quarta-feira, 6 de abril de 2016

331 - PELA PAZ SOCIAL PAX PAX PAX PAX PAX


A minha amiga Generosa andava há duas semanas com a mesma camisola. Quando lhe chamaram tontinha e finalmente percebeu que CHE não tinha nada que ver com Cooperativas de Habitação Económica, nem era uma qualquer marca como a Mango ou a Zara, só não a despiu de imediato penso eu, por ser generosa de peito e temer que o sutiã não a resguardasse o suficiente.

Não havia necessidade, o facto de andar enganada não se devia nem à camisola nem à imagem nela estampada, não eram motivos para atirar com ela ao chão já que o problema era a ignorância, e essa é bem mais difícil de sacudir. Porém, há por aí tanta gente tola falando do que não sabe e contradizendo-se, que nem se compara à Generosa que é uma moça solidária inda que ingénua e que por isso, tal como um petiz merece toda a nossa compreensão.

Deve andar próximo dos cinquenta a Generosa e é do tempo em que existiam causas, valores, ética, moral e sobretudo exemplos. Não sendo muito letrada é porventura bem-intencionada e, prefiro-a mil vezes a muita gente sabida que me embala com cânticos de sereia ou se me senta no colo. É uma pessoa bem generosa a Generosa, e descontando alguma ignorância que a desfeita é solidária, é fixe, e jamais a ouviram proferir o nome de Deus em vão.

Falávamos a propósito do Che, do Ernesto, e do facto do Presidente Obama ter reconhecido há dias, na Argentina, não terem os States procedido sempre, ao longo da sua história, da maneira mais correcta. Pois não, a gente já sabia mas dá um certo conforto ouvi-lo da boca certa. Claro que depois da Generosa enfiar um ponche pelos ombros e outro pela goela abaixo a conversa na mesa continuou. O Iraque, as primaveras árabes, Israel, Palestina, Líbano, Líbia, até pararmos na Síria. Bem, e depois da Síria continuámos até Paris e Bruxelas, foi um pulinho pelos Balcãs, mar Egeu, Turquia Grécia, Macedónia, ou o Mediterrâneo, Ceuta e Melila, onde há décadas os africanos famintos tentam galgar as altas vedações de rede e arame farpado que os separam da Europa rica, e onde tantos já morreram às mãos da brutalidade da policia, um outro levou uma bastonada que o deixou paraplégico, ou tetraplégico acudiu a Generosa, ao que dei o meu assentimento por me lembrar da noticia e das imagens do desgraçado e dos cães danados que o perseguiram.

A conversa foi aos poucos derivando naturalmente para as caravanas passando enquanto os cães ladravam, e da nossa perplexidade por entre os causadores dos atentados de Paris e Bruxelas não constar nenhum refugiado, apesar de tão maus nomes que lhes têm atirado acima e de lhes terem atiçado os turcos às canelas, quero dizer aos calcanhares. Com os turcos a tratar dos desgraçados a Europa poderá finalmente dedicar-se a dar continuidade ao “Diálogo Norte-Sul” que há tantos anos interrompeu, a cabeça precisa ter descanso para pensar né ? Na altura que o Diálogo Norte-Sul foi abandonado ninguém se lembrou que nem só de pão vive o homem, que também precisa de esperança e que se construam espaços dinâmicos que fomentem o bem-estar e a coesão social, e que quebrem o isolamento, mas, ao invés disso a Europa fechou o diálogo e isolou-se na sua aparente riqueza, a riqueza que os famintos agora cobiçam, poderemos por isso atirar-lhes a primeira pedra ?

Pasma agora com o que está acontecer a Europa, mas por cá também temos alminhas igualmente pasmadas e igualmente parvinhas. O melhor que as organizações sociais da Europa fazem é atiçar-lhes os cães, metê-los em guetos em Calais, correr com eles de Calais, obrigá-los a engolir o que vomitaram e a voltar para donde vieram. Esta Europa está vendida (e rendida) a organizações caducas, inoperantes, burocratizadas, que a paralisam e parasitam, incluindo a igreja, a qual, dentro das organizações sociais deveria ser o exemplo supremo. Ouçam o Papa Francisco, ouçam-no.  

Neste caldo de cultura algumas alminhas mais tontinhas que a Generosa ainda se interrogam como é possível acontecer o que acontece, quando ao mesmo tempo advogam a condenação e a repressão mediatizada até à exaustão dos protestos contra as acções de terror, isto é combater o terror físico com o terror psicológico, ao invés de lhe analisarem a génese, as causas, sabido que é ser o homem lobo do próprio homem… Esqueceu há muito a parábola do bom Samaritano esta Europa, e não é senão ela que tolhe ao “homem” os próprios sonhos. Ao homem actual este país e esta Europa, esta fortaleza contra os fracos e em simultâneo fraca com os fortes, garantem o desemprego, a emigração, o desterro ou repatriamento, esquecendo que a culpa radica nas suas politicas e que os verdadeiros culpados são os nossos e os seus políticos, as nossas e as suas lideranças, que há décadas abandonaram as doutrinas inclusivas, da coerência e da consequência, são falsos, aldrabões, oportunistas e incoerentes. Quem se atreverá a caçar com cães destes ? Quer as politicas quer os políticos de hoje são uma salada russa de conveniências e oportunismos vários.

Por isso aquilo a que hoje mais assistimos são lágrimas de crocodilo, os actos de terrorismo são ameaças, ameaçam-nos, mas mais que ameaças são consequências, são sintomas. Paulatinamente a Europa tem-se dedicado a destruir propositada e conscientemente o “Contrato Social” do qual advinha a harmonia e a paz, criando um clima de insegurança e incerteza fruto da decadência económica, politica e moral em que se deixou cair, a Europa clama e reclama agora “aqui d’El-Rei que o rei vai nu”, mas não criou em tempo útil comunidades saudáveis que evitassem o lumpemproletariado onde se gera a base de revolta e recrutamento daqueles a quem não é dado alimento nem para o corpo nem para o espirito. Esta Europa paga aos seus Judas, pagou à Turquia a desgraça dos povos que ela também acossou e agora escuda-se em contractos dúbios com gente pouquíssimo recomendável. Por volta do início dos anos 80 as salas de cinema passaram um filme excepcionalmente bem conseguido, premiado com vários óscares e intitulado “O Expresso da Meia Noite” (1), retratando o pesadelo que era a Turquia. Pois bem, a Turquia ainda é, ou é agora um pesadelo maior. Deixei-vos sobre esta matéria vários links no fim do texto.

