718 - ESSA HISTÓRIA DO IMI NO CENTRO HISTÓRICO
Afivelei
um sorriso rasgado quando atirei os bons dias p’ra cima da mesa do café, mesa à
volta da qual todos conspiramos e cascamos tanto nos assuntos do dia quanto uns
nos outros e em especial em quem não está, ou mais precisamente em quem nem
está.
Agastado
com o tema sentei-me e nem abri boca, quedei-me para ali a ouvi-los; que o IMI
iria baixar alardeavam uns, que o IMI subiria alvitravam outros, puro
eleitoralismo chutou um terceiro, quando mexem nalguma coisa nunca é para
descer ó parvalhões, ajuizou um quarto. Alguns municípios nem o poderão descer
mesmo que queiram, por estarem submetidos a programas de recuperação financeira
como o PAEL lembrou a Anicas, enquanto me olhava como que pedindo a minha
concordância ou confirmação, colando a coxa à minha numa atitude tão
displicente quão desinteressada ou distraída, sabendo eu não dar ela ponto sem
nó, desde que há meia dúzia de anos o Albertino a deixara viúva e ela paulatinamente
recuperava os modos, o viço e a fogosidade de quando era muito mais nova (mau
grado a prótese que lhe sabíamos na anca), com resultados muito positivos
diga-se com toda a franqueza e em abono da verdade.
Fingindo
não perceber a coisa e evitando cruzar o olhar com ela, eu ia ouvindo uns e
outros enquanto cofiava a barba, quer dizer o queixo bem escanhoado, gosto da
barba feita à lâmina com a velha Gillette e de me perfumar depois p’ra ficar bem-disposto,
disposição que nem o tema do dia logrou retirar-me, há gente que nem sabe o
que perde por não ficar calada, enfim, parvoíces.
- E
tu Baião ? Que achas desta dança do IMI, p’rá i tão calado, diz lá à gente o
que
-
Acho bem, nem poderia achar de outro modo, os que podem aos que precisam, isto
já nem é IMI, é mais uma taxa de solidariedade, pelo que vou comer e calar, até
porque é como tudo o resto, a tendência será sempre para subir e não descer,
solidariedade meu, sabes o que é ? Faz a tua parte e cala-te.
- Eu fazer faço Baião, faz tu também o favor de levares isto a sério, e isenção de IMI no centro histórico o que dizes ? Também é coesão ? Também é solidariedade ?
-
Olha que são, ainda que em princípio te diga que todos os impostos sejam uma violência, porém
necessária nas sociedades que se querem civilizadas contudo, a partir de determinada percentagem passam a ser não somente autênticas obscenidades como
acabam por desmotivar quem trabalha e quem investe, prejudicando a economia. Essa
isenção no centro histórico é mais um erro disfarçado de solidariedade para com
os desgraçadinhos. Qualquer casa localizada no centro histórico vale mais que quaisquer outras em idênticas condições mas fora dele. Já vale mais, já é uma mais-valia para
o seu proprietário, quer a venda quer a arrende, rende sempre mais. Por quê
isentá-la ? Porque não se isenta o outro desgraçado fora do CH ? Isentar os prédios localizados no CH será meter os
outros desgraçados a pagar por quem já é mais beneficiado.
- Desculpa lá Baião mas és
um insensível, uma besta, por acaso sabes que há velhotes que nem dinheiro têm para
recuperar as habitações que possuem no CH ? Velhotes para quem essas habitações, a pagarem IMI ou mais IMI se tornariam um encargo insuportável
? Algumas tão degradadas que nem conseguem arrendá-las nem ao menos repará-las, as rendas nem para isso dão…
-
Olha filho, quem não pode arreia, não tenho que ser eu nem tu nem os demais
contribuintes a patrocinar quem tem mais bens ou bens mais valiosos que o cidadão normal, vendam a quem possa recuperar os prédios, metam o dinheirito no bolso e não
se encavalitem nas nossas costas. Esse tem sido o mal deste país. Quem beneficia
é que deve pagar, e pagar mais que os outros, e não menos. Desde que o que haja a pagar seja
justo claro e não o roubo habitual.
Boas vontades contam muito. Salvo erro foi assim que a câmara do Porto há uns anos recuperou toda a zona ribeirinha, e se não me engano também Vila Nova de Gaia trilhou idêntico caminho e hoje essas zonas estão um brinco !
-
Olhem a conversa deste cabrão hoje, acordaste com o cu destapado foi ? Tas
sempre mandando postas de pescada contra tudo e todos e hoje deu-te para a sobriedade e solidariedade foi ? Se fosses…
Não acabou a frase nem teria sido necessário, percebi-o claramente e volto a dizer de mim p’ra mim não se poder dar confiança a esta gente, a Anicas adivinhando-me o pensamento fez-me saber estar do meu lado e, encostando mais a perna, com qual por três vezes consecutivas fez mais pressão sobre a minha, deu-me um sinal que eu entendi perfeitamente. Para ser sincero a vontade que me deu foi dar-lhe um leve toque de cotovelo para que saíssemos dali deixando a canzoada a ladrar sozinha, quer dizer falando sozinha.
