Foto roubada na Net, Praça principal de Reguengos e igreja neo-gótica. |
Vou contar-vos uma história,
de um almoço que tomei na companhia de amigos de quem até já falei. Por causa
das invejinhas e porque há almas penadinhas por degustar bom petisco, creio não
cair no risco e arrisco sem remorso, por isso vos afianço que, em qualquer
outro lugar ou em qualquer uma outra rua, se come tão bem na terra como eu comi
na “taberna” dessa vila que é tão minha, quanto crê ser ela sua.
Embora o uso não
lembre, são terras que eram D’El-Rei, que assim não ficaram sempre porque a lei
dos liberais cuidou de lhes dar finais.
Eram terras
“realengas”, p’ra outros terras “reguengas”, que de nobres ou de reis, davam
ainda para os pobres verem dali alguns réis. Também o clero tinha parte que,
com arte, como a nobreza ou a coroa, acudia à pobreza que, como agora, como
sempre, esperava dos mais fortes, os restos d’alguma broa.
Nascidas da esperança
aceite, de o cristianismo alargar, enquanto alguns nossos reis acossavam o
belicismo para ao Algarve chegar, muitas, como esta terra hoje chamada
D’El-Rei, a guerreiros os reis doavam, dando de alarve riquezas que o
património gizava, que quer o tempo e a história não cuidaram de emendar.
Foram dadas a
templários ou a quaisquer usurários, nem o poeta Papança teve algum dia o
prazer, de, a rendeiros e seareiros, ver na cara alegria franca por ter visto
repartida terra de tanta abastança, cujos limites não estão hoje longe dos que
há séculos já tinha a nobre casa de Bragança.
Mas, voltando à minha
história e ao almoço bem regado que nos ficou na memória. Foi na Casa do
Benfica que o néctar ditou as leis que, e nisso faço questão, deixar aqui afirmado
que em qualquer outro casão aos manjares apropriado o prazer seria o mesmo,
pois o dito que aqui louvo, teria saído gostoso de uma mesma barrica, senão duma
mesma pipa.
A verdade é que esse
néctar, ali mesmo apadrinhado, trazia rótulo da terra, pois ainda antes de
almoço já era certo e sabido cuidar de ter a tempo e horas tal remédio
encomendado.
Da história antiga só
resta a sagrada toponímia que mui bem calhou à pinga ali mesmo baptizada. Ou "D’El-Rei" ou "Monsaraz", coisa que muito me apraz e tive até o condão de, passado
belo momento, ter que descascar o casaco, por efeito não de tormento, mas de
ventos e grinaldas que a imaginação tece, em que apesar de exaurida, a
sensibilidade sofrida nos mostra poentes belos, enquanto cada medida por dentro
mais nos aquece.
"Reguengos" ou "Monsaraz", vila ou aldeia tanto faz, são pérolas rústicas, mágicas, brancas,
medievais e ambas belas. Gótica manuelina uma, menina preservada a última, plantada em
jazida xistosa que por ser pedra tão branda a torna mais amorosa.
Postada em alto-relevo
que meus sonhos pintam de imaginárias e bruxuleantes estampas a que o néctar
dos Deuses mistura as cores na paleta, devo reconhecer que, a páginas tantas, as
palavras falavam connosco e o ruído ensurdecedor do silêncio intuído burilava,
alternando a visão do possível actual, ou do actual possível, nessa terra que
parece não mudar.
Reguengos a da igreja
neo-gótica que, diria imaginada se a não visse aos céus virada, de lindos
vitrais pintada, testemunhando a fé, a crença do seu povinho atarefado,
contrastando felizmente com a lembrança nebulosa do pelourinho ainda erguido no
adro da praça grande da Monsaraz majestosa, sentinela vigilante.
Como um mar de água
crescendo, enquanto íamos almoçando e a sala transformando numa festa a pedir
sesta, a barragem ia tecendo os destinos dessa terra e, espero p’ra bem de
todas não ver o tempo gizar terra que, à soleira do futuro fique sentada mirando o passar deste mundo que parece prometer tudo. Que ninguém em terras D’El-Rei se remeta ao
silêncio mudo.
Se os sonhos que no
ar pairam, teimarem em querer falar, teimarem acreditar que tudo lhes é
possível, creio que ao povo desta terra até o inimaginável será um dia
acessível, inda que demore mais algum tempo…
* Maria Luísa Baião escrito Quarta-feira,
3 de Dezembro de 2003, pelas 04:29h e publicado nos dias ou na
semana seguinte em Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER.
Foto de Helena Margarida de Sousa - Évora |