Recentrando a questão em Portugal, pergunte-se quem terá traído a ingenuidade e a inocência, os sonhos e o futuro dos nossos jovens ? É o voluntarismo que os leva a abandonar o país ? Quem os leva a mergulhar no mundo virtual das redes sociais, incapazes de suportar o mundo absurdamente irrealista em que os nossos políticos transformaram no país a vida real ? Quem delineou as politicas desastrosas que nos conduziram ao buraco em que nos encontramos ? Quem lá estava ? Quem as votou ?

É preciso não ter vergonha na cara para vir para os jornais clamar por paz social quando nada se fez por ela, ou chorar a catástrofe em que se transformou a desertificação do interior, temos um país mergulhado num labirinto abismal e pejado de contradições, que valores e que modelo social foi defendido na A.R. pelos nossos deputados e ex-deputados ? Como devemos interpretar o seu trabalho num país em que a desigualdade e a pobreza nunca foram tão gritantes ? Um país onde os rendimentos dos mais novos nos últimos vinte anos decaiu para níveis inaceitáveis e que jamais lhes garantirão a possibilidade de constituir família reduzidos que foram à exploração desenfreada, à precariedade, ao desemprego, à instabilidade ?  Quem traiu a juventude ? Quem traiu o presente e o futuro de nós todos ? Os kosovares ou os nossos deputados ?

Quem nos atirou para cima com uma montanha de dividas que pessoalmente nunca contraímos ? Quem nos hipotecou o futuro ? Quem nos condenou à emigração ? Quem nos coarctou todas as expectativas ? QUEM ??? Eu digo-vos, foi este estado falhado, foi este país disfuncional onde os deputados e ex-deputados bem instalados, depois de deixarem todos os outros atolados em trampa até ao pescoço ainda se acham no direito e no dever de nos virem atirar moralismos para cima.

Só lamento que os jovens se acomodem e não façam como os franceses que depois de obrigarem Maria Antonieta a engolir os brioches lhe cortaram o pescoço. Foi assim que nasceu a liberdade, a igualdade, a solidariedade, a fraternidade e a democracia moderna.

Correndo o risco de contrariar o meu amigo Pacheco, direi alto e bom som que aqui, mudanças, só depois de uma Revolução Francesa à moda caseira … 


  




segunda-feira, 4 de abril de 2016

330 - UNIVERSIDADE DE ÉVORA, O IMPACTO !!!


Muito senhora do seu nariz, virou-nos as costas e desandou, aliás, como sempre faz se as coisas lhe não agradam, é de gancho esta Marília, bastou o Amadeu picá-la foi-se, grunhindo disse ele, que se esforça amiúde por lhe ser simpático. Tudo por dá cá aquela palha, perguntara-lhe qual o quadro de professores e de funcionários da U.E., coisa naturalíssima atendendo a que ela é lá funcionária do quadro superior, mas ela, para quem a universidade é o Delta e o Ómega (diz o Amadeu), como habitualmente não sabia nada de nada e muito menos do que quer que tivesse que ver com a preclara instituição onde trabalha, mal mas julgou estar ele a gozá-la, pelo que lhe respondeu como faria com o marido (que morreu às sua mãos, afirma o Amadeu);

- Mas que merda tem o café e os relógios a ver com a porra da conversa ? Estás-me a gozar ou o quê ó parvalhão ?

Na minha tertúlia é assim, e a semana que passou não acabou nada bem, um deles vira ou ouvira em qualquer lado quaisquer observações sobre o impacto causado pela Universidade (U.E.) na região e foi o suficiente para que quinta e sexta-feira se tivesse desencadeado um tufão à mesa. A questão deixou-nos todos com os neurónios ligados e a ferver, teria esquecido o assunto não fosse dois deles terem voltado à carga com emails que me enviaram. A coisa é capaz de mexer com a pacatez habitual do burgo, que mexeu com a minha roda de amigos lá isso mexeu.

Foram dois dias de intensos e acalorados debates, monopolizámos as conversas do café e, antes que me esqueça ou que alguém mais assoberbado me dê com a mesa na cabeça e o balanço se me varra do disco duro vou passar para o papel as impressões finais, as que me ficaram gravadas na massa encefálica.

Em primeiro lugar, e foi opinião unânime, é muito difícil ao comum dos mortais avaliar em consciência ou com alguma exactidão esse tipo de impacto, desde logo porque a própria academia propositadamente se fecha sobre si mesma, o que já é um mau sinal, um mau indicativo ou mau sintoma. Poucos canais são por ela abertos que excedam a informação burocrato/institucional, e se o excedem é para o fazer de modo muito conciso, muito propagandístico, muito laudatório e sempre restrito. Poucos ou pouquíssimos departamentos se publicitam e ao trabalho que desenvolvem ou aos resultados obtidos, os seus mestres, os seus sábios, mantêm-se generalizada e propositadamente na sombra.

Na tertúlia foram contudo reconhecidas duas excepções, seja-lhe pois feita justiça, uma delas o Prof. António, outra o Prof. C. C. qualquer deles de vez em quando exprimem o seu saber e opinião nas páginas do Diário do Sul, a outra o Prof. José Alberto que, além de opinar diariamente sobre diferentes temas, nos brinda de vez em quando com um texto de sua autoria, sempre sobre algum assunto candente na sua página do Facebook. É pouco, mas o pouco que fazem fazem-no a título individual, pessoal, e privado, não esclarece nem compromete a academia, portanto por pouco que seja é muito, porém nada nos diz sobre o que dela irradia.   

Diz-se, deduz-se, intui-se, supõe-se que a academia terá algum impacto sobre a região, e certamente terá, qual a sua dimensão ou qualidade é segredo que ela esconde como coisa que a envergonhe. Através dos seus sábios pouco ou nada se sabe, nem tão pouco o que pensam sobre a civitas que os acolhe, donde, à mesa do café extrapolámos o seguinte pensamento; “não vivem para a civitas, vivem da civitas”, tendo sido deduzido entre nós ser o seu impacto real muito inferior ao que o vulgo lhe atribui, o que, e ninguém o negou, constituía para todos uma vera preocupação.

Quantos professores albergará ?  Em que categorias ? E quanto a funcionários ? E o seu Orçamento Anual onde poderá ser consultado ? E o Plano de Actividades ? E o Balanço e Prestação de Contas ? E na esteira destas interrogações àquela mesa de café foram gizadas, ao longo dos últimos dois dias da semana, outras tantas para as quais não se arranjou resposta nem me recordo de que alguma vez alguém as tenha dado.