Vontade não me faltou, e tenho a certeza que nem à
Anicas faltaria, mas um homem tem que manter a sua honestidade, coerência e integridade,
um homem tem que saber estar e saber comportar-se, que diriam todos da nossa
atitude ao ver-nos abalar os dois ao mesmo tempo ? Só quem não os conheça
errará a resposta, e quem os não conhecer que os compre…
Refreei-me
evitando polémicas e nem respondi ao alarve.
-
Vejam ali na Tv. a nota de rodapé que está passando, alertou com urgência o
Faustino, «o desemprego mantêm-se em 9,4%…», e enquanto se mantiver alto, e
mesmo baixo que seja, se não produzirmos mais os impostos jamais descerão, IMI
incluído, o país, os ministérios e os municípios, estão pejados de funcionários
públicos aos quais é preciso pagar, e depois de se lhes pagar não sobra um
tostão nem para mandar cantar um cego, isto meus amigos, pagar impostos, é
solidariedade como disse e bem o Baião, contando que essa solidariedade dê também para o que
é sumido nos bancos falidos, na divida cega, na fuga aos impostos, na corrupção
generalizada de que ninguém tem provas nem culpas, nos milhões que a incompetência queima
e a irresponsabilidade faz desaparecer…
-
Ora, mas ao menos consomem, mantêm a economia funcionando, não é o que se diz
agora ? Que é necessário aumentar o consumo interno ? Estes consomem, ao menos
consomem, se estivessem desempregados seria duas vezes pior, repenicou a Teresa
do alto do seu poleiro e que o facto de ter sido sindicalista lhe consentia e a
obrigava.
- Ó
minha menina, naturalmente tens razão, condescendeu o Faustino já agastado,
desempregados seria duas vezes pior, então do mal o menos, e sempre seriam mais
dramas quando eles nem são culpados da trampa em que os nossos políticos nos
atolaram a todos, mas se fossem funcionários do sector privado estariam a
produzir e igualmente a consumir, estás vendo a diferença ? É que o óbice da
coisa ou das coisas é precisamente a não produção !
-
Ora essa, então não produzem ? Voltou a Teresa à carga.
-
Claro que produzem sosseguei-a eu, pouco e mal embora a culpa não seja deles,
eu diria que o funcionalismo público funciona “abaixo da capacidade instalada”,
mas sim, produzem, ou induzem, algures a montante e a jusante sempre ajudarão a
algum consumo, e a alguma produção, mas com o investimento público e o privado
quase inexistentes que têm para fazer ? Os homens ainda se podem dar ao luxo de
coçar os ditos cujos, e elas ?
Foi
demais, fui longe demais e talvez a tenha ofendido, virou-me as costas sem retrucar
e desandou…
Mas
é a verdade, não por sua culpa mas alimentamos um funcionalismo público pesado,
quantas vezes burocrata, ineficaz, que por vezes complica em vez de aclarar, e
cujo consumo, tal como o privado, não poucas vezes é canalizado para fábricas
alemãs, francesas, italianas e japonesas de automóveis e motas, material para
fotografia e reprografia, consumíveis e uma plêiade de importações que nos
afogam, é a nossa sina, a nossa solidariedade funcionando e o estrangeiro agradecendo...
Contradição
? Mas se o país vive delas, está cheio delas ! Que dizer quando na Tv. nos
apresentam a recuperação do ramo imobiliário como se de sucesso ou de construção
civil se tratasse ? São compras e vendas, na sua maioria especulações, comprar
por cinco e vender por dez, aplicar o dinheiro que foge aos juros e que no
banco não rende, ou a ser sumido nos bancos falidos e nos que irão falir, o
imobiliário é não somente o novo IEFP mas é sobretudo o colchão do aforro luso, são aplicações ou investimentos
financeiros destinados a dar segurança ao capital.
Essas aplicações de capital não
passam de subtis ou declaradas fugas à irresponsabilidade e incompetência dos
nossos políticos e gestores e, qualquer dia, nem um porquinho capitalista
meterá um tostão furado neste mealheiro à beira-mar plantado... Alguém acredita
por exemplo que o incremento na venda de automóveis, especialmente verificado
nas marcas premium seja um sinal de pujança da economia ? Contudo é assim que
nos vendem estes factos…
Anda
daí Anicas, tá na hora de almoçar e estou fartote de aturar estes palermas.
Temos
que falar…
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