terça-feira, 4 de julho de 2023

790 - PUDESSE EU PENDURAR UM NO PEITILHO

 



PUDESSE EU PENDURAR UM NO PEITILHO ...


Apetecia-me um queijinho,

de leite e iogurte ouvi-a dizer.

 

E a mim um brochezinho,

havia-os na feira,

lindos,

em arame fino fininho,

cavalinhos, golfinhos,

elefantes, macaquinhos.

 

Pudesse pendurar um no peitilho,

alfinetá-lo no quico ou no boné,

fazer dele um porta-chaves,

era de delirar só de neles pensar.

 

Eram giros os broches lá isso eram,

feitos c’um alicate pequenino,

e mão destra, manápula,

torcendo e retorcendo o fio,

filigrana de arame e sedução.

 

Também podia tratar-se duma imitação,

de esmeralda, feita à mão,

ou ostra, de preferência com pérola,

perlada, trincada entre os dentes.

 

Ela numa cama baixa, de avental,

no ar brochezinhos lindos,

esvoaçando,

em arame fino fininho,

cavalinhos, golfinhos,

elefantes, macaquinhos,

gatinhos e unicórnios.

 

Tudo pulando e saltando no seu colo,

entre rolos de araminho e

um alicate pequeno, pequenino,

as ideias esvoaçando,

a inspiração brotando,

e nas mãos delas cada broche arte,

handcraft, fait à la main, handgefertigt,

maravilha.

 

Eu olhando-a e sonhando,

perdido nos meus pensamentos,

handcraft, fait à la main, handgefertigt,

ela molhando os lábios,

torcendo a boca, babando-se,

mordendo a língua,

comprimindo o alicate,

manipulando-o, manuseando-o,

e repentinamente um clik !

 

Ponto final,

o araminho cortado,

o broche acabado,

ela desdobrando as pernas,

exausta,

esticando-se na cama baixa,

estirando-se,

admirando a sua obra,

a sua criação,

desta vez um lindo pavão.

 

Por isso eu vira cores,

sentimentos,

sensações,

nuvens,

trovões,

o arco-íris,

e no final um relâmpago.

 

Íris, Osíris,

a terra e o céu um só,

a vida irrompendo

sob a forma d’um pavão,

das suas mãos, da sua arte,

destarte, dessarte,

não é para todas…

  

                      




 

 


terça-feira, 27 de junho de 2023

789 - BERTINHO, O COWBOY DA MEIA-NOITE !!!

 

 

Dia de sorte, a fila para entrada no híper teria umas três pessoas, pelo que mais de uma hora antes do que eu pensara estava aviado e de novo cá fora curtindo o sol. Telefonei-lhe,


- Mas Berto, porra pá, mesmo agora acabei de me sentar e de levar a primeira tesourada, não me irrites amor, não há por aí táxis a jeito querido ?


Bem demais sabia ela que havia táxis a dois metros, fiz sinal a um, carregámos os sacos e ala para a Cartuxa. Não estou certo de ter sido o seu instinto de sobrevivência ou o meu espírito de provincianismo parolo o culpado, por isso é difícil dizer quem foi o ingénuo e o matreiro, o predador e a vítima. Ele fora o primeiro táxi que me aparecera a rodar livre, ele, a raposa desta história e, montado ao volante dum carro mais que aceitável entabulámos conversa directos à Cartuxa. Depressa p’lo discurso nos identificámos como apoiantes ou não de diversos assuntos e personalidades da nossa atribulada e desgraçada vida politica até que, chegados, me apressei a pagar-lhe a corrida e puxei duma nota de dez euros para pagar seis e meio. Até que não fora cara a corrida, teria ido a pé caso estivesse em compras, de fato de treino e com vagar para uma marchazinha de trote a galope. Eu dissera-lhe que lhe daria um euro e meio em moedas para lhe facilitar o troco e ele, já de nota de cinco na mão estendida para me devolver aguardava que eu pescasse as ditas moedas no meu esquisito porta-moedas.