A questão levantada e que a todos tanto envolveu, a de avaliar o impacto da academia na cidade e na região, há muito deveria ter-nos colocado a todos nós arquitectando perguntas, para que não fique pedra sobre pedra, ou antes dúvida sobre dúvida. Mas no entanto também aceitámos pacificamente ser muito difícil o povo desta cidade desatar a clamar por respostas quando nem sequer o ensinaram a formular as perguntas. Os meios de comunicação da urbe, da urbe e da região, por norma, por receio ou submissão, ou talvez devido a distorcidos conceitos de educação e de deferência, ou de reverência, nunca questionaram o paquiderme, nunca ousaram interrogá-lo (1) e muito menos se atrevem a colocá-lo em causa, o paquiderme paira assim majestático sobre todos, mas o problema é que o paquiderme além de pesado tem um apetite voraz e para o trazer bem tratado andamos todos cada vez mais famintos, mais pobres. Na India as vacas são sagradas, por cá são os elefantes, em especial os de cor branca.

Evidentemente todos na mesa se interrogaram; Que farão ? Que produzirão de positivo tantos departamentos e tanta gente que os contribuintes sustentam ? É que na ausência de informação cabal e insuspeita quaisquer teorias da conspiração nos acodem ao espírito, como foi quando do caso da atribuição do Doutoramento Honoris Causa ao senhor comendador Rui Nabeiro, um must na ligação entre o tecido empresarial e a academia, perdão, entre uma empresa regional exemplar, quase única e uma academia a precisar de milhões como de pão para a boca. Sabe-se que Évora terá, por alto, em época de aulas e graças à população flutuante, os estudantes, um pouco mais que cinquenta mil habitantes. Porém, mau grado a frenética vida nocturna, que a eles é dedicada e por eles economicamente animada e suportada, é uma cidade apagada, cara, sem vida para além destes focos juvenis, uma cidade sem industrias que não pontuais, com um comércio debilitado, moribundo, uma cidade sobrevivendo sobretudo dos serviços. Assim sendo não admira que a faculdade surja como o sustentáculo maior de uma economia paralela, subterrânea ou informal bem estruturada e medindo meças a qualquer outro sector ou mister na cidade. Quartos, quartinhos, corredores, vãos de escada, garagens e logradouros, tudo serve para alugar a estudantes, sem recibo claro, que o governo é um sovina. Arrendamentos clandestinos e uma rede de bares, casas de pasto, tascas e tasquinhas imbricadas, entretecidas nas vielas estreitas, medievas, e a sua exploração a qualquer preço são o único contributo visível da faculdade para o enriquecimento da urbe, tudo o mais não passará jamais de boas intenções e loas académicas.

E neste item volto à carga com a falta de informação séria, e carrego na falta de informação, porque o comum do cidadão não tem net, não navega, procura retirar as dúvidas que tem através dos jornais locais, das rádios locais, daí a importância de que se reveste o canal de comunicação que a U.E. deva utilizar pois dele dependerá o público-alvo atingido, que não deve ser a reduzida elite beneficiária mas a maioria pagante, para quem o pessoal da U.E. continua a discutir o sexo dos anjos ou a entreter-se ainda com a velha questão de quantos anjos podem dançar ou dançam mesmo e em simultâneo na cabeça de um alfinete (2). Esta foi a abordagem crucial do último dia do nosso debate e que ia provocando a queda da mesa do café, a percepção que a população em geral tem da U.E. e do trabalho que esta desenvolve, e quem diz desta diz dos seus sábios, população para quem a vida está cada vez mais difícil e que, ao olhar as estatísticas que jornais e televisões diariamente apresentam nada mais vê do que Portugal consecutivamente no fim de qualquer tabela, e a descer, e atrás dele, ou nele, o Alentejo como região mais pobre no seio da pobreza. Observando os números sérios que estatísticas e estudos ou sondagens várias nos proporcionam, forçoso se torna concluir que a academia não tem tido impacto nenhum no desenvolvimento da região, que a ter será mesmo negativo, pois a dor de um povo que sofre e cuja sina não medra não se compadece com o alheamento a que o votam, a ele que tudo paga, quando uma academia inteira pelo seu alheamento e estilo de vida mais parece estar instalada no vale do Ródano.

É doloroso admiti-lo, mas se com a U.E. não podemos contemporizar, também não podemos esgrimir a nosso favor argumentos que pequem por falta de exactidão, estamos lidando com gente que por tudo e por nada puxa do método cientifico e dispara, portanto meus senhores, sabem ser as conclusões desta tertúlia evidências certas e facilmente comprováveis, Portugal e o Alentejo têm vindo a perder gentes, riqueza, oportunidades e futuro na razão directa do tempo que a academia leva aberta entre nós, o que por este andar significa terem que a fechar depressa ou estaremos todos condenados a morrer à fome… O que provocou tudo isto foi o facto de a U.E. pretender manter-nos parcialmente informados, como quem diz atirem-lhes com umas coisitas de prestígio que eles “calarar-se-ão” e irão pagando, do que resultaram as conclusões que acabei de vos apresentar, todavia o problema não está no pretenso controlo ou descontrolo da informação por parte da U.E. que já por várias vezes meteu os pés pelas mãos, contudo avante que o assunto não é a opacidade mas sim a transparência da U.E. e qual o impacto na cidade e na região da acção de tantos excelsos e magníficos reitores, porém devemos aceitar que na prática a teoria é outra, e por mais académicos que a academia encerre pouco se sabe ou conhece da parte que a cada um cabe no sucesso total da instituição, pelo que me pergunto muito legitimamente quantas patentes a U.E. registou nos últimos trinta ou quarenta anos, a quantas empresas se ligou, quantas formou de raiz, e quantas vezes a U.E. fez ouvir a sua voz aconselhando, corrigindo, reclamando ou sugerindo uma estratégia de curto ou longo prazo para a região em que se insere e que cada vez mais ocupa o fundo da tabela, de todas as tabelas.

