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terça-feira, 8 de novembro de 2016

395 - MONOGAMIA OU MONOTONIA, ENTÃO ?…

          

Eu estava nitidamente empenhado em não a deixar perceber que, a propósito da questão que nos opunha ela demonstrava não estar a ser uma mulher inteligente. A questão era mesmo essa, eu dissera qualquer coisa como mulheres inteligentes, apanhá-las, e ela respondera algo do género se elas deixarem, ora acontece simplesmente que mulheres inteligentes nunca se deixam apanhar. Tenho para mim que só um tipo burro, mas mesmo muito burrinho tentará apanhar uma dessas mulheres e tenho muitíssimas dúvidas que uma mulher dessas, inteligente, em casos como este veja a coisa como um jogo do apanha.

Pessoas inteligentes não se apanham nem se conquistam, encontram-se, aproximam-se, atraem-se, dão-se, enfim, tendem a gravitar-se, há como que uma tendência natural para que se procurem, se busquem ou se descubram e, a partir daí tendam, e a expressão inocente e inócua que pretendo utilizar é precisamente esta, tendem a que a companhia ou presença desfrute de situações comuns a ambos resultando num prazer bivalente que poderá não ser carnal, poderá nunca passar de um conhecimento privilegiado, de uma amizade sincera, de respeito mútuo, numa linha que todavia nada impede que possa ser esticada ou estendida até ao extremo oposto, acabando os dois na mesma cama, lugar aliás ou ponto de partida da questão esgrimida, já que fora eu a dar-lhe origem com um texto* que nessa situação colocava um par de jarras, um macho e uma fêmea. Poderá nem sempre ser assim, há amizades e simpatias entre mulheres, como há entre homens, a questão de género não é para aqui chamada.

No caso presente o detonador fora esse texto e os intervenientes, um casal imaginário digamos, chamemos-lhe um casal de fumadores.

- Até porque se assim não fosse seria adultério.

- E o que é o adultério, perguntei eu a essa minha contestatária amiga, uma vez mais sem mostrar nervosismo ou lhe demonstrar quanto a sua animosidade permanente me exasperava. Com esta jamais eu iria para a cama, ainda ou mesmo que a questão do adultério nem se colocasse.

- O adultério ? Um pecado, uma imoralidade, e uma ilegalidade.

- Mas eu só afirmei que se tratava dum casal imaginário, dum casal de fumadores, em parte alguma os tinha dado por casados ou descasados. Tu é que já estás a imaginar, a condicionar e a limitar as experiências possíveis, o que me diz muito sobre ti e nem de tal te apercebes. E agora atiras-me com essa, pecado o adultério ? Então não foi Deus nosso Senhor quem ordenou que nos amássemos uns aos outros, amai o próximo, não quero parecer antipático mas a tua resposta encerra uma série de contradições, e não só. És tu quem está sempre dizendo haver no mundo ódios a mais e amor a menos, então ? No que ficamos ?

- Está bem, tu percebeste-me não te armes em parvo, vai amar uma, há tantas, escolhe amar uma que não te obrigue a cometeres quaisquer infidelidades.

- Infidelidade, que é isso ? Quem inventou essa ? O teu mundo está cheio de regras, proibições, obrigações, deveres, imposições e castigos, para mim os dez mandamentos da tábua de Moisés já são demasiados, porém parece que não contentes com esses dez os homens inventaram mais.

- Seja como for não deixa de ser uma imoralidade, vocês homens, se pudessem comiam meio mundo e a outra parte.

- Já estás atolando-te de novo, amai-vos e reproduzi-vos, não te diz nada ? Olha que aqui bem perto e passado o estreito de Gibraltar a moralidade muda completamente sem beliscar a tua tão querida fidelidade, um homem pode ter uma data de mulheres sem cometer bigamia, trigamia, quadrigamia ou o diabo a sete, a poligamia é tradição, é aceite, faz parte da moral e os costumes. Uma vez em visita turística a Marrocos o guia, um marroquino bem disposto, a propósito não me recordo de quê definiu muito bem a diferença entre estes nossos dois mundos, dizia ele que monogamia era igual a monotonia, o Deus dele parece ser mais liberal e perdulário que o nosso, que o teu, respondi à tua questão ?