Demorei algum tempo mas por fim lá as separei e lhas passei para a mão, missão cumprida, agradeci e desci com pressa pois ainda havia que descarregar o carro, depois, arrumar convenientemente todas as compras na despensa, garagem e garrafeira iria ocupar-me parte considerável do dia pelo que somente passada uma hora ou mais recordei que a mão estendendo-me a nota de 5 euros já lá não estava quando lhe passara as moedas. Nem a mão nem a nota. Nesse entretanto, toma troco, toma moedas, toma nota, devolve outra nota, algo mais próprio de um ilusionista batido se passou, já repararam no que foi ou qual terá sido a manobra ou estarão tão distraídos quanto eu estava ? E será que ele contava já com essa distração ? Terá sido golpada ou meramente cabeça no ar, parvoíce minha ? Sinceramente não sei. Pensando bem na coisa, e se a golpada se repetir dez vezes ao dia, e o dia tem oito horas ou mais de trabalho, portanto muitas oportunidades para a repetição da gracinha, o ilusionista tirará mais uma boa renda mensal.


Mas estou a delirar, não passou de provincianismo meu certamente, e acabei por nem lhe levar a mal a palmada que me deu ou que lhe consenti. O mundo não pertence a quem anda a dormir na forma, pertence a quem tem olho… Naturalmente e depois desta manobra de que fui involuntariamente vítima colaborante veio-me à memória um velhinho filme visto por nós há muitos muitos anos, O COWBOY DA MEIA-NOITE, cujo personagem principal, Dustin Hoffman, interpretando a figura de Rato Ratso tornou esse filme inesquecível, aliás inolvidável até pela banda sonora, e recheado de personagens com os quais rapidamente simpatizei. Como levar-lhe então a mal a golpada ou a minha distração ? Tinha o nome numa chapa no tablier, lembrei-o e sorri.


O futuro ficou, e mercê do vírus, do confinamento, das restrições sociais e do medo fiquei eu repentinamente d’uma estreiteza aflitiva e opressora, e qualquer contrariedade despoleta em mim uma onda de ansiedade e tristeza cuja emoção me fragmenta os sentidos e o ego. Tento não sucumbir nem reagir violentamente à percepção paranóica das coisas e das pessoas, todas elas agora me parecendo perigos reais ou situações a temer e, inda que saiba quão circunstanciais e imaginárias poderão ser as razões para essas sensações de sufocamento, o peito apertado, a insegurança vívida, a falta de humor, a revolta e os ressentimentos.


Não é por isso que subjugo a dor, iludo a solidão ou recuso a temida morte. Quantas noites e estremecimentos padeço só eu sei, quanta inquietude apreensão terei capacidade para suportar veremos, quanto martírio me torturará ainda nunca saberei, tudo que seja aflição, agonia, tormento e atribulação colocarei na conta do deve e haver desta catarse que abnegada ou resignadamente aceito mas contra a qual ergo os punhos ao céu. Sim eu sei, é o preço da minha condenação e aspiração à liberdade, como homem estou condenado a ser livre, vivo e respiro o livre arbítrio, sei-o agora, conheci agora o seu preço, o preço ou o valor desta condenação irrevogável à liberdade que todo o homem paga por ser condenado e por ficar livre. A maçã comida no Paraíso saiu-nos cara. Era agreste este mundo, pior ficou assim repentinamente virado de pernas para o ar, cresta-nos toda uma vida, todo um futuro. Nem é mundo que queiramos, nem vida que desejemos, sabemo-lo.


Tão bem o sabemos que tudo fazemos por ignorar tanta parvoíce, tanta estupidez, precisamente o que não podemos fazer, precisamente o que de mais errado poderíamos fazer. Quanto mais nessa ignorância e alheamento teimarmos mais a coisa parecerá afundar-nos. Ilusão. Quão gritante e desesperante ilusão. Estendemo-nos as mãos num gesto derradeiro que forças ocultas parecem recusar-nos até em sonhos. Medo, desconfiança e desesperança parecem unir-se pra que não nos realizemos p’ra que jamais se concretize a nossa mínima esperança.


