sexta-feira, 15 de outubro de 2021

734 - NÃ T’ACHO, MAS ACABEI POR ACHAR …





735 - NÃ T’ACHO, NÃ T’ACHO, MAS ACABEI POR ACHAR …

 

Não te acho, não te acho, mas acabei por achar e admirar-me de quão cabeça no ar sou, ou palerma, ou pateta alegre, mas ia lá eu adivinhar ser ali a Casa Soure.

 Tantas dúvidas, tantas interrogações, e afinal entrava ali no mínimo duas vezes por ano, quando ia pagar a assinatura, e quando da publicação das convocatórias de uma instituição de que faço parte.

 Ali mesmo, nos baixos da Casa Soure eram escritórios de “A Defesa”, pegados à Papelaria Livraria Gráfica, falida há bem poucos meses.

 É o caos por esta cidade, está tudo a falir e a fechar, mas o caos é também oportunidade, para mudanças, alterações, bons negócios, renovações, restauros, criações, criatividade, criação, diz a bíblia que se fez Luz e do caos nasceu a vida. E assim foi ali, depois da morte do padre Salvador renasceu o edifício, de cara lavada, restaurado, pintado, caiado, adaptado a restaurante, ocupando toda a Casa Soure e os pátios, que deram óptimas esplanadas, com gente atenciosa e simpática, boa comida e melhor ambiente.

Foi o Big Bang da casa Soure.

Tinha aberto terça-feira, hoje é sexta, por isso lhe desculpei algumas falhas, como não terem Super Bock a minha preferida e uma cerveja que adoro, e tão nacional, tão nossa como a Sagres, que têm mas detesto, é muito áspera. Ou a falta de cerveja à pressão, coisas que só o facto de terem aberto há três dias desculpa pois por outro lado têm uma garrafeira com um portfólio invejável, vi decerto mais de duzentas marcas de vinhos, e só vi nacionais e alentejanos. Idem para as cervejas, marcas de toda a Europa e do mundo inda que incompreensivelmente falhem com a Super Bock e nos lixem com os finalmentes, não havia poejo, o meu digestivo de eleição e tipicamente alentejano.

Esqueçamos as falhas, nasceram há três dias, não admira, tenho a certeza que nem eles sabem onde ficam todos os interruptores da luz, e por falar em luz faça-se luz, que o ambiente era lindo, nem reconheci o pátio onde tantas vezes passei, agora cheio de mesas e arranjado, de mesas cheias de gentes. A mesa que mandara reservar estava linda, com uma rosa numa jarra, num canto discreto, sítio sossegado, sombra e frescura, bons queijos do Cachopas, bom peixe, boa carne, não gostei da conta, mas para ser franco é coisa de que nunca gosto.

 Bem localizado o Nã T’acho,  bem em frente à Pastelaria Académica onde eu adorava ir comer ou banquetear-me com os bolos do Seabra, pasteleiro por baixo da casa onde mora ou morava o Naia, ali ás portas de Moura, a três passinhos, e o Seabra que tantos e tão grandes e bons passos deu na vida já lá vão cinquenta anos.

  Bom pasteleiro, com a entrada na CEE abriu uma fábrica de bolos e uma pastelaria na rua de Alconchel, sucesso. Depois outra nas Coronheiras, sucesso, depois foi tirar direito p’ra não ficar estúpido, cinco anos de viagens e noites perdidas ou mal dormidas, mas sucesso. Mas de sucesso em sucesso o Seabra acabou apanhando Alzheimer ou Parkinson e hoje a esposa ampara-lhe a sombra com devoção e carinho.


                (A mesa que nos reservaram) 


Eu, cada vez que lembro o Seabra sinto um aperto no coração porque:

- Ambrósio e se alargares o cinto antes de rebentares ?

era a Fatinha a reinar comigo, mal sabendo que somou no meu cérebro 2+2, o Seabra este e o Seabra um outro que:

- Deixem-me aqui, deixem-me morrer, não quero viver assim !

 E não viveu, desapertou os dois cintos que lhe garroteavam as coxas para não se esvair em sangue antes da chegada do héli e esvaiu-se mesmo. Não queria viver só com o torso ou só meio homem, e não viveu, teve a coragem dos desesperados e mal nos descuidámos uns minutos aliviou os garrotes e deixou que a mina que pisara cumprisse o seu destino.

Já lá vão quase cinquenta anos e ainda choro a morte do Soares, o jovem mais timorato e corajoso que conheci. Lembrei-o hoje ao almoço e chorei, baixei a cabeça para não ser visto mas vieram-me as lágrimas aos olhos, a felicidade tem um preço, oh se tem, e hoje é dia de festa e felicidade, Deus cobrou-me o excesso e recordou-me também o Grou e o Teigão, que teriam exactamente a minha idade se não tivessem deixado a alma lá longe naquelas guerras de há quase cinquenta anos.

 Lembro-os exactamente como eram, ainda estão vivos na minha memória hoje como então.

 Brindámos depois dos doces conventuais, outra maravilha do Nã T’acho que em boa-hora achámos.

Daqui a uns tempos voltaremos, e esperamos que o chão de granito e a calçada do pátio estejam já livres daquela sujidade própria das obras e complete o belíssimo restauro e restaurante que ali temos. Parabéns aos corajosos invetidores, e a todos os colaboradores, é de gente assim que Évora precisa, com cabeça tronco e membros, e bom gosto.