Texto
em construção ........... Entretanto
terminado .........
Texto em construção dissera eu, e bem, porque
as cadelas apressadas parem os cães cegos, sempre ouvi dizer, mas dissera-o
também por gostar de ver a bota bater com a perdigota. Que quero eu dizer
afinal com toda esta conversa da treta, todo este intróito com que já vos
brindei ?
Sim
brindei, porque o texto fala de brindes e de Natal, portanto vamos a isto que
se faz tarde e nem o pai morre nem a gente almoça, o texto era para sair
precisamente hoje e não ontem nem amanhã, porque foi precisamente hoje dia 7,
fez anos hoje ou celebrou-se outra vez uma efeméride de 74 em que na ponte do
NRP Pereira da Silva e olhando a Este e Oeste dessa linha que o nosso
imaginário teceu, eu queria ver o equador estendendo-se p’lo horizonte como
quem olha o colorido do arco-íris sonhando achar os potes d’oiro nos seus
princípio e fim.
Estava
um gelo danado, a coisa deu-se pelas seis horas da matina desse sábado,
precisamente quando chegou até mim o estridente som da sirene do navio
assinalando o ritual de travessia do equador, estando o mar balançando
dolentemente àquelas horas dessa fresca manhã de Dezembro por nos termos
afastado duma tempestade que barafustava a Este. Inda que não tivéssemos
avançado trezentas e setenta léguas para Oeste eu, aproveitando a solenidade do
momento decidira-me pelo sim amor, pedir-te-ia em casamento mal pusésse pé em
terra e te abraçasse.
Havia
que aproveitar os astros conjugando-se, criando a oportunidade e o momento.
Negar a tempestade aconselhara desviar o rumo do navio e, sulcando o Atlântico
mais a Oeste que o habitual, originou, casual casualidade, uma excêntrica,
dupla e momentânea solenidade logo por mim aproveitada para deitar as sortes,
tentar a sina. Por um milagre do acaso o navio cruzou o equador no preciso
local em que este e a linha divisória do Tratado de Tordesilhas proposto
inicialmente pelo Papa Alexandre VI a D. João II de Portugal no séc. XV, tinham
marcado esse sítio no grande mar oceano com uma cruz imaginária, profética e
pronunciadora de augúrios futuros e felizes que haviam de fazer e fizeram a
grandeza de Portugal, acreditando eu piamente que fariam também a grandeza
deste nosso amor. Foi por pouco que não tocámos a ponta nordeste do Brasil.
Simpático
o imediato “tapou-me e deixou-me” telefonar para tua casa nesse dia:
- Luisinha
!! Estarei aí este Natal amor !! Levo uma grande surpresa querida !!! Uma
surpresa gigante meu amorzinho !!!!
Ao
descer para a messe/refeitório/bar comemorei a decisão oferecendo uma garrafa
de whisky a cada elemento da minha companhia e a quem estivesse presente.
Sosseguem, a maior parte da companhia preferira passar a licença em Luanda e
não perder tantos dias no mar, dela estavam comigo no máximo meia dúzia e outra
dúzia e meia de malta da guarnição do “NRP Pereira da Silva”, além disso a bordo
uma garrafa de whisky custaria o mesmo que te custa hoje uma Sagres média em
qualquer esplanada.
Eu
queria amar-te sem medo Luisinha, amar-te com alarido e bem-querer, com
grinaldas e fanfarra, queria amar-te de modo que o nosso amor fosse livre e
festejado. Aprendera a amar em África, nas matas de Xangongo, a sul de Angola e
a norte do Cunene, aprendera a amar com as doces mulheres negras nas pausas das
suas missões na guerra nacional e patriótica que travavam a meu lado, aprendera
a amar para sossegar o medo, aprendera a amar para me acalmar, aprendera a amar
em silêncio, sempre de atalaia quanto ao ruído, amávamo-nos temendo ser ouvidos, por isso, quando
muito tolerávamos o suave rumorejar das águas do Cunene mas de ouvido sempre
atento, não fosse algum raminho estalar e sobressaltar-nos porque então e num
repente, a mão abandonava prestes a cintura, a anca, o seio, o abraço, para
lesta segurar tensa a arma sempre ao lado porque a mim o medo me levava a amar
como quem procura a placenta, o ventre materno, e elas o pai ou a mãe que não
tinham, buscando em mim a paternidade, a segurança, a ternura e o amor de que
ambos éramos carentes e nos absolvia das imperfeições do mundo, todo ele prenhe
de preconceitos e juízos de valor, por isso nos calávamos, por isso nos
amávamos no segredo das nossas consciências, no segredo dos nossos corações.
Mas contigo eu queria amar sem medo Luisinha, contigo eu queria poder alardear este amor puro que me animava e te dedicava e ainda dedico, queria vivê-lo solto e em paz para que toda a gente soubesse e o festejasse como nós minha querida.
Esse Natal de 74 seria inesquecível, lembro os meus pais e eu próprio subindo a tua casa, pedindo a tua mão. A boda havia de ser marcada para a minha próxima licença, Agosto de 75, casaríamos a 9 desse mês e a 5 do mês de Julho do ano seguinte nasceria o menino, o nosso menino. É verdade minhas cuscas, somente dez meses depois do casório nasceu o petiz, portanto ela não ia grávida, não que não soubéssemos como se faziam os meninos, sabíamos e bem, mas porque quisemos manter os votos e a nossa pureza até ao casamento.
Com esta dos votos e da pureza é que vos fodi, como deverão então interpretar o parágrafo anterior ? Eu digo-vos, como quiserem, mas adianto-vos a título de curiosidade que tínhamos tido um acidente de mota na véspera do casamento, a Luisinha partira a bacia, estava engessada, sim a minha Luisinha custava a aguentar-se em pé, mas por nada quis desmarcar ou adiar a boda, havia muitos compromissos já tomados e todos os convidados de fora tinham já chegado. Eu só tinha arranhões nos pés, braços, joelhos, ancas e ombros. Portanto somente um mês depois o casamento foi consumado, somente depois do gesso tirado. Sim criaturas, os cintos de castidade não eram todos em ferro ou fechados a cadeado.
Depois ensinaste-me a amar sem medo, a amar-te descontraído e talvez por isso tenha sido ou julgo ter sido todos estes anos um bom marido.
Leio e releio o milhar de aerogramas que te escrevi, um por dia ou quase, mesmo sabendo seguirem só de quinze em quinze dias ou de mês a mês e guardados presos com um elasquinho na caixa das missangas, por motivos óbvios não pude guardar as tuas respostas meu amor, mas não espelhavam amor menos sentido que o meu minha querida.
Casámo-nos, não nos prendemos nem nos perdemos amor, libertámo-nos minha querida.
Da mata de Xangongo, Ombadja, Cunene, para meus pais, mana, irmãos, namorada e restante família. Fala-vos o segundo tenente miliciano Humberto Ventura Palma Baião para vos desejar um Natal próspero e um Ano Novo cheio de propriedades, beijinhos, adeus e até ao meu regresso.
A gravação ficara feita, não tivemos sequer tempo de a ouvir, mas confessa lá Luisinha, não esperavas, e nesse Natal tiveste duas das maiores surpresas da tua vida, foi ou não foi minha fofinha ?
Amo-te meu amor, amo-te e amar-te-ei sempre minha querida linda.
publicado integralmente pela primeira vez no Facebook em 7 de Dezembro de 2018 pelas 08:12h