Cerceia-nos o desânimo e, o desespero mais frustrante torna toda a vida social parada, vidas paradas, carreiras paradas, maternidades adiadas, maiores idades adiadas, o establishment instalado está fazendo dos homens crianças tontas, incapazes e irresponsáveis. Repentinamente a minha vida, a nossa vida tornou-se tão frustrante quanto o calor dum sol benfazejo sob o qual buscamos comprazer-nos em dia tímido de céu azul em que nos atrevamos a sair à rua, dar dois passos no jardim do bairro, respirar o ar puro, sem máscara, um ar saudoso onde nem pontilham flocos brancos, algodoados, antes castelos, brancos, negros, cúmulos, nimbos, e prenúncios exasperantes dos dias jamais cumpridos mas por cumprir por neles se alojarem as metas que almejamos atingir.


Não sonhes, não sonhemos, recusa sonhos, ilusões e devaneios, pois isso é tudo quanto o futuro tem para nos dar por estes dias. Para cada um de nós o futuro traçou um caminho a seguir, um silício, um suplicio imposto como via única, solução única, e força-nos a cumprir esse mandamento único debaixo da dureza dos dias que se vivem, no tempo e vida que nos resta, que o soframos na pele com a mesma abnegação, intimidade e segredo com que guardávamos para nós os sonhos de esperança outrora contemplados, pior que tudo o futuro espera de nós uma rendição incondicional. E onde o lugar para a coragem e a esperança ? Não, não podemos soçobrar nem desistir, nem nos pode ser consentido acreditar nem aceitar a pressão desta força invisível nem o caminho imposto, o mundo nunca foi isto, este negrume qual nevoeiro rasando o chão e envolvendo a plebe, o lumpemproletariado, a escumalha, a ralé, a classe, o mundo sempre foi e terá que voltar a ser a esperança pendendo da mesma frondosa árvore cuja sombra os nossos sonhos sempre acoitou e terá que continuar acoitando.


Não aceitemos este mundo bivalente e dual mais curto que extenso de agora, nem éden nem utopia oferecendo-se-nos como uma maçã no paraíso, ele nem foi feito para nós nem tem espaço para que nos cumpramos. Sim aceito, é ressentimento e dor também por não conseguir esquecer-te, é como um feitiço sobre mim caindo e revolvendo-me numa inquietação obscena. Nem sei quanto nem quantas vezes te ofendi por palavras e actos, nem quantas te relembro ouvindo e sorrindo nostálgica numa ternura impaciente tudo que eu dizia. Sonhemo-nos como quando enamorados e a tua respiração quente no rosto me enternecia, leva-me de novo a olhar-te no fundo dos olhos, a beijar-te terna, docemente, e, num longo e aconchegado abraço chega a mim o teu peito arfando no qual desejo de novo perder-me e afogar-me. Deixa que as mãos vogam pelas tuas coxas quentes e sedosas, aperta-as como fazias, aperta-as agora com mais força, como quem prende o futuro e o desejo numa avidez não saciada que me faça esquecer o exasperante e sofrido passado que nos infligimos, solicita-me que avance e te descubra tal como quando eras para mim um oceano por desvendar e me perdia deslumbrado, extasiado na premência de ti e de mim, e te percorria suavemente as curvas dessa imagem que ainda me tolhe, que ainda me tolda os sentidos.


Sim amor, salvemo-nos enquanto é tempo querido, acaricia-me o peito, que a tua boca de novo me sugue num ímpeto que juro te devolverei, faz-me tremer novamente de emoção, afaga-me sofregamente os seios endurecidos cujo odor sempre adivinhaste e adoraste enquanto os teus dedos por mim passeavam colhendo o cheiro inebriante duma oferenda, qual dádiva sacrificial de quantas promessas jurámos e cumprimos, porque afinal, e não o neguemos, existem sonhos, desejos, ilusões, sentidos e emoções a partilhar.