Como sempre andam todos, andamos todos de costas voltadas uns para os outros, a U.E. nunca se intrometeu nos assuntos da urbe, e a urbe nunca o fez nos assuntos da U.E., assim chegámos, quarenta anos depois de Abril onde chegámos. Todos gostaríamos de saber onde, em que região arranjam colocação se é que arranjam, os licenciados por Évora, e atendendo aos milhares que têm emigrado nos últimos anos, perguntámo-nos também naquela tertúlia se não estaremos nós eborenses a “dar” licenciados a outras regiões e ao estrangeiro, posto isto, e para além do impacto negativo que as praxes não deixam de acarretar é hora de perguntar, alto e bom som, sem medo;

- Que fez ou faz afinal a U.E. por Évora ou pela região ?

e não me venham com a desculpa do prestígio ou com o facto de dar emprego a 671 professores e 377 funcionários (dados de 2015, poucos funcionários e com muitos edifícios ! assim me foram cedidos, com observação, exclamação e tudo!), porque o problema não são esses mil e poucos, o problema são os largos, larguíssimos milhares desempregados em toda a região e a quem o prestigio nem mata a fome nem as aspirações, o problema  não é quanto custam esses mil e poucos à comunidade, o problema é que o contribuinte que somos todos tem que alimentar esses, mais os milhares que foram arrastados para o desemprego porque ninguém se lembrou deles, nunca se lembraram deles pois cada um só pensa em si, na sua carreira, no fim do mês, nas diuturnidades, nos seus escalões de vencimento, porque esqueceram que o cidadão contribuinte lhes paga, e bem, mas para que devolvam à comunidade a dobrar, a triplicar ou a decuplicar  o favor que assim lhes prestamos.

E já que estamos em maré de avaliação de impactos, deixem-me dizer-vos que o resumo daquela minha tertúlia foi muito negativo, foi concluído naquela mesa redonda que os impactos não têm sido fundamentais nem na fixação de pessoas, nem de talentos, nem no desenvolvimento de quaisquer projectos ou na atractividade local ou regional, porque se o tivessem sido nem o Alentejo se despovoava nem o desemprego cavalgava as estatísticas do modo que o faz. Mais concluímos, que nem a investigação foi de molde a sentir-se proveitosa, ou produtiva, replicando os custos, nem se deu conta de qualquer transferência de tecnologia para empresas regionais ou nacionais, antes pelo contrário, empresas de tecnologia de ponta que se estão instalando arrastam atras de si tecnologias novas, pelo que concluímos, e julgo que bem, andar a U.E. beneficiando há anos e anos do marasmo português e alentejano, vogando ao sabor dos acontecimentos, sem uma visão para o futuro nem do futuro, esperar que respondam às necessidades que o país e a região atravessam será para ela como tentar mudar de lugar um petroleiro soprando-lhe as velas…

Todavia é um bom lugar, dá bons empregos, poucas chatices, haverá sempre pessoal que lhe queira preencher os quadros embora o caminho seja negro e os alunos venham a faltar, afinal neste país para quê estudar ? Qualquer emprego manual promete mais futuro e não obriga à espera de mudanças políticas nem de parcerias regionais, nacionais, transfronteiriças ou internacionais que, se não se concretizaram em quarenta anos de paz e democracia daqui em diante se tornam cada vez mais impossíveis de alcançar. 

1-     A não ser em casos pontuais a professores isolados, representando e respondendo por eles somente ou quando muito pelos seus departamentos.




quinta-feira, 31 de março de 2016

329 - A DIARRÉIA QUE ME ATRAPALHOU .............

    

Eu andava com os nervos à flor da pele, ou em franja como comummente soa dizer-se, lembro-me perfeitamente desses dias. Nem as pastilhas nem os pensos me atenuavam os tremores nem os temores, e a verdade é que na dezena e meia de vezes em que fui tentado e motivado a abandonar os cigarros não atingi nem os mínimos satisfatórios quanto mais os necessários.

O que melhor recordo foi um desses dias em que tanta droga antitabágica me descontrolou os intestinos e tive que pedir-lhe, não sem alguma vergonha ou constrangimento, que me deixasse utilizar a casa de banho, até por necessitar também de mudar o penso da nicotina.

Assim foi e assim fiz, contudo o penso velho oferecia alguma resistência a descolar-se, repuxava-me a pele e os cabelos do peito aleijando-me a valer, lembrei-me então de com um algodão ou um bocadinho de papel higiénico embebido em acetona retirá-lo com facilidade e sem dor, não há mulher que não use acetona, por isso passei os olhos pelo conjunto espelho/aparador/armário da casa de banho tentando encontrá-la, à acetona não à Margarida.

Não me recordo depois de todos estes anos o que me levara a casa dela, recordo sim que por pouco me ia cagando, das dores provocadas pelo adesivo nem tanto, o que lembro bem é de mim, um estranho naquela casa de banho, devassando-lhe a privacidade com o olhar, que tudo mirava licenciosamente.

Encontrei pensos rápidos, mercurocromo, cera depilatória, verniz vermelho escuro, uma caixa de OB, portanto apesar dos quase cinquenta a minha amiga ainda era menstruada, o que em parte explicaria o seu bom humor, e atrás dessa caixa uma caixinha de gel, uma marca desconhecida para mim, Pharmatex, o que me aguçou a curiosidade e num impulso irreflectido me levou a estender o braço e a pegar no dito gel, que mirei atenciosamente. Gel contraceptivo… portanto a minha amiga não usava a pilula, o que em parte explicaria a sua pele limpa e lustrosa, isenta das manchas comuns que o uso prolongado da pilula provoca, sobretudo nas peles mais sensíveis e que como sabeis também seca, ou greta.    

Só não encontrava a acetona e senti-me um intruso na casa dela quando ao colocar o gel no lugar derrubei um frasquinho de Oliprox, um verniz medicinal para as unhas e usado por quem sofra de onicomicose, logo pensei que sendo ela pessoa com quem eu fosse para a cama o melhor seria desviar bem os pés dos dela, não fosse aquilo pegar-se, todavia não era o caso, nada de excêntrico, anormal ou abstruso se passava entre nós, quem sabe se o ex-marido ou alguma paixão de ocasião lhe pegara o fungo a ela…

