Querida
Maria De Jesus. Espero sinceramente que esta missiva a encontre de perfeita
saúde, o que aliás torno extensível a toda a família.
Terá
estranhado a minha demora, mas, para mim, toda a carta tem resposta (ou deveria
ter se a disponibilidade mo permitisse) e só a falta de tempo me impediu de dar
notícias mais cedo.
Não
serei eu a dar execução ao pedido que me colocou, mas no mesmo dia envidei
esforços para que lhe seja dada satisfação. Confio que tal se concretize, e
como alguma responsabilidade me cabe, não descurarei umas passagens por aí que
me permitam ajuizar dos resultados.
Sei
que aprecia poesia, mas a minha disposição hoje não é de molde a inspirações,
espero que compreenda e me desculpe o facto. Infelizmente quer a disposição
quer a disponibilidade me tolhem cada vez mais a vida própria que gostaria de
ter, pelo que os momentos de inspiração tenderão a reflectir progressiva e
acentuadamente este estado de espirito. Não amo menos por isso a poesia, olhe !
A propósito! Li há tempos um pequeno livro da Maria Teresa Horta, “Só de Amor
“, da Quetzal, cuja leitura teria adorado partilhar consigo.
O
tempo disponível some-se-me entre os dedos como areia em ampulheta, fico sem
saber para onde virar-me, a vida pode ser dura. Chego a pensar por vezes como
me deixei enredar nesta teia de compromissos, que nem me deixa uma oportunidade
para dedicar a mim mesma algumas horas de ócio. Estou com pouco mais de
quarenta anos e, quando pensava ter oportunidade para gozar um pouco a vida,
eis que me caiu o mundo em cima, precisamente quando menos esperava, e lá se
foram sonhos acumulados há tanto tanto tempo.
Que
o seu homem não veja esta carta, pensar-me-á uma piegas ou que estou para aqui
com lamúrias, haverá poucos que conheçam e compreendam as mulheres, o que até
pode ser o caso, mas quando lembro que a maior parte só se preocupa em colocar
os cotovelos de modo que não nos carregue...
Queria
inteirar-me sobre as filosofias orientais e falta-me o tempo, conhecer os
segredos do yoga, da meditação transcendental, e falta-me o tempo, debruçar-me
sobre técnicas de relaxamento, e falta-me o tempo, praticar ginástica, ou
aeróbica, ler mais, viajar, descansar, estar com amigas (os) e falta-me o
tempo, não ter já motivos na vida para me preocupar quando me sobram tempo e
preocupações, pensar em mim, conhecer o futuro... Mas não tenho tempo. Não
tenho um minuto, uma pausa sequer, que me permita aliviar estes calores que já
foram segredos fisiológicos, ou biológicos... Quem entende uma mulher na meia
idade ?
Corro
de um lado para o outro que nem uma formiguinha porque há contas a pagar ao fim
do mês, clamo por alívio, e a única resposta que me deram foi uma nega, à
reforma e ao descanso por que anseio. Fez-me bem a sua carta, chegou no momento
certo, por uma vez as oportunidades com que o destino se tem entretido a
brincar comigo viram as voltas trocadas, pode acreditar que ajudou a
levantar-me a moral.
Por
cá vou indo no cumprimento fiel do meu serviço cívico, dando o melhor de mim e
esforçando-me sempre para que não me acusem de baixa produtividade como agora
está tão em voga. Mas quando se me deparam tantos braços sem trabalho... E sem
que eu possa fazer nada que inverta a situação, questiono-me, quando para tal
me chega o tempo, como podemos querer um país rico e produtivo, se não cuidamos
deste exército de desempregados e precários que aumenta a cada dia que passa.
Já
vai longa esta carta, calhando só lhe leva preocupações, não é essa a intenção,
fico aguardando tempo para desfrutarmos uma bica, até lá receba beijos e
abraços desta amiga que muito a estima.
Com
as devidas considerações à restante família.
Maria Luísa Baião
Modigliani - “Mulher Nua” |
* Publicado por Maria Luísa Baião em Diário do Sul, coluna
KOTA DE MULHER, em 18-11-2002.