terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

570 - NÃO, NÃO DISSE…By Maria Luísa Baião *


O que eu não disse, por pudor ou cortesia, o que eu não disse. Quanta emoção calei em mim, pensando que a vergonha me tolhesse. Perdeu-se com a maturidade esse pudor, por isso me sinto agora um rio sem delta que águas mil algo prendesse.

Que encantador ver-me agora assim liberta de mim mesma, sendo eu própria, passando para o papel cada ideia que me ocorra, libertar-me de quanto possa antes que morra.

Ter siso demasiado, calar o insustentável, peou-me muitos anos, foi fardo intolerável, incomensurável desatino, agora fragmentos de tormentos infligidos porquanto sensuais coisas calei, gemidos de quanto não contei não calo mais. A memória, a memória, que travessura nossa calá-la, como se fosse possível guardar cada estória, resguardar quanto foi sofrido, temer cada passo dado ou grito erguido. Quanto não ganho agora atirando ao vento cada pedaço vivido, cada momento, cada encantamento.

Bem aqui no meu peito guardo com jeito todo o amor lembrado, momentos sublimes que agora desvendo p’ra vos dar, inda que de novo nada digam, nada que não tenhais também p’ra segredar. Só por calar-me minha solidão acrescentei, fiz por esquecer beijos, carícias, delícias que agora quero relembrar.

Lembrar noites sob o luar, tanto de perder-me quanto de me dar. Desperta, sonhando, quantos sonhos construí, quanto fui feliz, quantos despertares em ti, quais momentos sem sentidos que jamais quero ver perdidos.

Quanto sou feliz.

Quantos momentos calamos? Um dia, um ano uma vida? A alma não quer segredos, não quer trabalhos tamanhos. Ter uma vida é cantá-la. Cada canto da memória guarda um beijo, um encanto que agora rememoro pois não quero viver num pranto. E cada muda lembrança faz lembrar eternidades das vezes que com mestria se trocavam quentes abraços p’ra aquecer as coxas frias.

Serenidade, harmonia, o que era impetuosidade, o que era tudo o que cria, é hoje alegre folia, experiência da idade. O que era breve e em quantidade, volveu calma terna, suave e alegre amenidade, quão doce cumplicidade.

Meus sonhos, já sonhados e ainda por sonhar, trazem sorrisos despertos que nunca deixo de espreitar como a um livro entreaberto. Nele leio hoje a ternura dos momentos de candura com que esculpia a doçura emanada da chama pura dos tempos de adolescente. Que lembranças desses tempos, enlaçavas os meus dedos, eu cobria-te de beijos de que guardamos segredos. Muito dei, muito me deste, bem sei que soubeste e leste nos meus olhos prazenteiros, quanto de bem nos sabiam esses momentos brejeiros.
 
Tacteei os teus cabelos, desvelos mil, tu foste Abril, foste caril, e eu guardei, de polichinelo, com elos dos meus cabelos segredos em amor forjados. Duelos de amor que, confia, não cochicharei ao prelo.

Se eu pudesse formular em cada dia um novo voto, o que eu mais prezava obter, era a certeza certezinha desse teu amor devoto. E se manhoso faltasses a esta minha bizarria, rogaria a uma fada que te lançasse uma praga, que mais nenhuma Maria te desse alegrias minhas. Exultas, se sem pagar transgredimos, fados, loucuras e mimos. Momentos em que nada faz sentido, donde depois nos levantamos com o ego bem erguido.

Já me conheces de cor, percorres calmo e sem pressas os caminhos do amor, desbravado, a desbravar, e eu, com tantos sonhos sonhados quantos os sonhos por sonhar, perco o norte ao planeta ainda muito antes da meta. Vem-te… aconchegar em mim. O peito em ebulição, a tensão acelerada, derretes-me, c’o odor que exalas, tocas-me, eleito, o coração. Acordamos, quedo-me apaziguada, elevo-me sem pudor, e vagueio num mar de odores fruto deste nosso amor.

Acendi o candeeiro, mal sabia ser já dia ! Saboreámos a vida, correu seiva, soltaram-se olhares por sobre mares navegados esta, uma e outra vez. Quem me dera sempre assim fosse, agora sei que nesses dias de que fazemos veras noites, noites de que fazemos dias, não são quimeras nem vãs as manhãs, os pôr-do-sol, eu e tu, os caminhos de abrasar que na certa já sabemos irem desaguar no mar.

Não vemos luas, nem sóis, vemos galáxias, e depois…

Se não crê, então experimente, não dói…
  

* By Maria Luísa Baião,‎ escrito Segunda-feira, ‎28‎ de ‎Novembro‎ de ‎2005, ‏‎pelas 14:12 horas e provavelmente publicado no Diário do Sul, rubrica "KOTA DE MULHER" nos dias seguintes.