Satisfeito com o que a minha curiosidade me desvendava, e confesso que com alguma maldade ou sadismo, não me contentei com o que à vista me era oferecido. Aliás o que via era normal numa mulher, cremes para a pele, para a cara, cremes para tirar outros cremes, quero dizer para retirar a maquilhagem ou simplesmente limpar a pele, o Nívea universal, o rouge, o pó de arroz, o conjunto de rímel, um alicate de pestanas e uma pinça de arrancar as sobrancelhas, digo depilar, lacas várias, shampoos e corantes para o cabelo, um deles anticaspa, num cestinho todo amaricado e coisa mesmo de mulheres uma colecção de escovas de cabelo e rolos, umas molas que nem imaginei para que seriam, uma Gillette com a espuma mais que seca e onde ainda se viam os pelos rapados, um alicate de unhas, de unhacas a julgar pelo tamanho do alicate, mais acima boiões com tudo e mais alguma coisa, até flores verdadeiras, mais precisamente cactos, no parapeito da pequena janelinha, mais em baixo e numa gaveta um saco de bolas de algodão, dois rolos de adesivo, várias limas coloridas super-fraquinhas que mais pareciam de cartão, um limatão para algum unhão, uma embalagem de Betadine, noutra gaveta uma colecção de batons desde um para o cieiro até à cor mais estrambólica, e outros cujas embalagens transparentes deixavam ver misturas exóticas de confettis ou purpurinas nos batons mais líquidos que duros, dando ideia de serem aplicados a pincel embora não tivesse visto os pincéis, e, arrumadinhos como soldadinhos de chumbo em fileiras umas duas dezenas de frascos de verniz, gostei de encontrar um frasco fúxia a minha cor preferida, porém acetona népia, ora se não estava ali naquela gavetinha dos vernizes onde raio teria ela a porcaria da acetona ?

Esgaravatei a ultima gaveta mas não encontrei mais que ligaduras, gaze, duas tesouras uma delas de unhas, uma maquineta para desgastar ou desbastar ou calos ou calosidades dos pés, meias de desporto elásticas vivamente coloridas e em varias cores, daquelas que costumamos ver nos ginásios e que as mulheres usam até meio da barriga da perna, portanto a minha amiga frequentará algum ginásio, folgo que se preocupe com a saúde e a linha, corpo são em mente sã, o que em parte explica aquele corpinho roliço de formas esculturais, talvez se veja obrigada a suar um bocado mas afinal e ao contrário do que eu pensava Deus não a bafejou em tudo, pelo menos as medidas que apresenta exigiram-lhe muito trabalhinho, e dieta ? Fará ? Sofrerá também com isso ? Passará fome por gosto ?

Estava eu meditando nisto quando os intestinos me deram uma volta e ronronaram, só tive tempo para atirar uma joelhada à gaveta fechando-a, de baixar as calças novamente e sentar-me na sanita, respirando fundo sustive o ar e quando o expeli fi-lo com alguma satisfação e, embora o espelho estivesse alto, aposto que tinha um sorriso estampado na cara.  Talvez por me ter levantado mais aliviado e com outro humor mal me pus em pé os olhos deram de caras com a acetona entre o relógio e uma caixa de pensos para os joanetes, nem podia estar mais à vista a merda do frasco que já olhara uma dúzia de vezes e confundira com os que o rodeavam, digo com o do álcool, da água oxigenada, de soro fisiológico, e quando finalmente retirei o penso velho sem que os cabelos do peito viessem agarrados a ele fiquei tao aliviado, tão duplamente aliviado diga-se que me apeteceu fumar um cigarrinho, felizmente não os tinha já comigo, nem o faria numa casa que nem era a minha.

Arrumei e limpei tudo o melhor que pude, não sem me baixar para abrir a gaveta de baixo, afinal só faltava aquela e a minha pérfida curiosidade não me permitia deixá-la por abrir. Novinhas e ainda em caixinhas uma colecção de calcinhas que por pudor não toquei, tão cândida e inocente imagem emocionou-me, comoveu-me, enternecendo-me, e logo me pareceu que tocar-lhes seria conspurcá-las. Retirei com brusquidão a mão do puxador e bati com o cotovelo no convector dando de imediato um salto, parecia que tinha levado um choque eléctrico, sem querer derribei de cima dele umas calcinhas que talvez ou decerto estariam a enxugar e nessas fui obrigado a pegar, para as recolocar no lugar, não sem que as tenha esticado entre os polegares, pequeninas, bonitinhas, bonitinha a minha amiga, uma medida engraçada, uma coisa a que eu nunca prestara grande atenção, inadvertidamente veio-me à ideia uma velha canção*, “Viola, Violina, Violão”, e de imediato recordei os anúncios dos corpinhos Danone e Fitness. 

A vida tem cada coisa, nem me lembrei de tudo isto por acaso, é que estou sentado na sanita pela terceira vez esta manhã. Ou os cogumelos eram venenosos ou a carne de porco tinha pimentão a mais, o que é certo é que quem se lixou fui eu.  Para a próxima só comerei peixe, pxito, bacalhau, adoro o cheiro a bacalhau… 
   

* http://mentcapto.blogspot.pt/2014/10/205-viola-violinha-violao.html

quarta-feira, 30 de março de 2016

328 - O TURISMO, O PAÍS, O ALENTEJO, OS DÓLARES REDONDOS E A GRANDE ILUSÃO ...


              Foi há tantos anos que se me esvaiu a memória. Contudo recordo o cenário embora quanto aos pormenores, chapéu. O meu primo Zé Baião bufando, como era hábito nele sempre que a conversa o apaixonava, inflando-se-lhe o peito e a verve, nem cabendo dentro da farda quando assim era. Não era a farda o móbil da conversa, era a filha, era dela quem, a propósito de tudo e de nada ele, baboso e envaidecido, fazia motivo e, desta dito e feito, lá vinha a lenga-lenga habitual enquanto ele inchava e a boca sorrindo se lhe retorcia para o lado;

- Aquilo é que está ali uma moça fisicamente bem constituída !

E pronto ! Já me lembro ! Às vezes basta um pequeno empurrão para que a memória retome o seu carreiro, os neurónios e as conexões têm destas coisas. Em redor do poço o meu pai descascava uma tangerina, esse meu primo punha e tirava as mãos dos bolsos do colete, era um domingo ou feriado certamente pois ele não envergava a habitual farda rosa velho, ouvia lá longe a minha mãe pita pita pita chamando as galinhas, alguidar de couves e urtigas migadas à anca, segurando-o com um braço enquanto com o outro fazia como os homens nas sementeiras, espalhando a mistura enfarelada que punha sempre em alvoroço o galinheiro. Do meu irmão mais novo népia, não me recordo, mas o mais velho segurava um envelope grande e volumoso que a embaixada da Rodésia, actual Zimbaué, lhe enviara com vasta, completa e belíssima informação sobre o Parque Nacional de Matobo*, que ele dissera querer visitar, ludibriando a embaixada, essa e muitas outras, que caindo no logro o enchiam, para deleite do meu pai, de belas fotos de países e lugares onde a imaginação os levava. Não havia net é certo, mas havia muita fantasia e originalidade nos modos de contornar os limites que a pobreza material ditava.

