Eu estava nitidamente empenhado em
não a deixar perceber que, a propósito da questão que nos opunha ela
demonstrava não estar a ser uma mulher inteligente. A questão era mesmo essa,
eu dissera qualquer coisa como mulheres
inteligentes, apanhá-las, e ela respondera algo do género se elas deixarem, ora acontece
simplesmente que mulheres inteligentes nunca se deixam apanhar. Tenho para mim
que só um tipo burro, mas mesmo muito burrinho tentará apanhar uma dessas mulheres e tenho muitíssimas dúvidas que uma
mulher dessas, inteligente, em casos como este veja a coisa como um jogo do
apanha.
Pessoas inteligentes não se apanham
nem se conquistam, encontram-se, aproximam-se, atraem-se, dão-se, enfim, tendem
a gravitar-se, há como que uma tendência natural para que se procurem, se busquem
ou se descubram e, a partir daí tendam,
e a expressão inocente e inócua que pretendo utilizar é precisamente esta, tendem a que a companhia ou presença desfrute
de situações comuns a ambos resultando num prazer bivalente que poderá não ser
carnal, poderá nunca passar de um conhecimento privilegiado, de uma amizade
sincera, de respeito mútuo, numa linha que todavia nada impede que possa ser esticada
ou estendida até ao extremo oposto, acabando os dois na mesma cama, lugar aliás
ou ponto de partida da questão esgrimida, já que fora eu a dar-lhe origem com
um texto* que nessa situação colocava um par de jarras, um macho e uma fêmea. Poderá
nem sempre ser assim, há amizades e simpatias entre mulheres, como há entre
homens, a questão de género não é para aqui chamada.
No caso presente o detonador fora
esse texto e os intervenientes, um casal imaginário digamos, chamemos-lhe um
casal de fumadores.
- Até porque se assim não fosse
seria adultério.
- E o que é o adultério, perguntei
eu a essa minha contestatária amiga, uma vez mais sem mostrar nervosismo ou lhe
demonstrar quanto a sua animosidade permanente me exasperava. Com esta jamais
eu iria para a cama, ainda ou mesmo que a questão do adultério nem se
colocasse.
- O adultério ? Um pecado, uma
imoralidade, e uma ilegalidade.
- Mas eu só afirmei que se tratava dum
casal imaginário, dum casal de fumadores, em parte alguma os tinha dado por casados
ou descasados. Tu é que já estás a
imaginar, a condicionar e a limitar as experiências possíveis, o que me diz
muito sobre ti e nem de tal te apercebes. E agora atiras-me com essa, pecado o
adultério ? Então não foi Deus nosso Senhor quem ordenou que nos amássemos uns
aos outros, amai o próximo, não quero
parecer antipático mas a tua resposta encerra uma série de contradições, e não
só. És tu quem está sempre dizendo haver
no mundo ódios a mais e amor a menos, então ? No que ficamos ?
- Está bem, tu percebeste-me não te
armes em parvo, vai amar uma, há tantas, escolhe amar uma que não te obrigue a cometeres
quaisquer infidelidades.
- Infidelidade, que é isso ? Quem
inventou essa ? O teu mundo está cheio de regras, proibições, obrigações,
deveres, imposições e castigos, para mim os dez mandamentos da tábua de Moisés
já são demasiados, porém parece que não contentes com esses dez os homens inventaram
mais.
- Seja como for não deixa de ser uma
imoralidade, vocês homens, se pudessem comiam meio mundo e a outra parte.
- Já estás atolando-te de novo, amai-vos e reproduzi-vos, não te diz
nada ? Olha que aqui bem perto e passado o estreito de Gibraltar a moralidade
muda completamente sem beliscar a tua tão querida fidelidade, um homem pode ter
uma data de mulheres sem cometer bigamia, trigamia, quadrigamia ou o diabo a
sete, a poligamia é tradição, é aceite, faz parte da moral e os costumes. Uma
vez em visita turística a Marrocos o guia, um marroquino bem disposto, a propósito
não me recordo de quê definiu muito bem a diferença entre estes nossos dois
mundos, dizia ele que monogamia era igual
a monotonia, o Deus dele parece ser mais liberal e perdulário que o nosso,
que o teu, respondi à tua questão ?
- Não me interessa a tua resposta, e
ainda menos a questão, tu estás sempre mortinho por dar a volta às questões, a
coisa é simplesmente imoral, é pecado, e digas tu o que disseres é ilegal, há
leis, para o casamento, para o divórcio, para a guarda das crianças, para tudo,
e acabou-se.
Ora finalmente estamos de acordo, há
leis para tudo, e antes de as haver ? Leis dessas nem quinhentos anos terão, e
leis ou decretos que obriguem à concórdia e felicidade há ? Tanta celeuma em redor
de uma coisa que só tem que ver com a ideia e a felicidade de cada um, sabes o
que costuma dizer uma minha cunhada ? É
usar e lavar e está pronto para outra, não se gasta com o uso, não terá ela
razão ?
- Devem ter um lindo casamento…
- Bem, velho de quase cinquenta anos
já ele é, e nunca dei pelo mais pequeno berbicacho entre eles, ou ciúmes, ou
azedumes, portanto a coisa terá funcionado lindamente. E se te disser que as
minhas infidelidades como tu lhes
chamas, salvaram o meu casamento mantendo longe da porta saturação e rotina ? E se te confessar que nunca, nem por um
segundo pensei abandonar esta companheira de há mais de quarenta anos e com
quem tenho sido muito feliz ? E se te jurar que nunca menti a ninguém ? A nenhuma
mulher ? Sempre fui fiel a mim mesmo e aos meus princípios.
Sim, tenho uma moral e princípios,
deixei de fumar há dez anos mas ainda gosto de cruzar as mãos por baixo da
cabeça, mirando o tecto, lembrando o cigarrinho que fumava e olhando os dedo
dos pés os quais gosto de ver mexendo, e enquanto falo estico as pernas, miro e
remiro as unhacas, com as quais sou muito meticuloso, não vá arranhar as
canelas de alguma lady Godiva.
- És um santo tu, quem não te
conhecer que te compre…
- Sou mesmo, Stº Humberto Expedito,
um santo de pau, pau carunchosos atenção, mas um santo que dispensa as tuas
leis, a tua moralidade, a facilidade com que fazes juízos de valor e cavalgas os
teus preconceitos, tentando impô-los aos outros. Aposto que também serás
democrata, daquelas democratas sempre prontas a pisar o risco para conseguirem
o que pretendem, daquelas para quem os fins justificam os meios. Olha, vai
falar com o Ronaldo …