- Não me interessa a tua resposta, e ainda menos a questão, tu estás sempre mortinho por dar a volta às questões, a coisa é simplesmente imoral, é pecado, e digas tu o que disseres é ilegal, há leis, para o casamento, para o divórcio, para a guarda das crianças, para tudo, e acabou-se.

Ora finalmente estamos de acordo, há leis para tudo, e antes de as haver ? Leis dessas nem quinhentos anos terão, e leis ou decretos que obriguem à concórdia e felicidade há ? Tanta celeuma em redor de uma coisa que só tem que ver com a ideia e a felicidade de cada um, sabes o que costuma dizer uma minha cunhada ? É usar e lavar e está pronto para outra, não se gasta com o uso, não terá ela razão ?

- Devem ter um lindo casamento…

- Bem, velho de quase cinquenta anos já ele é, e nunca dei pelo mais pequeno berbicacho entre eles, ou ciúmes, ou azedumes, portanto a coisa terá funcionado lindamente. E se te disser que as minhas infidelidades como tu lhes chamas, salvaram o meu casamento mantendo longe da porta saturação e rotina ?  E se te confessar que nunca, nem por um segundo pensei abandonar esta companheira de há mais de quarenta anos e com quem tenho sido muito feliz ? E se te jurar que nunca menti a ninguém ? A nenhuma mulher ? Sempre fui fiel a mim mesmo e aos meus princípios.

O problema minha cara amiga é as pessoas desconhecerem haver perguntas que nunca devem ser feitas, não resistindo contudo à tentação de as formular. Nunca se deve fazer uma pergunta cuja resposta não nos agrade, e para imensas perguntas que temos na ideia temos também a resposta, quantas vezes antes da própria pergunta. São essas perguntas que devemos sempre calar. Tu consegues ? 

Sim, tenho uma moral e princípios, deixei de fumar há dez anos mas ainda gosto de cruzar as mãos por baixo da cabeça, mirando o tecto, lembrando o cigarrinho que fumava e olhando os dedo dos pés os quais gosto de ver mexendo, e enquanto falo estico as pernas, miro e remiro as unhacas, com as quais sou muito meticuloso, não vá arranhar as canelas de alguma lady Godiva.  

- És um santo tu, quem não te conhecer que te compre…

- Sou mesmo, Stº Humberto Expedito, um santo de pau, pau carunchosos atenção, mas um santo que dispensa as tuas leis, a tua moralidade, a facilidade com que fazes juízos de valor e cavalgas os teus preconceitos, tentando impô-los aos outros. Aposto que também serás democrata, daquelas democratas sempre prontas a pisar o risco para conseguirem o que pretendem, daquelas para quem os fins justificam os meios. Olha, vai falar com o Ronaldo …




domingo, 4 de agosto de 2013

156 - FIDELIDADES * por Maria Luísa Baião..............




Foi opção tomada há quase quarenta anos e nunca senti até hoje o mais pequeno arrependimento. Hoje conheço-o por fora e por dentro, satisfeita, saboreio-o com o prazer que só a maturidade permite, sem pressas, no sítio, na hora e do modo próprios, que é como deve ser, até para não enxovalhar as roupas.

Procuro-o, propositadamente por vezes, sei não ser a única, e não me importo. Todo mundo sonha com ele, com isso, especialmente no verão, porque nos faz esquecer este calor incandescente consumindo-nos. Pena que nem sempre isso suceda, por vezes sabe a pouco, e aos pouquinhos, no entanto, acende-se a labareda e a boca diz ao que vem, uma e outra vez, insaciada.

