Como tudo
está mudado ! Nunca pensei que volvesse pastelaria ! E tantos anos aqui
passados, jamais o tempo me apagará as recordações dessa época. Quase diria
terem sido os melhores anos da minha vida. Ali era a minha secretária, acolá a
do senhor Justo, coitado, que será feito dele? Olha! Nem de propósito ! A bolsa
que trago hoje foi oferta dele ! E que boa tem sido !
Coitado, não
aguentou esta crise, e era tão bom homem, sempre carinhoso comigo, se precisava
de alguma coisa ou não, e, verdade seja dita, mais nenhum homem reparou, como
ele reparava sempre, mas sempre, no baton que trazia, se trazia ou não, e se
não trazia porquê ? Que se passava ?
Sempre
solícito, se eu estava doente ? Se era desgosto ? Se eram aqueles dias ? Que
amor de homem, nada lhe escapava, se eu mudava ou deixava de usar um anel, a
mais pequena alteração no rouge, nada lhe escapava, era incrível !
E a megera
com quem era casado ? Era e é coitado, nem vale a pena dizer que nunca o
mereceu, nem merece, e os olhos que me mandava cada vez que vinha ao
escritório, até me arrepiavam ! Que mulher horrível ! Má, ciumenta,
desconfiada, nunca vi como aquilo ! O senhor Justo era precisamente o contrário
! Atencioso, carinhoso, merecia melhor, tirando o bafo no meu pescoço, que
devido ao tabaco eu detestava, até ao fim nunca tive a apontar-lhe a mais
pequena coisa, antes pelo contrário.
“PRECISA-SE
MENINA”… precisada ando eu, menina é que ora está bem, há quantos anos isso foi
?
Parece que a
minha sorte anda ligada à do senhor Justo, desde que ele adoeceu e fechou o
gabinete que não consigo arranjar trabalho, mas servir ? Fosse o senhor Justo o
homem que foi se ele alguma vez me deixaria andar a servir ! Era o deixavas !
Recordo tão
bem ! Ali era a minha secretária, acolá a do senhor Justo, sempre virados um
para o outro, e foram anos, sempre tão meu amigo, confesso que hoje estou
arrependida de o ter ofendido, eram outros tempos, se não era uma menina era
pouco mais, não devia ter ainda trinta anos, e recusar-lhe o apartamento e o
carro que me quis oferecer… hoje acredito que a minha recusa o tenha ofendido,
hoje acredito que ele não estava a brincar, que me amava mesmo, jamais o tempo
apagará as recordações dessa época, foram os melhores anos da minha vida.
Como o teria
feito feliz !
E nem teria
sido preciso muito, bastava ter sido diferente da megera com quem é casado,
coitado, nem vale a pena dizer que nunca o mereceu, nem merece, nem alguma vez
merecerá. Fomos tão felizes, podíamos ter sido tão felizes, amei-o de verdade,
tão bom homem, sempre carinhoso comigo, sempre solícito, nada lhe escapava, tão
atencioso, tão carinhoso, e eu, feita parva, ainda o ofendi com a minha
arrogância, não me perdoo.
Tão felizes
fomos aqui !
E já nem há
homens como ele, isso não há, não há e há muito tempo ! Ainda lembro aquela
vez, era Inverno, já passava das seis, ele estava a vestir-me a gabardina, de
repente faltou a luz, e lá fora já noite, e tão escura, os estores descidos, e
derrubámos os papéis todos da secretária ! Só no dia seguinte os apanhámos, foi
tão bom, foi desde esse dia que vi quanto ele me amava, devia ter deixado o
quarto, hoje tinha o apartamento, talvez não estivesse tão mal, tão só, ele
sempre quis o melhor para mim, eu é que fui parva.
Olha no que
deu a minha mania da independência.
Amei-o, não
posso garantir mas acho que a meu modo o amei. Ter-lhe-ia dedicado a vida, mas
como, se ele era casado ? Tenho a certeza que a nossa separação, mais que a
crise e a falência o prostraram no estado em que está, como teríamos sido
felizes ! Foram os melhores anos da minha vida, acabar ao lado daquela megera,
que pena, dizer que nunca o mereceu é pouco, nem alguma vez merecerá.
Fomos tão
felizes, podíamos ter sido tão felizes.