segunda-feira, 4 de outubro de 2021

733 - SOLSTÍCIOS .......... E EQUINÓCIOS * ............


734 - SOLSTÍCIOS E EQUINÓCIOS * 


O combinado era não haver despedidas e, fossem elas pequenas ou grandes, voltasse eu no dia seguinte, semana, mês, ou ano, as despedidas deveriam ser como se o meu voltar tivesse lugar ainda nessa mesma tarde.

E assim era, ou assim foi durante muito tempo, não sem que, ao princípio somente uma vez por outra e antes de alcançar o passadiço eu conseguisse evitar um último olhar e gritar-lhe:

- Hei miúda ! Isto não é maneira de dizer adeus !

Era assim antes de pisar o convés, ou de entrar no comboio, metro, autocarro ou toda e quaisquer que fosse a coisa que me levasse dali, me levasse para longe dela, nos separasse.

Ou eu ou ela, dependendo de quem partisse ou ficasse, o combinado era o combinado. O não dar azo a despedidas evitava uma despedida maior, maiores dores, choro ou choque emocional que só a paulatina assumpção da realidade se encarregaria de esbater.

As dores das despedidas eram compensadas pelas alegrias das chegadas, das vindas, saber dumas antecipadamente minorava as dores de outras ou lhes triplicava as alegrias.

Ir e vir, ir e voltar tornara-se hábito assim driblado, até um dia vir para ficar, sim, voltei e fiquei, ficámos, por largos tempos.

Mas uma outra despedida houve que nos levou anos, a última e, embora nunca o combinado tivesse sido esquecido ambos fizemos por jamais o lembrar e, esquecer partidas e despedidas ocupou-nos permanentemente a ideia delas empurrando-nos para uma dedicação dedicada, apaixonada, para uma entrega inusual por talvez excessiva, talvez derradeira, pioneira para nós escoteiros um do outro e sempre juntos, quer na fortuna quer no infortúnio.

Desta vez não consigo despedir-me, tenho agora mais razões que nunca para te gritar.

- Hey, That's No Way to Say Goodbye !  **

- Ei miúda ! Isso não é maneira de dizer adeus !


- Ei miúda ! Isso não foi maneira de dizer adeus !

É permanente o meu protesto, sobe de tom à medida que se instala o dezasseis de Outubro, data marcada a ferro em brasa no meu cérebro e que por esta altura do ano vira chaga purulenta atormentando-me minuto a minuto. Nem a consigo debelar e muito menos curar de vez pois pelo que tu não vês mas eu percepciono, olho e na minha frente vejo somente um deserto árido, a visão toldando-se-me como se mergulhado numa tempestade de areia e isso é tudo quanto vejo e sinto, areia nos olhos, areias movediças roubando-me o chão debaixo dos pés.

Mas, quando tu aqui tudo eram certezas, rocha sólida, os dias claros, claros como a água mais pura, cristalina, como cristalinos eram os teus olhos, o teu olhar, porque o meu agora nada, o horizonte nada, uma linha recta e plana como quando os televisores antigos se avariavam ou no hospital, na maquineta à tua cabeceira da qual não fui capaz de desviar o olhar, ela surda muda, calada, uma linha plana movendo-se sem fim tal qual a linha ténue deste caderno sobre a qual alinhavo sentimentos dispares, emoções aleatórias, incontroláveis, irreprimíveis, terríveis.

Só me apetece gritar-te:

Ei miúda ! Isso não foi maneira de dizer adeus.

 

Não foi não, essa não valeu, hei-de contestar-te a vida inteira, isso não são modos nem maneiras e, por muito que eu queira perdoar-te, como fazê-lo se nem sei como amar-te agora que te foste embora para não mais voltar e eu aqui lembrando-te, quando lembrar é o verbo que mais me custa conjugar e esquecer não ouso, nem consigo, perdido que estou nesta tempestade que me açoita e cega, a vida uma cega-rega em que a falta de vontade tomou lugar, forma e conteúdo, urdindo um desânimo bem-vindo sob o qual me escondo e me desculpo de culpas que nem sei.

E sem saber a quem culpar culpo os astros e a astronomia, o Solstício de verão, por ser sempre desde ele até à tua efeméride que, quer os dias quer as noites mais me fustigam e, tal como os marinheiros de antanho, me sinto atirado de um lado para outro por vagas alterosas ora soterrando-me de areia ora enterrando-me nela, ora a sentindo abrasando-me as faces ora faltando-me debaixo dos pés e eu, balançando como apanhado num furacão, aspirando ao improvável impossível, ao dias em que te erguias forte e direita como um vulcão e, dando-me a mão, me imprimias segurança, certezas certas, uma vida e um mundo sem declinações, nem solstícios nem equinócios, apenas certezas infalíveis até nas horas mortas.

E agora tu um relógio de pêndulo, parado, o mundo parado, o tempo parado, a vida parada, como se tudo aguardasse a tua ressurreição e o Equinócio da Primavera para que os mecanismos do universo entrassem de novo na ordem, em funcionamento, idem para os astros, idem para mim que me quedo apático, eu sim, eu por norma tão simpático e agora uma chávena do mais azedo veneno, já sei, é fazer tal qual Sócrates com a cicuta, bebê-la vagarosamente e aguardar que a vida deixe de me ser um fardo, se estabilize, se defina, qual linha recta e plana, sem bip bip que a escravize, sem o sobressalto que a garante, finalmente plana, finalmente em paz, finalmente uma recta plana, deitada, soterrada, enterrada, 

eu. 


 

* https://mentcapto.blogspot.com/2018/10/535-uma-mui-querida-estrela-nasceu.html

** https://www.youtube.com/watch?v=BzgUs3c9QHY