Ali estavam de novo
naquela grande cidade. Raiana, diziam. Nunca como desta vez ela se sentira
perdida, não fosse a companhia da mãe e da madrinha e de imediato teria feito
marcha - atrás.
Tudo porque o Natal,
na serra, lhe havia trocado as voltas. A agência de viagens garantira férias
inolvidáveis.
Inolvidáveis.
Pois pois.
Até há algum tempo
tinham na realidade sido inesquecíveis, depois, repentinamente, tudo mudara de
figura e os sonhos virado pesadelo.
Nunca lhe ocorrera
que tal poderia acontecer.
Doces recordações
provocavam-lhe agora severos amargos de boca.
Esfumaram-se os
sonhos e esfumou-se ele mal soube dos motivos de tanta aflição.
Nunca aquela cidade
lhe parecera soturna, inóspita. As montras, que dantes percorria calma e
demoradamente com um misto de alegria pelas compras antecipadas e
prodigalizadas, não eram desta vez sequer olhadas.
Desta vez nem compras
nem caramelos. Estava ali para cumprir uma decisão e só isso interessava. Só
isso bastava. E sobrava.
Londres estava fora
das suas capacidades. Além disso a dificuldade que todas experimentavam na
língua contribuíra em muito para que essa metrópole de gentes, liberdades e
democracia acabasse atirada para terceira possibilidade.
Fosse outro o motivo
e não desdenharia, um fim-de-semana, ou dois ou três dias que fossem, seriam
bastantes para trazer muito que contar.
O caso agora era
diferente. Nem a ida a Badajoz era passeio, nem o motivo acarretava outras
preocupações que não fossem esconder e calar.
Conhecera-o nas
últimas férias.
O Natal, a serra, a
paisagem, o ambiente, o ar de festa vivido.
Acreditara ter
encontrado o homem dos seus sonhos. Fora um idílio curto mas arrebatador. Cheio
de promessas, de planos prenhes de futuro e de vida.
Trocaram fotos e
números de telefone, sorrisos, e-mail’s e odores, fluidos e amores.
Bruscamente tudo se
toldara.
Telefones sempre
inactivos, o correio electrónico sem dar sinal de vida, as promessas escoando
por um buraco negro maior que a mentira em que acreditara.
Porquê?
Ela bem sabia porquê.
Contudo, não podia
ter ficado calada. Não podia ter escondido.
O motivo era
demasiado óbvio e sério para não ser partilhado, todavia o resultado, de todo
inesperado, tinha sido o que ela menos intuíra e premeditara.
À primeira cai
qualquer, à segunda só quem quer.
Quem a mandara ser
tão parva assim ?
A madrinha bem lhe
dissera para ter cautela pois que há devaneios que somente dissabores carreiam.
Só agora via plenamente todo o alcance do sonho volvido pesadelo e que
alimentara com o seu próprio calor, o seu próprio crer.
E a rua que
procuravam e com a qual não davam ! Estavam ficando exasperadas. A hora marcada
a aproximar-se e sem saberem se estavam perto se longe. A cidade um labirinto.
Qual formigueiro em aceso alvoroço.
A rua ? Onde fica o
raio da rua ? E a Clínica ! Onde está o raio da clínica ?
Perguntem a essa
senhora !
Aqui não posso parar
!
Ai Deus no que eu me
meti !
A madrinha
criticara-a, não se evoca o nome do Senhor em vão.
A mãe, mais
complacente e compreendendo a sua angústia perdoara-lhe. Perdoara-lhe tudo.
Afinal estavam ali também por vontade sua.
Finalmente a rua ! O
número indicado !
Mesmo em cima da hora
!
Tudo foi feito num
ápice mas profissionalmente. Como que a correr. Mas com todas as condições
possíveis e imagináveis. Segurança, assepsia, apoio psíquico.
Sem dor, sem par, sem
igual.
Eram horas de voltar.
Já ali não faziam nada. Não tinham ido a compras, ademais todas tinha que estar
em Évora ao anoitecer.
Um dos muitos
movimentos defensores do “sim à vida”, de que faziam parte e do qual era a alma
que o animava reclamava a sua presença.
Não podia faltar.
Não podia desiludir
ninguém.
Abetardas,
estorninhos, cegonhas, linces e morcegos eram também com ela.
Amava os animais.
Pelo sim pelo não
atestaram o depósito do automóvel que estava a meio, não fossem ficar pelo
caminho, até porque a gasolina, tudo, era ali muito mais acessível e barato.
Fonte : Maria Luisa Figueiredo Nunes PB - Verão - 2002