- Berto, que jamais sejam por nós travadas as promessas, nem as esperanças, falam numa nova ordem social e embora sabendo contudo quanto de difícil, senão impossível se nos depara, recusemos todavia abdicar, reneguemos o momento, sonhemos a realidade, sacudamos do jugo as novas imposições com que montando o medo do vírus nos querem albardar. Cada um de nós tem um caminho a seguir, sigamo-lo sem nenhuma ilusória intimidade, antes concreta e assumida, partilhemos e cumpramos conscientes o pouco que de inolvidável possamos ainda viver e jamais esqueçamos tudo a quanto platonicamente aspirámos e viemos a cumprir. Querido aceitemo-nos, cumpramo-nos na certeza do que somos e temos, porque ainda que confinados, condicionados, a verdade é que desde sempre nos pertencemos. Porque embora o não queiramos, aceitemos que afinal há longe e há distância mas também futuro e esperança, reconheçamos quanto de impossível nos separa e não deixemos que um vírus, um mero vírus nos vire um contra o outro e muito menos a vida. Bertinho amemo-nos. E vivamos sem tormentos e plenamente felizes vidas cheias, preenchidas, vidas ! Chegou a Primavera tempo de luz e de esperança, que seja como sempre foi, de criação e abastança, de planos, sonhos e quimeras.


Sim, também eu fiz planos, que planifiquei e organizei, pois saibam ter eu comprado também uma agenda p’ra apontar os sonhos, sonhos, desejos, tudo que planeei. Sim, ouvira na esplanada alguém, penso que um ilustre magistrado, dizendo que, desde que as partes o desejem, até em cima de uma agenda, ou deitados… Deitados, em pé, coitados de nós querido. Coitada de mim e do meu sonho, desejo inventado, sonho e desejo de gnomo. Fossem gnomos ou elfos, qual o interesse agora, depois de dar ouvidos a Delfos e por não querer vê-los a todos deitados borda fora.


 Tende juízo augurara a pitonisa, liga a bateria, os piscas, as luzes, dá corda aos sapatos, aos patins, piramiza, dedica-te à poesia, ironiza. Ironiza e brinca, esquece, distrai-te, nunca afies o dente que não trinca, vai para o café mandar bitaites. Apaga a luz, esquece a musa, não mates a cabeça, usa-a, entala o pescoço numa eclusa, exorta a vítima em ti, exorta-a. Castiga-te, bebe um café, sê masoquista, narcisista já és, e convencido, e egotista.


Berto tens muito por onde te entreter, a Primavera é grande, mortifica-te a valer e poupa-nos, sai desta land. Desopila, emigra, não atormentes, faz-te à vida, dá paz às gentes. Já se não vendem agendas meu querido parvalhão, só tablets, notebooks, vives ainda no tempo das gregas calendas, detestas o McDonald’s, o Starbucks.


Apesar da noite de breu que sobre nós se abateu, de toda a vida que nos mudaram, alteraram, do medo, do controlo, das imposições e explosões de fúria, amo-te ainda e ainda te sonho minha querida. Quantas vezes te sonho apertando-te egoisticamente contra mim, protegendo-te, defendendo-te desta sina ameaçadora pairando sobre nós, nuvem escura, polvo, monstro em fuga ante o meu grito, aqui neste mar de tristeza mando eu, eu e tu meu amor a quem cegamente amo, porque tu albergas no teu sorriso um mapa de viagem, o teu olhar perde-se em distâncias prometidas, na tua tez, beleza e coragem de jovem pajem, tua flor tomo por jazida de riquezas e mistérios mil.



sábado, 17 de junho de 2023

788 - O PROMETIDO É DEVIDO, OU DE VIDRO ??




Esperando, iria,

mas, o que esperar sabendo,

não, nem me incomodaria,

ficar-me-ia, ia retendo …

 

Retendo a esperança,

que não se adapta,

que não engancha,

que nem sem enquadra.

 

Vocifero, vocifera,

reclamo, reclama,

exaspero, exaspera,

rebenta a confiança.

 

Não acha graça,

não ri,

não salta,

nem encaixa.

 

E a ternura…

já feita…

é só mesura,

e é suspeita.