Mas desvio-me do essencial, falavam das belezas naturais de cada país e continente, do pincho do tigre e do leão, e aqui o meu pai cavava no chão, rodando o calcanhar e abrindo uma covinha onde pudesse fixar umaa lança com que suster o ataque das feras inimigas que se abateriam sobre essa lança e na qual se cravariam. A velocidade de antílopes, gazelas, gnus e chitas era também assunto, embora para mim menos interessante. Eu ia chapinhando com a mão no tanque enquanto eles viviam todas aquelas aventuras, até que ao falarem da formusura das mulheres Zulus, Xonas, Fulas, Bantas e tantas outras que me é impossível lembrar eu acordava da minha preguiça e afinava os ouvidos, interrogando-me como saberiam eles tanto acerca daquelas mulheres negras cuja beleza era alvo de disputas e diatribes, mas que não lembrava quando nem como as teriam eles visto ou visitado.

As brochuras, lá está, viam-nas nas brochuras que todas aquelas embaixadas remetiam lá para casa e nas quais também eu me deliciava olhando demoradamente as fotos coloridas, admirando não propriamente as belas mulheres, fisicamente bem constituídas como diria o meu primo da sua filha adolescente, mas a maravilhosa bicharada que preenchia páginas e páginas de sonhos e aspirações, senão a mim, a meu pai e ao mano mais velho, o artista do ludibrio e da arte de fazer parecer, aparecer e desaparecer o que quer que fossem vestígios da tabanca ou do palácio onde vivíamos.

Foi também assim, vendo o mundo que o carteiro trazia em grossos pesados e volumosos envelopes, que se me acicatou o gosto pela leitura e a minha mente começou primeiro devagar, depois ainda mais devagarinho, a saltar os muros do quintal, doravante suficientemente baixos para que os pudesse galgar. Por isso me foi fácil dedicar-me à leitura dos muitos e muitos exemplares da revista Selecções do Reader's Digest, que nem sei como havia tantas e muito menos me lembra agora como apareciam lá em casa. A verdade é que foram um tesourinho que explorei durante bastante tempo e com desmedido prazer. Foi numa dessas antiquíssimas revistas que li o artigo com que em parte titulei o texto que hoje vos ofereço, portanto uma leitura com mais de cinquenta anos mas que o reboliço a que hoje assisto à volta do boom turístico no Alentejo me obrigou a recordar e sobretudo a que me debruçasse sobre essas memórias dos meus quinze ou dezasseis anos, pois não teria mais por essa época.

Pois foi precisamente uma fotografia inserida numa dessas revistas que me chamou a atenção, um grupo de banhistas, qual delas a mais bronzeada, algumas negras esculturais, não sei se zulus, fulas ou bantas, e a legenda respectiva, a que na altura nem dei a devida importância mas que muitos anos mais tarde e lembrando a fisicamente bem constituída filha do meu primo, me deixou fazendo contas de cabeça e somando dois mais dois.

A legenda da foto dizia nem mais nem menos que isto;

“ Mulher boa e melancia grande ninguém come sozinho” …  

a propósito do surto turístico que as paradisíacas praias, lugares, cidades e países experimentavam, e de como esse boom ao invés de os enriquecer os arruinava. De tudo me lembro como se fosse hoje, até das bundinhas. Hoje custa-me a crer como foi possível tal revista apresentar tal artigo, “Dólares Redondos”, tão tendenciosa e facciosa ela era e é, como certamente ninguém desconhecerá.

Mas apresentou, e eu jamais o esqueci, nem esqueci o facto de que nem tudo que parece é. Grosso modo o vanguardista artigo mostrava e demonstrava como o dinheiro do turismo só aparentemente existiria nos países onde esse turismo agitasse a economia, tais como o México, o Chile, Costa Rica, Panamá, Jamaica, Rep. Dominicana e por todo o mundo, (Cuba não era citada embora antes da revolução fosse considerada o bordel das Caraíbas e local de férias por excelência). Quanto à riqueza supostamente criada pelo desenvolvimento turístico não só nem aparecia como desaparecia tal qual um boomerang volta à mão que o lançou ou uma moeda que caia no chão rola e rebola descrevendo um círculo até tombar no sítio onde começara a rolar. O mecanismo, ou o fenómeno como era descrito na revista funcionava assim;

1 – Milhares, centenas de milhares ou milhões de turistas adquiriam nos seus países de origem (no caso os EUA) os respectivos pacotes de férias cujo pagamento efectuavam.

2 – Nas estâncias, cidades ou países de férias, ou de destino, deixariam no máximo uns trocos numas bicas, nuns gelados, numas coca-colas ou pinas coladas pois o pacote na maioria das vezes até a diversão nocturna e os aperitivos e cocktails incluia. Gastarão somente algum dinheiro de bolso, nos postais ilustrados, nuns rolos para as máquinas fotográficas, nuns maços de cigarrets, num isqueiro com uma bela imagem do lugar, numa qualquer recordação não muito cara do handcraft local para levar à mamã à amiga ou ao amigo, umas chinelas maded handcork, uma miniatura do Templo de Diana, um chapeuzinho preto com uma foice e um ramo de espigas, um grupinho em barro representando os cantadores de cante alentejano, e pronto, estão as férias feitas.

3 - Claro que os hotéis que os albergam sempre têm despesas, com luz, com água, com o aprovisionamento da cozinha, do bar, mas raras unidades hoteleiras pertencem a gentes da terra, normalmente são pertença de cadeias internacionais cujo dono se desconhece e estará algures na Arábia, nos USA, na Rússia ou na África do Sul ou noutro sítio qualquer. Agora digam-me lá se o Costa teve ou não teve razão ao taxar cada dormida em Lisboa com um euro ? Quem sabe se não será o único beneficio que terá de quem lhe gasta as calçadas cuja reposição lhe caberá a ele pagar, como caberá pagar e abrir estradas e ruas e ruelas e acessos e viadutos e colmatar os estragos que os turistas façam na cidade. Para já em Lisboa estão a facturar os italianos que se fartaram de vender-nos tuck-tucks …

4 – Ora ficando o dinheiro dos pacotes logo na origem, se por mero acaso o hotel dessa cadeia, por exemplo no Brasil ou na Cochinchina, apesar de tudo tiver lucros, logo é chamado a contribuir e suportar os custos de investimento da casa mãe dessa cadeia hoteleira no seu país de origem, forma sagaz e encapotada de para lá transferir os lucros, apresentando posteriormente prejuízos e muito licitamente escapando-se a ser taxado local e fiscalmente.  

