Fui à Feira de S.
João e fiquei petrificada logo ali naquela entrada que dá para o nosso Íbis.
Que feira mais arrumada ! Tinha até carreiros de água serpenteando ondulantes
por onde antes sufocábamos e errando desesperábamos p’ra bencer os ambulantes.
Mais abante, surpresa
! Uma fonte, uma beleza refrescante, apaixonante, p’ra quem p’la feira se
enleia em passeio mirabolante. Alegre e claro, bem disposta ao Jardim rumei
então, pois foi para isso que bim, oubir nessa noite fresca e de uma boz que
refresca, uma ou outra canção.
Habia já ao chegar luzes no ar iluminando e fustigando a mole humana comprimida, p’ra ber e oubir bradando, o
nosso homem do norte. Nem sempre nos calha
tal sorte por isso lá fui esperançada de, ao cheiro de urzes cantando, ir
mitigando saudades de outros tempos, outras eras, em que, bibendo em inocência
não adibinhaba inda bir a ser lançada às feras.
Buscando alegria fui
pois de sandálias e lebeza, com a certeira certeza de não me ir arrepender de
uma bez, sem muis exemplos, deitar a noite a perder. E quando os primeiros
acordes me puseram em alboroço, deixei o coração ficar louco e oubi-o a gritar-me:
- Hoje não dormes !
Tal e qual eu assim
fiz, como quem traça com giz no negro que o céu mostraba, qu’essa noite me
baldava a formalismos e outros trajos, já que não é por pôr andrajos uma bez por
outra na bida que deixo de ser quem sou ou passo a andar perdida.
Ginguei as ancas para
os lados, em debaneios estudados e gestos belhos de ensaiados, mas que deram
resultado quando menina e moça era, e confesso, birei os olhos a namorados que tive até ficarem
quadrados.
Saltaram notas e sons
de banda bem afinada que depressa deram asas a toda aquela rapaziada.
Desbairada também eu, me atirei mui exaltada para cima de um candeeiro, é que o
parceiro que lebaba, estaba já c’um grão na asa e não oubiu o conbite que
bradei para ali bailarmos. Com o candeeiro bailei e bem me saracoteei com o
fluir de melodias, tão belhas quantos os dias que desde menina contei.
E as notas derrapabam
loucas pr’a fora das pautas, bi muitas boando alegres por cima das copas altas de
árbores que, ou eu me engano ou dançabam também elas, como outros moços
imberbes que a meu lado abanabam os abanos.
Passaram por mim fantasmas
que não bia há muito tempo, almas queridas de emoções que guardarei sempre cá
dentro. Um Xico muito fininho, um génio de lamparina, um ingénuo de rubi, um
Grão Bizir de Porto Cobo e um espertinho de aldeia a trabalhar na cidade. Boltei a ber com meus
olhos o rapaz da Piedade, alentejano de gema. Pr'a não biber da caridade se fez
ao mundo mundano mas que nunca negou a pena, a saudade e o prazer, se calhaba à
mão ter farnel pr’a merendar, é qu’esta coisa da idade tem coisas que têm porras,
como ter o belho hábito de beber café de borras.
E o pobo foi sereno,
nem bateu no cantador, nem lhe jurou pela pele, antes mui pelo contrário,
cantou com ele em binário e silencioso clamor. Sei que será para
alguns motibo de perplexidade, mas a turba demonstrou possuir maioridade, nem
hoube nexexidade, mesmo quando de ânimos em pleno e em sintonia berraram, de
bradar p’lo PR, pois cantores e tocadores eram gente de respeito e ao
respeito se deram.
Pulei e saltei
contente como faz mui boa gente sem peias nem preconceitos e quando dali
parti, disposta com o que oubi a secar sede tamanha, ufana enchi os meus peitos
e fui direita à hortinha buer umas cervejinhas.
Calharam que nem
pitéu digno de reis e princesas, frescas que estabam no copo e me custaram um
guinéu, porque ainda por aqui bibe quem faça as contas ao mundo sabendo que
tudo o que há, ou se dibide e reparte, ou se faz de um mar de enganos modo de
biber sem arte.
* By Maria Luísa Baião, escrito quinta-feira,
19 / 06 / 2003 pelas 19:09h, publicado no DIÁRIO SUL, coluna KOTA
DE MULHER nos dias seguintes.