 

Tudo no ar,

é tudo armado,

indo a calhar,

serei espreitado.

 

É o destino,

andar perdido,

se não atino,

estou fodido.

 

Junho de 2023 - Humberto Baião




segunda-feira, 29 de maio de 2023

787 - SE REPENTINAMENTE, INSOLENTEMENTE.


 


   Se repentinamente,

  insolentemente,

te colocasse um broche ao peito,

e voltasse a cavalgar a esperança,

a esperança naturalmente,

de novo a jeito.

 

As pernas nos meus ombros,

a vida pulsando, o sangue quente,

eu erguendo-me dos escombros,

a vida de novo um pleito,

um pleito,

a esperança, a esperança,

o peito inflado, direitos os ombros.

 

E eu um outro, e eu o mesmo,

a cabeça um torvelinho, um torvelinho,

as pernas, uma tenaz,

corpos, choque, tudo a esmo,

braços, pernas, um mindinho,

e eu aqueloutro, um rapaz,  

ganhando vida, ora homem feito.

 

Reconstruido, sim, reconstruido,

rabo para dentro, peito p’ra fora,

andar direito, vencido o pleito,

erecto, altivo, orgulhoso,

o olhar um carinho morno,

e o riso, o riso, o sorriso,

 e outro, 

todo eu um outro…




sábado, 27 de maio de 2023

786 - VERDADEIRAS FÁBRICAS DE CERA, * TACHOS, GANCHOS, BISCATES, ARRANJINHOS

          



          A arenga de hoje gira em redor e a propósito de uns mapas de acumulação de funções, inerentes à CME e referentes ao ano de 2020 que abaixo exponho. Trata-se mui naturalmente de uma listagem oficial, para apresentação ao Tribunal de Contas (TC) e certamente em nada secreta, isto é não envolvendo quaisquer segredos de estado ou do distrito.

 

Para mim aqueles quadros, listando trabalhadores autorizados a exercer funções noutros serviços, noutros locais que não a CME, são mais uma daquelas burocracias, e leis, com que a AR carrega as câmaras, desta vez não tanto para haver um conhecimento de quem, quando e onde cada funcionário com um pé dentro outro fora acumula funções, ganchos, biscates, mas, mais subtil e tacitamente para autorizar a coisa e cada um poder legalmente, ao abrigo de uma lei, ter e manter os seus tachos e arranjinhos sem problemas de maior nem de menor escala. Uma lei que mais não serviu que para branquear uma siuação que hoje, como então, está mais escura que nunca.

 

Eu fora tratar de tirar umas dúvidas nos serviços camarários mas a coisa correu mal, tirei a senha errada e logicamente fui parar á secretária errada, que por sua vez me remeteu para uma outra secetária, quase ao lado que duma vez por todas me atirou lá para cima, para um gabinete que gentil e cabalmente me esclareceu quanto ao problema que ali me levara.

 

Mas neste jogar às três tabelas esquecera um livro, um jornal e uma revista numa das secretárias frente à qual me tinha sentado meia hora antes, voltei lá e logo sorriram para mim estendendo-me a literatura esquecida antes mesmo que eu por ela perguntasse.

 



Estaria tudo bem não se tivesse dado o caso de, ao chegar a casa e abrir o jornal me deparar com uma série de fotocópias dos mapas a que acima aludi, que mirei com curiosidade quádrupla, que significavam ? Como, quem e por que motivo tinham vindo parar dentro daquele meu jornal ?

 

Depois de jantar debrucei-me finalmente sobre os ditos mapas, tendo reparado que, por erro no primeiro deles, propositado ou não, se entende mal o período a que a situação reporta, pois há imensas situações de provimento designadas na data de 2022, o que não se coaduna com a data a que o documento supostamente reporta, o ano de 2020. Porém será certamente erro de interpretação da minha parte, a CME não enviaria ao TC um mapa com erros crassos.