5 – Os dólares ou poucos dólares do pé-de-meia, redondos que são acabam rebolando sempre no sentido da partida, poucos ou nenhuns atingem o ponto de chegada, é raro que esses hotéis reinvistam nos locais que exploram até à medula e a que se agarram como lapas.

Por cá o dinheirinho da luz vai para os chinocas, o da água para os amigos do Mário Lino que deu a volta ao Zé do Cano, ou deu a volta ou deu comissões, isto sou eu feito má-língua, claro que não passa de uma aleivosia minha, de uma suposição de mau gosto, pois toda a gente sabe não haver o mínimo de provas em que se fundamente esta afirmação. No fundo a questão do boom turístico no Alentejo é saber-se quem ganha com ele. Por enquanto sopeiras, recepcionistas, ajudantes de copa e cozinha, empregados de mesa, seguranças e barmans têm o futuro assegurado, pedreiros, serventes, canalizadores e electricistas também têm feito uns biscates, porém são essas as profissões que por agora o futuro nos oferece, mais que isso o tempo o dirá…

Festeje-se então, pelo menos enquanto houver quem saiba como usufruir dos fundos europeus, não podemos criticar quem tem olho, afinal os da terra também podem concorrer a eles e se o não fazem será porque não querem, ainda há pouco uma amiga me perguntava o que seria a democracia num mundo dominado por imbecis… Um mero problema de consciências ou de olhos que se não abrem  ? Pensem nisso. 


terça-feira, 29 de março de 2016

327 - HUGO ERNANO E OS PORTUGUESES ...........

         (Milo Manara - Storia dell'Umanità  Historia de la Humanidad)
                    

Não tivesse sido o choque e eu nem me teria dado ao incómodo. Mas esbarrar em quem pensamos ter um mínimo de informação e bom senso deixou-me os miolos a abanar e os neurónios em polvorosa.

A Convenção de Genebra, que de 1864 a 1949 ditou as regras das matanças entre a humanidade civilizada e que teve continuidade nas preocupações da ONU, de que são exemplo maior a limitação do uso de armas convencionais, as nucleares têm um dossier à parte, deve a sua razão de ser à matança, ou antes chacina que a batalha de Solferino, em 1859, entre franceses /italianos contra o império austríaco envolvendo mais de duzentos mil soldadinhos de chumbo provocou em gente fina, gente que certamente terá tido náuseas e sentido escrúpulos…

A matança, a carnificina ou o morticínio foi de tal ordem que gente sensata temendo que o crescendo da raiva e da tecnologia pudessem simplesmente fazer colapsar a raça humana, a ética, a moral e os princípios já andavam há muito tempo pisados e pela lama, resolveu cavalheirescamente dar razão a Descartes e encetar um movimento de consciência que pusesse termo a tal irracionalismo, movimento que cem anos mais tarde viria a culminar no que ficou conhecido na história como o século das luzes ou Iluminismo.

Instituiu-se portanto, paulatina e cavalheirescamente que doravante matar sim mas com fair play, curiosamente a indústria de perfumaria francesa, a que no mundo em volume e qualidade ofusca todas as outras, teve a sua génese e desenvolvimento de modo quase paralelo, mas isso não passa de uma coincidência curiosa que para aqui puxei somente porque o apodrecer dos largos milhares de corpos, mortos ou morrendo após uma batalha, era coisa de sensibilizar e fazer torcer o nariz mais requintado. Sim porque o pior nem eram os que morriam logo, mas antes os que trespassados por baionetas ou atingidos pela metralha dos primeiros e incipientes canhões ficavam por terra, gravemente feridos, sem rescues minimamente organizados, nem ao menos equipas de socorro ou resgate, sem medicamentos nem cirurgias, sem penicilinas nem aspirinas, nem tão pouco antibióticos. Azar de quem caía pois já sabia ficar condenado a morrer ali, com a ajuda de Deus logo, sem a ajuda d’Ele chegavam a durar oito dias, até a mazela, a fome e a sede acabarem com eles no meio de um sofrimento atroz que a poucos incomodaria, todavia, contudo mas porém largando um cheiro fétido que ninguém suportaria. 

           Até a mim que fui altamente treinado para matar e ser eficiente e auto-suficiente nesse meu mister, nem após longuíssimos meses de treino não me foi dada de imediato a boina negra de fuzileiro, não o foi sem que antes tenha papagueado de olhos fechados, de trás para a frente e da frente para trás, o regulamento de disciplina militar, em especial o regime jurídico das armas e suas munições, cuja propriedade, uso e porte no que concerne aos militares dos quadros das Forças Armadas e aos membros das forças e serviços de segurança são regulados por lei própria. Foi para mim sempre óbvio que não poderia simplesmente fazer uso de qualquer arma sem ordem, ou sem a isso ser autorizado ou até obrigado pela legislação inerente. Assim fiz e nunca deixei de ser um militar brioso, cumpridor e condecorado por actos e bravura em combate. Não fora a cena leviana (e respectiva delação) das cabeças embalsamadas nas cubatas do Mihinjo*, onde fôramos chamados para que se cumprisse a lei mas onde as coisas acabaram por dar para o torto, e eu nunca teria sido expulso de Luanda, ou sequer de Angola. É certo que a malta esqueceu por momentos a Convenção de Genebra e cortámos umas cabeças aos turras, ter jogado com elas à bola e tê-las espetado num pau acabou por ser agravante da situação, valeu-nos o facto de todos estarem embriagados com o bombástico e artesanal Marufo, o que serviu de atenuante evitando males maiores, mas tal desiderato foi culpa exclusiva do pelotão de comandos e caçadores nativos que eram os nossos pisteiros e a nossa vanguarda.


Concomitantemente não há acção sem reacção, nem violências sem consequências, interessa sobretudo não ultrapassar o legislado, sob pena de sermos enxovalhados, castigados, expulsos, sacrificados e crucificados. Matar um tipo é uma coisa, é crime, matar um milhar é totalmente diferente e dá direito a medalha de honra. Um homem é um homem, não é um bicho e portanto deve evitar portar-se ou comportar-se como tal. 

