quarta-feira, 17 de abril de 2019

596- LEVAR A CARTA A GARCIA...by Luísa Baião *


       Reza a história dos finais do século XIX ter existido pelo menos um homem que, se fosse hoje vivo, imenso nos ensinaria a todas, muito especialmente aos homens e mais concretamente a todos que, erigidos em maioria há décadas assumiram a (i) responsabilidade de nos governar.

       Não quero imaginar quantos corariam de vergonha, como não pretendo que considerem esta crónica um panfleto feminista, não é esse o caso, o assunto é bem mais grave.

       Reza a história que durante a guerra Hispano – Americana tendo rebentado revoltas separatistas em Cuba, nesses tempos (1867 – 1898),debaixo do domínio espanhol, os EUA, defendendo também já nesses tempos e preventivamente os seus próprios interesses, terão apoiado os rebeldes independentistas na sua sublevação contra Espanha.

Não dispondo essa época recuada, sobretudo esse remoto lugar, de meios de comunicação mais eficazes que os sinais de fumo e surgida a necessidade de um general americano articular apoios com os revoltosos chefiados por um rebelde de nome Garcia, chamou a si um dos oficiais em quem depositava maior confiança tendo-lhe entregue uma carta, ou mensagem provavelmente lacrada, com a singela menção de ser entregue a Garcia.

É neste ponto que a história nos lega a sua lição já que, desconhecido o paradeiro de Garcia, embrenhado nas montanhas e na selva que meio século mais tarde viria a dar cobertura a Fidel de Castro, recheada de carreiros labirínticos, povoados inlocalizáveis e com toda uma ilha para percorrer buscando o desconhecido paradeiro de Garcia, o nosso oficial não hesitou perante a incomensurável missão que lhe havia sido confiada. Não fez perguntas, não alardeou dificuldades, não alvitrou sequer a improbabilidade de ser nessas contingências mal sucedido.



Deve ter pensado para com os seus botões que o que é para fazer, faz-se e que o melhor seria começar de imediato. Partiu confiante de que por uma tarefa bem desempenhada só lhe caberia mérito, que do cumprimento dos objectivos determinados resultaria proveito para a sua nação, que por intermédio do seu general nele depositara o cumprimento da tarefa e a responsabilidade pelos resultados.

Não só hoje mas por cá, ministros, autarcas, médicos, vereadores, juristas, educadores, fiscalistas, estudantes, empresários, todos nós, políticos e apolíticos, vimos demonstrando uma incapacidade inata para levar a carta a Garcia.

Inspirou-me esta crónica o facto de sexta-feira passada, 31 de Outubro, ter decorrido no Garcia de Resende um debate sobre cidadania e civismo, de que nos arredámos orgulhosamente. Nem a presença do Dr. João Salgueiro, cidadão e reputado economista captou o interesse da cidade, dos seus empresários, das nossas elites (?), nem a presença do presidente da nossa autarquia arrastou os desinteressados munícipes para a curiosidade pela coisa pública, pela coisa deles, nossa, nem a presença do presidente da Associação de Estudantes da Universidade logrou conquistar a presença de um único estudante. Cem pessoas se tanto, ali se encontraram buscando resposta às perguntas que conduzissem ao caminho que leva a Garcia.

Moral da história? Perguntarão vocês, simples, se cada português se compenetrasse da importância do seu desempenho nos resultados por si obtidos na quota parte que lhe toca no desígnio nacional, talvez hoje não estivéssemos a vender o nosso património e, ainda que tenha demorado um pouco mais a imaginar, vendendo o impensável, as nossas próprias dívidas e a estrangeiros ! Verdadeiro reconhecimento das nossas naturais incapacidades.

Aliás pouco importará se é estrangeiro ou conterrâneo, já que na realidade quando se iniciar a cobrança dessas dívidas, por certo através de execuções em tribunal, a culpa será de novo dos outros, dos estrangeiros, bárbaros insensíveis perante o fecho de empresas, dos despedimentos que arrastarão, dos dramas que semearão.

Bem pode Jorge Sampaio bradar em Madrid, pois por aqui decerto nenhuma lhe ligariam. **

* By Maria Luísa Baião, escrito em ‎28/11/‎05, ‏‎pelas 21:57h e publicado no DIÁRIO SUL, coluna KOTA DE MULHER provavelmente no mês seguinte.


Hermes
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