De vez em quando acontece, acontece-me e, desta vez pensei que assim tivesse sido, tivesse ido ao engano, ou não.
Bem, para ser franco fui, fui e não fui.
Sim, porque pensara ser o livro uma coisa e saiu-me outra.
Não porque embora
tendo saído coisa diferente não me desiludiu, antes me deixou inicialmente
perplexo e depois admirado, surpreendido e finalmente agradecido.
Nunca
pensara que o velhinho simpático que nos surge na capa fosse o próprio autor,
mas é mesmo ele, e estava mais longe ainda de julgar esse velhinho, com toda
uma vida dedicada à infinidade e aos mistérios do universo, se dedicasse e
deliciasse com coisas tão prosaicas como as flores que pisamos ao atravessar
quaisquer caminhos ou ao cortar a direito pelos campos adentro.
Desenhei
então um quadro mental em que, uma mente sábia e habituada á grandeza e gigantismo das
galáxias se debruçava sobre a singela pequenez da enorme beleza que dia a dia
ignoramos. Desse modo fui avançando numa leitura que de início me colocara algumas dúvidas, outras tantas apreensões, e à qual torcera o nariz. Mas valeu a pena.
Gosto
de biografias e, não sendo o caso, é lícito acreditar que ao lê-lo saberei como
pensa e desenvolve o raciocínio mental alguém à altura de um Einstein,
acreditei que tal seria curioso e atirei-me ao livro, que me fora recomendado por quem com eles gosta de brincar, com o afã de
um crente agnóstico.
Saindo
de minha casa e virando à esquerda, entrando na privada pública quinta das Glicínias,
propriedade do IEFP e centro de formação na área da agricultura e maquinaria
inerente, embrenho-me num campo sem fim, pejado de flores silvestres,
tal como Hubert Reeves descreve aqueles em que na Borgonha atravessa durante os
seus idílicos passeios.
Verdade
que já vos falara desses campos e os fotografara para um texto neste blogue sobre
um outro livrinho, este, ou melhor esse, da autoria da nossa amiga ACL.
https://mentcapto.blogspot.com/2016/04/342-o-livro-da-leonarda.html
https://mentcapto.blogspot.com/2016/04/343-leoparda.html
Todavia,
contudo, mas porém nunca é demais aceitar e anuir que olhava esses campos floridos no seu todo
nunca me tendo preocupado com os milhares de individualidades florais que o
compõem.
Verdade
que o autor nos descreve cada flor e cada folha com uma ternura e uma paixão
que, mais que nos esclarecer nos emociona e enternece (desculpai-me se isto
soar a redundância), verdade que a sua leitura nos embevece, e acalma a alma, o que não deixa de ter o seu mérito considerando que as flores não tinham sido
até aqui o meu principal foco de interesse.
Durante
perto de quarenta e cinco anos vivi com uma tão sapiente quão bela flor
selvagem, contida, comedida, diplomata, toda ela bom senso e etiqueta, a quem
somente as limitações sociais mantinham dentro da jarra a partir da qual jorrava
a luz que iluminou a minha vida.
Naturalmente
tornei-me dependente dessa única e inigualável fonte de alegria, tão dependente
que uma vez perdida iniciei a demanda do santo graal, buscar e colher flor
igual que de novo apaziguasse os meus dias.
Demanda
profícua é certo, tão profícua que hoje posso dizer estar literal e
metaforicamente rodeado de flores, porém, foi preciso aparecer Hubert, aparecer
e gritar-me que do alto da sua cátedra vira uma flor selvagem para que eu,
deitando os olhos ao chão, visse de quanta simplicidade e beleza estou rodeado,
tanto no que á flora concerne quanto concerne ao factor humano.
“Small
is beautiful”, quantas vezes li os ensinamentos deste livrinho de mais de
duzentas páginas e nos quais muito reflecti nos tempos da minha juventude,
demorei mais de quarenta anos a debruçar-me seriamente sobre essa frase e a
dissecá-la.
“A
beleza das pequenas coisas” surpreende-me hoje que, aposentado, parei de correr
para chegar a horas, para não faltar, para estar presente, para não falhar,
concluindo ter andado correndo atrás de coisa nenhuma, sem tempo para olhar em
meu redor e ver de quanta beleza estava cercado.
Que
a flora vegetal e a fauna humana me perdoem o desiderato, tão parvo fui que exacerbado
com os nossos actuais preconceitos, tabus, castas e iluminada racionalidade,
nem ao menos vi nem a liliputiana beleza de que sempre estive rodeado nem o
incomensurável infinito que preencheu a vida de Hubert, agora virado para as
pequenas coisas, ele também um “Deus das pequenas coisas”.
Lendo-o
sinto que me tornei outro, mais calmo, melhor pessoa, mais feliz, mais
desapegado das coisas mundanas e do consumismo irracional que nos cilindra e, em
que o mundo, e muito em especial este meu país são férteis.
Uma
vez mais constato, isto anda tudo ligado, obrigado Ana por me teres levado ao
engano.
Uma
vez mais ?
Bom
Ano Novo pessoal, cuidai de vós.