 

Observei que os contratos de trabalho estabelecidos com os funcionários camarários em causa são de natureza diversa, uns a termo certo, outros a termo indeterminado, e que os valores pagos anualmente, apresentando uma grande disparidade entre situações e vencimentos auferidos oficialmente (estou a lembrar os quadros superiores cujo vencimento oficial é mais ou menos equilibrado e aqui apresenta oscilações incompreensíveis para os leigos na matéria) mas tenho que admitir desconhecer a natureza e a letra dos contratos estabelecidos, razão à qual as disparidades se poderão atribuir.

 

Não será por aqui que o gato irá às filhoses mas, sendo aqueles valores o vencimento oficial de cada trabalhador ali listado (a maioria ou muitos deles técnicos superiores) e exercendo um cargo remunerado na CME, isto é, mantendo na CME um emprego que naturalmente não abandonam, através “desta lei" arranjaram modo de dedicarem a uma outra ocupação o seu precioso tempo, complementando o vencimento com um biscate, isto é acumulando trabalho e responsabilidade, provavelmente descansando mal para melhor viver ou, em último grau não descansando mesmo, o que me leva a tecer sérias preocupações quanto à saúde dos funcionários da CME, destes incansáveis funcionários claro.

 



Outra coisa que naturalmente me causou apreensão foi o facto de ter visto logo à cabeça de um dos mapas o nome da filha de um antigo presidente da edilidade, Sara Fernandes, seguido de Hugo Fernandes (irmão ? ) o que, confesso tê-lo feito com alguma maldade, me levou a pensar se não teria sido dado um lugarzinho a toda a família… Julgo poder natural e justamente interrogar-me se estas situações consubstanciarão ou não uma benesse ou favorecimento a alguém. Tenho a certeza que estas situações não comportam favorecimentos familiares, partidários ou quaisquer outros. Mas, se estes mapas são públicos, porque nunca deu a CME uma satisfação ao que eles apresentam/representam ?  Por nunca lhe ter sido pedida ? Por ficar de consciência tranquila quando envia esses mapas e não ver necessidade de dar explicações ou satisfações sobre isso ? Por ser tudo transparente e nada haver a temer ou de que duvidar ? Ou o artificio legal dos mapas permite às claras que a coisa seja camuflada ? Escondida propositadamente ? Não acredito, não creio em tal mas já lá iremos...

 

Qualquer um notará observando tão claros mapas que muitos dos lugares ocupados na situação de acumulação dessas funções que designo por tachos, ganchos, biscates ou arranjinhos são lugares privados e, com a vida privada de cada um não se brinca, logo nada teríamos a ver ou a opor. Mas, em que dias e em especial a que horas são exercidas essas funções extra CME ? Há situações em que muito claramente os horários das funções oficiais na CME e os horários das funções exercidas fora de CME e em cada uma dessas instituições, privadas ou não, não parecem adequar-se, ou compatibilizar-se. Trabalham num “gancho” fora de horas nas horas de serviço ?

 

Sendo que algumas dessas instituições ficam bastante longe de Évora, como conciliar tempos gastos a percorrer os percursos, ida e volta, mais o trabalho normal na CME e o anormal no “gancho” com as meras 24 horas que o dia tem ? E a enorme responsabilidade que alguns desses ganchos exigem permite-lhes que em meras horas por semana ou por mês a função seja cumprida ? Sem prejuízo da prestação do horário laboral nem no tacho nem na CME ? Temos que admitir serem muitas destas situações altamente duvidosas quanto a este item.

 

Na maior parte dos casos não é indicado nesses mapas algum ou quaisquer valores recebidos pelas funções exercidas ao abrigo de tachos, ganchos, biscates ou arranjinhos. Não é obrigatória essa declaração ? Trabalham Pro-Bono ?  Fazem tantos quilómetros e trabalham tantas horas estes bem aventurados para não terem qualquer compensação material ou monetária ?

