O que eu não disse,
por pudor ou cortesia, o que eu não disse. Quanta emoção calei em mim, pensando
que a vergonha me tolhesse. Perdeu-se com a maturidade esse pudor, por isso me
sinto agora um rio sem delta que águas mil algo prendesse.
Que encantador ver-me
agora assim liberta de mim mesma, sendo eu própria, passando para o papel cada
ideia que me ocorra, libertar-me de quanto possa antes que morra.
Ter siso demasiado,
calar o insustentável, peou-me muitos anos, foi fardo intolerável,
incomensurável desatino, agora fragmentos de tormentos infligidos porquanto
sensuais coisas calei, gemidos de quanto não contei não calo mais. A memória,
a memória, que travessura nossa calá-la, como se fosse possível guardar cada
estória, resguardar quanto foi sofrido, temer cada passo dado ou grito erguido.
Quanto não ganho agora atirando ao vento cada pedaço vivido, cada momento, cada
encantamento.
Bem aqui no meu peito
guardo com jeito todo o amor lembrado, momentos sublimes que agora desvendo
p’ra vos dar, inda que de novo nada digam, nada que não tenhais também p’ra
segredar. Só por calar-me minha solidão acrescentei, fiz por esquecer beijos,
carícias, delícias que agora quero relembrar.
Lembrar noites sob o
luar, tanto de perder-me quanto de me dar. Desperta, sonhando, quantos sonhos
construí, quanto fui feliz, quantos despertares em ti, quais momentos sem
sentidos que jamais quero ver perdidos.
Quanto sou feliz.
Quantos momentos
calamos? Um dia, um ano uma vida? A alma não quer segredos, não quer trabalhos
tamanhos. Ter uma vida é cantá-la. Cada canto da memória guarda um beijo, um
encanto que agora rememoro pois não quero viver num pranto. E cada muda
lembrança faz lembrar eternidades das vezes que com mestria se trocavam quentes
abraços p’ra aquecer as coxas frias.
Serenidade, harmonia,
o que era impetuosidade, o que era tudo o que cria, é hoje alegre folia,
experiência da idade. O que era breve e em quantidade, volveu calma terna,
suave e alegre amenidade, quão doce cumplicidade.
Meus sonhos, já
sonhados e ainda por sonhar, trazem sorrisos despertos que nunca deixo de
espreitar como a um livro entreaberto. Nele leio hoje a ternura dos momentos de
candura com que esculpia a doçura emanada da chama pura dos tempos de
adolescente. Que lembranças desses tempos, enlaçavas os meus dedos, eu cobria-te
de beijos de que guardamos segredos. Muito dei, muito me deste, bem sei que
soubeste e leste nos meus olhos prazenteiros, quanto de bem nos sabiam esses
momentos brejeiros.
Tacteei os teus cabelos,
desvelos mil, tu foste Abril, foste caril, e eu guardei, de polichinelo, com elos dos
meus cabelos segredos em amor forjados. Duelos de amor que, confia, não
cochicharei ao prelo.
Se eu pudesse
formular em cada dia um novo voto, o que eu mais prezava obter, era a certeza
certezinha desse teu amor devoto. E se manhoso faltasses a esta minha bizarria,
rogaria a uma fada que te lançasse uma praga, que mais nenhuma Maria te desse
alegrias minhas. Exultas, se sem pagar transgredimos, fados, loucuras e mimos. Momentos
em que nada faz sentido, donde depois nos levantamos com o ego bem erguido.
Já me conheces de
cor, percorres calmo e sem pressas os caminhos do amor, desbravado, a
desbravar, e eu, com tantos sonhos sonhados quantos os sonhos por sonhar, perco
o norte ao planeta ainda muito antes da meta. Vem-te… aconchegar em mim. O
peito em ebulição, a tensão acelerada, derretes-me, c’o odor que exalas,
tocas-me, eleito, o coração. Acordamos, quedo-me apaziguada, elevo-me sem
pudor, e vagueio num mar de odores fruto deste nosso amor.
Acendi o candeeiro,
mal sabia ser já dia ! Saboreámos a vida, correu seiva, soltaram-se olhares por
sobre mares navegados esta, uma e outra vez. Quem me dera sempre assim fosse,
agora sei que nesses dias de que fazemos veras noites, noites de que fazemos
dias, não são quimeras nem vãs as manhãs, os pôr-do-sol, eu e tu, os caminhos de
abrasar que na certa já sabemos irem desaguar no mar.
Não vemos luas, nem
sóis, vemos galáxias, e depois…
Se não crê, então
experimente, não dói…
* By Maria Luísa Baião, escrito Segunda-feira,
28 de Novembro de 2005, pelas 14:12 horas e provavelmente publicado no Diário
do Sul, rubrica "KOTA DE MULHER" nos dias seguintes.