... Voltando a
Júlia, voltamos a Júlia no sentido de observar o que faz ultrapassado o repúdio
por Delfina, vamos encontrá-la bebendo um cacau quente na cozinha da pensão do
Chiado antes de deitar-se, banho tomado, pantufas, pijama de verão et negligé,
quando vindo de volta tardia surge aparecido não se sabe de onde um tal
Benvindo e que mal entrou, vendo-a pessimamente sentada, não se contendo lhe
disse:
- Menina, perdoe-me mas isso não é
posição para estar à mesa nem para estar sentada, ou devo dizer minha senhora ?
Júlia virou a cara e olhou-o medindo-o
dos pés à cabeça enquanto ele amenizava a entrada e se apresentava, Floriano
Benvindo, enfermeiro de recuperação, às suas ordens, e que em boa verdade
logrou a tranquilidade pretendida, ela acalmou o íntimo, perguntou se era
hóspede novo ao que ele respondeu, novo sou mas já há umas seis ou sete semanas,
tendo-se ela penitenciado por não ter dado por tal, a profissão sugá-la-ia,
exigia-lhe muito, talvez demais, mais a mais estava na origem daquela posição
estrambólica, a coluna toda torcida admitia, mas era o modo de sentir menos
dores, estava mortinha por se deitar e tirar-se o peso de cima, de cima da
coluna esclareça-se, tendo-se ele condoído, aproximado e, colocando-lhe as mãos
sobre os ombros com os polegares apontados para nuca lhe perguntou:
- Posso ?
E quando do posso já as suas mãos de
fada ou de mago a massajavam ligeira e levemente, ela sentiu de repente o
alívio, sorriu para dentro, depois para fora soltando uma gargalhada e:
- Isso faz mesmo efeito, e eu que não
acreditava.
Pelo que ele, deixe-se estar, solte-se
não se contraia nem enerve, o stress retesa os músculos e ao fim do dia é
natural que lhe doam, ela aliviada e agradecida tombou a cabeça sobre a mão
dele, que deslocou as caricias para os cabelos que devagar devagarinho lhe
afagou com os dedos em pente, a ponta dos ditos massajando-lhe o couro
cabeludo, nada de admirar, enfermeiro de recuperação, digo fisioterapia,
artista nas massagens, um perigo em certos dias, mormente em dias como hoje em
que Júlia carrega consigo maior disposição para o abandono e está naqueles dias
do mês que antecedem a TPM, logo mais receptiva, de espírito mais aberto à
aceitação de novas experiências, daí a cabeça deixada cair não casualmente, não
inadvertidamente mas premeditadamente, lubricamente, uma raposa cercando a
presa, levando o Benvindo a ir, ou a vir, mas fazendo-o acreditar ter indo ou
vindo pelo seu pé, quando não passou de uma marioneta que Júlia manobra através
de fios invisíveis habilmente manipulados e mais valia que o pobre Benvindo
quer vá quer venha se chamasse Roberto, Robertinho, como o teatrinho de
fantoches em que ela o está a enfiar, a meter, a introduzir, não, nenhuma
destas palavras pois carregam uma conotação fálica nada despicienda, vamos
antes socorrer-nos de inserir, de qualquer modo ainda longe do vocabulário
ideal mas mais profilático, o ideal será encontrar a palavra certa, a indicada,
a precisa, precisa no sentido de perfeita, já que o vocabulário português é
rico, riquíssimo de sinónimos, contudo tal qual no caso das chaves existirá uma
para cada fechadura também agora existirá uma palavra mais atinada à situação e
nesta seria avisado utilizar prioritariamente persuadir pois é disso que se
trata, Júlia, jovem, madura mulher, sente o apelo da selva e tece pacientemente
a sua teia, a teia onde ele jovem e maduro macho deixará de pensar e cairá,
portanto trata-se de o persuadir a percorrer o caminho até ela, até à sua teia,
e mais que apontar-lho, sugerir-lho por meio de gestos, atitudes, ações
subreptícias, trejeitos em que as fêmeas são mestras e apuraram ao longo de milhares
ou milhões de anos e que o cegarão até ser trespassado pela vontade delas, pelo
desejo delas, tudo tão bem premeditado, conduzido, orquestrado e encenado que
no final ele julgará que a trespassou a ela com o seu falo viril e
desembestado, puro engano, ele nem viu a gigantesca estratégia que ela montara
em seu redor envolvendo-o numa nuvem de feromonas as quais, de mãos dadas com
as suas próprias hormonas o levaram ao cadafalso se cadafalso lhe podemos
chamar, coisa tão boa pela qual todos suspiram e dão ais mas, voltando aos
nossos pombinhos que brincam aos doentes e aos médicos, ou enfermeiros para o
caso não interessa e nem pensem vir com conversa escusada um momento destes, um
momento em que ela, matreira, diligenciará para que negligentemente o negligê
lhe caia dos ombros deixando-os quase nus e ele possa livremente exercer o seu
mister, a sua arte, e agora a cabeça que lhe tende para o outro lado enquanto
solta uns suspiros, uns ais, é certeiro, não dissera eu? Ele embala, um suspiro
daqueles é satisfação, é convite, não hesita nem teme, aquilo foi
consentimento, encorajamento talvez, vai avançando cautelosamente, apalpando o
terreno, medindo cada passo, não quer sair de terra firme, ela dá uma
gargalhadinha e descontrai os braços, assim já ele poderá meter as mãos por
baixo deles e chegar onde sabemos, ele contorce-se, o corpo cresce-lhe e já não
lhe cabe onde o guardava, debruça-se sobre ela, beija-lhe os cabelos, sem o
saber inspira-lhe profundamente as feromonas, bichinhos invisíveis que as fêmeas
soltam aos milhões e se nos apoderam do cérebro, tomam conta da razão e adoram
altas velocidades, ruboriza e sente-o, são as hormonas aos saltos mas nem ele
Benvindo enfermeiro experiente agora dá por isso, ou dá mas não está capaz de
somar dois mais dois, ela ergue-se, ele acompanha as linhas do seu corpo dos
ombros às ancas, demora-se mas não pára na cintura fina para que ela sinta
quanto ele aprecia a sua beleza, é esbelta Júlia, mas apressemo-nos e deixemos
isso agora pois já as mãos dele sobem sequiosas aos sovacos, dali para o peito,
puxa-a para si sopesando-lhe os seios, arfando hirtos, os biquinhos que ele
tacteia com quanto carinho lhe é possível e o momento lhe consente porque um
turbilhão tomou conta deles que se viram um para o outro que se abraçam que se
beijam, tombam a cadeira em que ela se sentara, avançam para os quartos tal
qual um caranguejo que anda aos tropeções, ou de arrecuas, ou de lado, deixemos
a natureza cumprir o seu papel, centrem a fita, intervalo, desce o pano, é hora
de fazermos um intervalo, de desentorpecermos as pernas, ir ao bar beber uma
mini com umas pevides, fumar um cigarro ou beber uma bica, dois dedos de
conversa, descer aos lavabos e dar uma mijinha antes de embarcar na segunda
parte em que a cena abre simplesmente como é sabido de todos, os dois debaixo
de um alvo lençol braços de fora, fumando um cigarro e desenroscando lentamente
conversa cautelosa e ternurenta.
- De onde és
tu meu lindo e querido garanhão ? De onde apareceste Apolo ?
- Sou Alentejano de Monsaraz, nasci
naquela vilazinha bonitinha rodeada de mar, das águas de
Alqueva, e tu minha princesa, ou devo chamar-te Deusa ? ...