Desconhece muito boa gente que durante a guerra do Vietname os comunistas do norte se queixaram na ONU de que os EUA não respeitavam a lei da proporcionalidade, e os USA foram obrigados a emendar o seu mais recente e moderno caça, o Phantom F4, que doravante e sobre território do Vietname ficou impedido de usar quer o radar quer os mísseis que o equipavam. O moderno caça, que vinha equipado com o mais sofisticado armamento, dispunha unicamente de mísseis e rockets, cujos radares lhe permitiam reconhecer e abater o inimigo a 50 km de distância, os comunas nem sabiam quando nem do que morriam, o que era tremendamente injusto…  A ONU obrigou a combates à vista, só podiam abater-se mutuamente à vista um dos outros, o que dada as desiguais velocidades a que as aeronaves contundentes se moviam relegou os F4 para plano secundário pois necessitavam de um ângulo de manobra muito maior para curvarem devido à sua excelente e excessiva velocidade, enquanto os Mig inimigos, mais lentos, viravam como quem vira uma esquina. Ainda por cima sem radar o F4 era incapaz de fixar os alvos dos mísseis, obrigando os americanos a adaptarem nele metralhadoras e canhões. Ora desde o pós II GG que essa lei da proporcionalidade tornara mais justas e menos desiguais precisamente as “justas” (justas neste caso= as lutas).

É aqui que retornamos à vaca fria, pois foi por não ter percebido isso, ou ter estado distraído nas aulas de formação de “condicionalismos ao uso e porte de arma” que o cabo Hugo Ernano se fodeu e agora tosse… Tenho a certeza de que quando jurou bandeira ninguém lhe deu uma estrela de xerife ou o autorizou a avançar por aí como se isto fosse o faroeste. Ao contrário do que muita gente pensa o cabo não é nenhuma autoridade, nem ele nem policia nenhum, são quando muito uma extensão, um complemento, a autoridade está na AR e no sistema judicial, nos juízes, que não podendo estar em toda a parte delegam em filiais, em agentes, autorização para que ajam em nome deles, ajam, e eles agem, tornam-se seus agentes, o seu braço direito, mas terão que o fazer dentro das normas, ou lixar-se-ão, tão simples quanto isso.

O bom do cabo Hugo Ernano antes de disparar devia ter-se lembrado de um juiz, ter imaginado ser juiz e estar a uma secretária consultando os códices, e antes de disparar ter colocado a si mesmo as perguntas a que a lei o obriga, perguntas a cuja resposta somente os factos observados e comprovados podem responder;

- Estava ele ante uma situação clara de flagrante delito ? Observou o cenário as circunstâncias e a dimensão da ameaça com que se poderia deparar ? 
- Encontrava-se ameaçado na sua integridade física ? O ofensor estava armado e constituía ameaça ?
- A arma do ofensor foi apreendida e constitui prova material ? O ofensor disparou a arma sobre o cabo ? A perícia a essa arma confirma ter a mesma sido disparada ?
- O primeiro disparo do cabo foi efectuado para o ar como medida de aviso e coacção sobre o ofensor ?  Quantos disparos efectuou ? Ripostou o cabo em legitima defesa ?
- Como explica o cabo que um tiro dado para o ar tenha atingido mortalmente uma criança que tem pouco mais de um metro de altura ?

É razoável e legítimo supor perante os factos comprovados, e só estes contam, ter o cabo actuado com leviandade, ter atirado contra um homem desarmado e assim tendo atingido involuntáriamente uma criança... O resto são circunstancialismos do contexto que naturalmente não convenceram os juízes, (nem mesmo os do supremo quando do recurso) ou são meras opiniões de malta ou gentinha ignorante.

Um blindado contra uma fisga… ou, imaginemos o ridículo, um judeu armado com uma bomba atómica, na intifada palestina e lutando contra quem lhe atira pedras… Isto de haver palermas que acreditam que tudo se resume ao pouco que as suas cabecinhas sabem tem que se lhe diga filhos… Olha, e por falar em filhos, o suposto bandido, ou presumível ladrão levava o filho com ele ? Fui consultar a legislação e em código nenhum detectei proibição de levar consigo os filhos fosse para onde fosse. Em dois casos unicamente e a saber, os pais são obrigados a condicionar as crianças que levem consigo, filhos ou não, devem transportá-los em cadeirinhas apropriadas e no banco traseiro enquanto pequenos, e num “ovo” homologado e no banco da frente enquanto bebés, não esquecendo em nenhum dos casos o uso de cinto de segurança.

O ridículo pode matar sim, nem todos terão a sorte que eu tive. Mau grado a cena das cabeças e a expulsão de que fui alvo a minha caderneta não ficou suja, pelo contrário a coisa funcionou como publicidade positiva, o que nem sempre acontece, portanto cuidado com as normas. Acabei como conselheiro e instrutor militar tendo corrido toda a África abaixo do Equador. Treinei os angolanos contra a UNITA e os sul africanos de quem ela era aliada, mais tarde os pretos da SWAPO contra o SAA, South African Army o MPLA e os cubanos, e acabei os meus dias de acção treinando tropas do SAA contra os guerrilheiros nativos angolanos e os mercenários cubanos, tendo mais tarde lutado novamente ao lado da SWAPO contra o SAA.** Sempre respeitando, ensinando e aconselhando a respeitar a Convenção de Genebra, excepto que me lembre, após a purga exercida por parte do MPLA contra os flechas que tinham lutado a meu lado e do nosso exército e duma outra vez em que pretos do MPLA degolaram e migaram num caldeirão três brancos sul-africanos em cujo repasto eu me recusei terminantemente a participar.

        Ofendido virei-lhes as costas e ainda hoje espero que essas comissões me sejam pagas. Só trabalhava à comissão, sinal depositado e comissões, trabalhei sempre com contratos a prazo portanto sei bem quanto sofrem os precários. Mas desde que as comissões fossem regularmente pagas o meu trabalho era garantido. Melhor que eu só trinta e tal anos mais tarde vim a defrontar-me com alguém mais eficiente. Deviam ter acertado com ele o valor das comissões e exigir-lhe responsabilidades e o cumprimento de um caderno de encargos. Terem-no encerrado em Évora, apesar das tais condições, não trouxe nem vantagens nem ganhos absolutamente nenhuns a ninguém, nem a ele nem ao país.