozo e asas de ouro para com empenho chegar ao que tu dizes gostar.        
                                                               
Também sonho, também almejo alcançar, voando nos céus do desejo o que a essência tem para dar. Se grande a ânsia, a impaciência, maior a agonia e a demência. A vida é tormento, náusea, estertor afã e agonia, fulmine-se a apatia, estoire-se com a anemia em que teimam controlar-nos e, em sôfrego ou vibrante arquejo, revoltemo-nos, impunhamos o desejo como bandeira adejante, vençamos de rompante a opressão ímpia e vegetal desta existência brutal vivida no dia-a-dia.

Nunca dês azo a livranças, letras, rendas e algemas, furta-te a tal tenaz, andanças e contradanças de quem te faz contumaz, sê ferrabrás desse algoz, qual sado carrasco atroz que os dias te põe a prazo. Candeia que vai à frente alumia duas vezes, não deixes escoar a vida como areia em ampulheta, faz finca-pé, não creias nessa tese, não engulas essa peta, renega essa chupeta.

Dou-me a mim mesma alforria, ergo cânticos, alegria, ávida de desassossego incito-me ao sobressalto, agito a perturbação, parto os cântaros, quebro os cânones mas excito-te o coração. É isso que esperas de mim, confundes com poesia a alma que eu abro assim. Poesia não é isto, poesia é uma espia de alma bem luzidia e de mais alta fasquia, o que lês, se comparada é atonia, nostalgia se o quiseres, de quem, c'a desculpa de afazeres, aspiraria ao que tu queres.

Não confundas estas palavras cruzadas com emoções bem profundas de inspirações mais letradas. Quem me dera ser capaz, quem me dera a Primavera e, como a hera, trepar severa às alturas e canduras daquelas a quem invejo venturas e a quem num bocejo imito. O que escrevo, não é poesia é um grito, grito que enfeito a meu jeito, a que dou forma e substância, plataforma para a distância a que me guindo atirá-lo. Não confundas, não me obrigues a passar pela vergonha de medonha imitadora de mente alva e criadora.

São momentos de prazer que daqui tiras ao ler, mas poesia? Isso era sim o que eu mais queria. Prometo-te alegria, se entendes ver mais que tal garanto-te que é simpatia e, se assim for agradeço. Só isto, nada mais peço, quem não gosta de jogar? Que é o que faço afinal. O que não posso dizer, disfarço bem ao escrever, tão bem que por vezes sucede veres escrito no papel, não o que eu penso, não o que eu digo, mas o que para ti sabe a mel.

O que tu gostas, no fundo, é do ar de Carnaval girando em redor dos textos, que nada tendo de profundo, te retiram por minutos do contexto deste mundo. São jogos de palavras, nada mais, são modos de te dizer ou perguntar como vais, são como jogos florais no florir das Primaveras, mas uma coisa podes crer, brincando brincando verdades te vou contando, porque as palavras são veras, porque as palavras são tudo e porque saem bem sentidas, quantas vezes doridas, prenhes e, de um sentimento que folgo atirar ao vento.

      * Publicado por Maria Luísa Baião‎ em Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER, escrito na Segunda-feira, ‎dia 25‎ de ‎Outubro‎ de ‎2004, ‏‎pelas 15:13:56