Reza a história dos finais do século XIX ter existido pelo menos um homem que, se fosse hoje vivo, imenso nos ensinaria
a todas, muito especialmente aos homens e mais concretamente a todos que,
erigidos em maioria há décadas assumiram a (i) responsabilidade de nos
governar.
Não quero imaginar quantos corariam de
vergonha, como não pretendo que considerem esta crónica um panfleto feminista,
não é esse o caso, o assunto é bem mais grave.
Reza a história que durante a guerra
Hispano – Americana tendo rebentado revoltas separatistas em Cuba, nesses
tempos (1867 – 1898),debaixo do domínio espanhol, os EUA, defendendo também
já nesses tempos e preventivamente os seus próprios interesses, terão apoiado
os rebeldes independentistas na sua sublevação contra Espanha.
Não dispondo essa
época recuada, sobretudo esse remoto lugar, de meios de comunicação mais
eficazes que os sinais de fumo e surgida a necessidade de um general americano
articular apoios com os revoltosos chefiados por um rebelde de nome Garcia,
chamou a si um dos oficiais em quem depositava maior confiança tendo-lhe
entregue uma carta, ou mensagem provavelmente lacrada, com a singela menção de
ser entregue a Garcia.
É neste ponto que a
história nos lega a sua lição já que, desconhecido o paradeiro de Garcia,
embrenhado nas montanhas e na selva que meio século mais tarde viria a dar
cobertura a Fidel de Castro, recheada de carreiros labirínticos, povoados
inlocalizáveis e com toda uma ilha para percorrer buscando o desconhecido
paradeiro de Garcia, o nosso oficial não hesitou perante a incomensurável
missão que lhe havia sido confiada. Não fez perguntas, não alardeou
dificuldades, não alvitrou sequer a improbabilidade de ser nessas contingências mal sucedido.
Deve ter pensado para
com os seus botões que o que é para fazer, faz-se e que o melhor seria começar
de imediato. Partiu confiante de que por uma tarefa bem desempenhada só lhe
caberia mérito, que do cumprimento dos objectivos determinados resultaria
proveito para a sua nação, que por intermédio do seu general nele depositara o
cumprimento da tarefa e a responsabilidade pelos resultados.
Não só hoje mas por
cá, ministros, autarcas, médicos, vereadores, juristas, educadores,
fiscalistas, estudantes, empresários, todos nós, políticos e apolíticos, vimos
demonstrando uma incapacidade inata para levar a carta a Garcia.
Inspirou-me esta
crónica o facto de sexta-feira passada, 31 de Outubro, ter decorrido no Garcia
de Resende um debate sobre cidadania e civismo, de que nos arredámos
orgulhosamente. Nem a presença do Dr. João Salgueiro, cidadão e reputado
economista captou o interesse da cidade, dos seus empresários, das nossas
elites (?), nem a presença do presidente da nossa autarquia arrastou os
desinteressados munícipes para a curiosidade pela coisa pública, pela coisa
deles, nossa, nem a presença do presidente da Associação de Estudantes da
Universidade logrou conquistar a presença de um único estudante. Cem pessoas se
tanto, ali se encontraram buscando resposta às perguntas que conduzissem ao
caminho que leva a Garcia.
Moral da história? Perguntarão
vocês, simples, se cada português se compenetrasse da importância do seu
desempenho nos resultados por si obtidos na quota parte que lhe toca no
desígnio nacional, talvez hoje não estivéssemos a vender o nosso património e,
ainda que tenha demorado um pouco mais a imaginar, vendendo o impensável, as
nossas próprias dívidas e a estrangeiros ! Verdadeiro reconhecimento das nossas naturais incapacidades.
Aliás pouco
importará se é estrangeiro ou conterrâneo, já que na realidade quando se
iniciar a cobrança dessas dívidas, por certo através de execuções em tribunal,
a culpa será de novo dos outros, dos estrangeiros, bárbaros insensíveis perante
o fecho de empresas, dos despedimentos que arrastarão, dos dramas que semearão.
Bem pode Jorge
Sampaio bradar em Madrid, pois por aqui decerto nenhuma lhe ligariam. **
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By Maria Luísa Baião, escrito em 28/11/05,
pelas 21:57h e publicado no DIÁRIO SUL, coluna KOTA DE MULHER provavelmente no mês seguinte.
Hermes
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