Existe um prazo para que o desejo aconteça, atinge o auge, o zénite, o perigeu, entre cinco minutos antes do primeiro roçar de lábios até, no máximo, cinco minutos depois. Pavlov chamou-lhe reflexo condicionado, eu chamo-lhe desejo insatisfeito. Seja o que for faz salivar…

Raras ocasiões lhe fui infiel, no máximo dez, ou vinte, o que, para quarenta anos, não é nada.

E fiel?
Quantas ?
Quantos dias ?

Milhares por certo, não me venham portanto com paternalismos serôdios que eu já sou crescida. Para além disso, nos meus gostos e nos meus actos, ninguém manda, que ninguém meta a colher.  

É que é gostoso, não cansa, não engravida, é prático porque não precisamos tirar a roupa, não precisamos sair da festa, dá saúde, alimenta a carne e o espírito. É bom.

Não que ande a sonhar com ele, e até talvez por o ter em casa sempre à mão… mas quando tal não acontece, que desalento, que tristeza, não que esteja grávida, mas o desejo primeiro, a pertinácia depois, e então olha, persigno-me e é o primeiro que aparece.

E que prazer quando ele me delicia, não é o mesmo que com qualquer outro, com qualquer um a coisa é rápida, uma necessidade de satisfazer o desejo, com ele não, com ele a coisa faz-se render, durar.

O primeiro toque costuma ser suave, interrogativo, como que para sondar ou matar saudades, decente. Aos pouquinhos, no entanto, acende-se a labareda e já não há modo de parar, é uma coisa muito nossa, muito pessoal, quase uma maneira íntima de colher o sabor do que se gosta, de dizer mil coisas em silêncio.

A sensação continua a ser a mesma de sempre, a vontade igual, o sabor idêntico, não vejo portanto motivos para parar ou reduzir. Gente insonsa sempre disse que o que é bom e sabe bem, ou faz mal ou é proibido, pois, sim abelha, se tiver que morrer ao menos que morra feliz.

Há muitos anos era delicodoce, hoje continua doce e delicado. Dantes era predicado, hoje verbo, sujeito, acção, emoção e torvelinho. Chego a temer que seja um sonho, que venham buscar-me desse sonho, de me ver encurralada num sonho.

Já lã vão dezenas de anos, experts do marketing mudaram-lhe o nome, gente que nada sabe pensando que sabe tudo há-de acreditar que a fidelidade assenta nisso. Nada mais falso, a fidelidade é algo mais profundo.

Há um abismo imenso entre o que pensamos o que sentimos e o que fazemos, e eles não sabem, nem nunca saberão.

Poucas vezes lhe fui infiel, mas às vezes calhou, às vezes longe de casa, onde dele nem sombra, às vezes calhou. Mesmo contrariada, já tem acontecido, afivelo um sorriso irónico, peço-lhe perdão e zás, lá vai, e lá calha.

Claro que estranho, claro que não é a mesma coisa, por isso volto à minha fidelidade, à minha preferência, ao meu gosto. Os tempos mudam, os hábitos ficam e fazem o monge.

Agora chamam-lhe "Supermaxi", e numa dobradinha como dizem os brasileiros, ou numa dupla, como nós dizemos, promovem-no a super por um lado e a maxi por outro, como se a etimologia ou a semântica tivessem muito a ver com o gosto gelado da baunilha e do chocolate.

    Aceito que a nível mundial esse nome possa impressionar alguém, que venda mais, muitos mais gelados que "Delicô", como se chamava e não tinha tradução possível e portanto nenhum significado especial, pelo menos para mim.

Mas tendo-lhe sido mudado ou não o nome a minha fidelidade estava jurada.

Não havia nada como aquele gelado da Olá.  

 In Diário do Sul, Kota De Mulher, – Évora,  por Maria Luísa Figueiredo Nunes Palma Baião, Publicado em 18-07-2005, pag. 4