 




Seria bom que alguém já tivesse solicitado, e alguém proporcionado, um cabal esclarecimento deste assunto, para que interrogações como as que trás deixei expostas, (naturalmente melindrosas, até naturalmente erradas) não perturbem nem chamusquem o normal funcionamento da CME e muito menos a dignidade dos seus funcionários e concomitantemente de todos os funcionários públicos do Distrito e do país. Com tanto deputado municipal, tanta rádio local, tantos jornais, com tantos órgãos de comunicação e meios para tal, e passados tantos anos, ninguém se lembrou, a ninguém ocorreu questionar a edilidade sobre tão aparentemente candente questão ? 


Partindo do principio de que a CME tem funcionários a mais e trabalho a menos, atendendo a que o concelho está “parado” e em retrocesso há muitos anos, poderá acontecer que muitos funcionários ao abrigo de uma lei que lhes permite fazer umas horas “extra horário oficial” passem na realidade os dias fora do local de trabalho ?  Não poderá acontecer estarem a tapar-se com esta lei ? Não será que se estão tapando uns aos outros ? E em último grau serão para além disso e de tudo tapados pelos próprios colegas e amigos dentro da edilidade ?

 

Uma coisa é verdade, Évora é a cidade mais pobre do país, a mais atrasada do país, capital da província menos desenvolvida, a CME é uma das edilidades que demora exageradamente os licenciamentos, a menos amiga do investidor, aquela em que técnicos e gabinetes parecem arranjar um problema para cada solução que lhes é proposta, não estará nesta lei que permite tachos, ganchos, biscates e arranjinhos a culpa do nosso atraso e subdesenvolvimento ? Porque demoram na edilidade a dar resposta a quaisquer assuntos que lhe coloquem ? Os técnicos acumulam papelada para despachar sem que para a mesma tenham tempo para dar despacho, ocupados que estão com as suas responsabilidades nos tachos, ganchos, biscates e arranjinhos  ?

 

Cada vez tenho menos dúvidas quanto á necessidade que temos de lutar pelo direito ao lockout por parte do estado e autarquias, quanto á necessidade de despedir legalmente quem esteja a mais, quem não dê rentabilidade. Quantos serviços do estado, dependências de ministérios (ocorre-me meramente a titulo de exemplo o IFADAP, a delegação do Ministério da Economia, mas há mais, há muitos serviços do estado nas mesmas condições) é que estamos a engordar sem qualquer proveito para mais ninguém que não eles mesmos gente cuja preocupação se centra, não na criação de riqueza para a cidade, desenvolvimento para Évora, criação de emprego e de oportunidades para jovens e menos jovens, mas no bem-estar de si mesmos, e isso é inconcebível, é inaceitável e é inadmissível. Funcionários parados sim, improdutivos sim, um peso sim, mas muitas vezes, se não todas, sem culpa pela situação em que se encontram devido à ineficácia e incompetência governamentais que se arrastam há 49 anos, quer por parte dos governos centrais quer das autarquias.

 



Amigos, eborenses, abram os olhos, fiquei com a impressão de que a CME não passa de uma enorme e verdadeira fábrica de cera, e de que andam há 49 anos a comer-nos as papas na cabeça... Onde e como foram consumidos, ou sumidos os milhões que, recebidos a título do princípio de subsidiariedade nos meteram nas mãos ? Se esses milhões vieram para ajudar ao desenvolvimento por que não ocorreu esse desenvolvimento ? Gastámos perduláriamemnte tanto dinheiro que acabou por não nos aproveitar nem aos comptriotas de outras cidades que no-lo enviaram ? E ninguém sentiu vergonha ou se importou com isso ? 


Será por isso que a população diminui ?  Os eborenses fugirão daqui por termos tecnicos superiores competentes, isentos, motivados, atentos, interessados e disponiveis ? Será que ao serem ocupados dois lugares pela mesma pessoa não estará a ser ocupado ou roubado o "lugar" de outro alguém ?  Portugal estarará em crise por mero acaso ?  Ninguém terá culpa do nosso atraso ?

 

Bom fim-de-semana, e desculpai-me, 

tenho que apanhar o comboio.......................

 

                           Évora 26 de Maio de 2023

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MAPAS DE ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES CME ANO DE 2020 Lista de trabalhadores autorizados a exercer funções noutros serviços, isto é noutros locais que não a CME.