Culpa
da Isa que me pediu que escrevesse sobre a loucura. Louca ela que nem faz ideia
da dificuldade em que me meteu. Parvo eu que aceitei sem ter pensado no que me
metia. Mas como de sábios e de loucos todos temos um pouco, caí !
Estou
aguardando o espectáculo dos “Mão Morta”, loucura tem sido sempre o seu cartão
de visita, desta vez o móbil é o lançamento de novo CD com base nos “Cantos de
Maldoror”, obra bem antiga que esteve na berra há umas décadas, li muito novo e
me obriguei a reler mais tarde, já com outra maturidade.
Estou
curioso, “Adolfo Luxúria Canibal” não costuma deixar por mãos alheias todo o
mal que lhe possa ser assacado.
Não
vai chover, nem fazer frio nem calor, ter vindo de moto não me vai incomodar e
já ganhei, no tempo, no estacionamento para o qual não tive dificuldade e na
distracção, pois p’ra mim andar de moto é respirar, viver !
Os
preparativos enervam-me, estão fazendo propositadamente, querem apanhar-nos com
os nervos tensos ou em franja, faz parte do ritual, só avançarão quando
“sentirmos o bafo a morte de cão no pescoço”, esta atitude demencial já é minha
conhecida e peculiar a este grupo.
Relembro
outros espectáculos, a propositada tristeza das cores, o facto de aqui poder
sorrir sem parecer louco, que não haverá regras nem limite e podermos gritar à
vontade, expressar desordenadamente a decadência do coração, redimir ou
exprimir o que de pior há em cada um de nós, tanto faz, por isso vos pergunto,
onde a não ser num espectáculo dos “Mão Morta” poderemos gritar a verdade e rir
de tudo e de todos, até de nós mesmos ? Isto é uma festa !
E à
porta fechada vivemos o infernal delírio da exaltação do mal, quanto a isso só
vos posso dizer que o “Portugal Conection” não foi poupado e aconselhar-vos a
que vejam o próximo “live”, que isto é como uma irmandade.
São
agora duas da manhã num bar de má fama em Alfama, vou p’ra casa que Évora ainda
está longe, tão longe e tão perto, tão perto e tão longe que tudo o que ouvi
cantar e dizer lhe assenta como uma luva, não vivemos pois no paraíso, mas no
éden o que é diferente, porque nele tudo está por fazer e acontecer.
Pego
na moto, já me despedi das amizades velhas, conspícuas mas também promíscuas e
conspirativas que ao longo dos anos por estas lides tenho amealhado, dirijo-me
à portagem do Pragal, pois dali a casa é um saltinho, um pulinho.
Entre
mim e o céu nada, só tu estranho amor que de repente me entraste no pensamento
e pronto, cá estou eu a lembrar-te, não me sais da ideia e me forças a esboçar
um sorriso em tua glória, acelero, sinto todo o mundo por desbravar à minha
frente, a velocidade e o murmúrio do vento segredam-me mistérios incontáveis e
inconfessáveis, passo dos 150 aos 200, 250, 300 e o olhar turvasse-me, só o
pensar continua apostando num desígnio de vida, quando nada se tem a perder
desafiar a morte é uma sorte, quantas vezes o fiz já, nem lembro.
ESTOU
FARTO DE MIM !
Ouço
vozes murmurando, segredando, o pensamento ainda ecoando as passagens mais
mórbidas do espectáculo, preciso aliviar a tensão, acelero mais e mais, tenho o
diabo no corpo, este é mais um de tantos e tantos desafios em que não há
lógica, somente absurdo, poderá ser uma viagem mortífera, uma aposta, quem
ganhará, quem perderá ?
Sobre
mim o efeito desta luta e do júbilo conseguido em sobreviver enquanto a morte
me embala com o seu canto e eu, em vez de remorsos, penso em tremoços, lindas
coroas funerárias, flores em plástico, destroços, e para me distrair enquanto
devoro kilómetros, praguejo e trauteio blasfémias !
A
velocidade embrutece-me e extasia-me, a falta de nicotina derivada do abandono
do tabaco aumenta a adrenalina, isto não é casual nem efémero, tornou-se-me há
muito um vício, será eterno !
Nem
é a brincar, é a sério !
Dói-me
a alma, olho os manómetros, controlo a temperatura e a euforia, passo ao largo
do Montijo, cheira a merda, cheira sempre a merda nesta passagem, e o que é que
isso interessa ?
Nada
!
A
auto-estrada, que de carro é uma recta, a esta velocidade tem curvas que mais
parecem ter 90 graus !
Domino
a cólera, isto não dá mais ?
Deliro
com o espectáculo !
Poisa-pés
raspando o chão !
Desafio-me
a mim mesmo, cai ! cai ! fiz a curva a rapar o pavimento e esta merda não caiu
!
Foda-se
!
Vejo
o céu estrelado, só depois reparo serem faíscas que o metal da moto foi
deixando no ar ao raspar no chão ! O ar que respiro, o fogo que respiro,
alimentam-me a fornalha da cólera e da agitação !
Imagino
selvagens perseguindo-me, esporeio a montada, sinto-me como um dos últimos
colonos perseguido pelos índios ! Ou o primeiro de um batalhão de cavalaria !
Sou
Custer ! Grito desvairado !
Minha
alma vagabunda lembra que só tu amor, doce amor, terás um dia o segredo do meu
medo ! De repente entraste-me no pensamento e pronto, cá estou eu a lembrar-te.
Não vejo, não olho, não miro, não vejo mais que belas imagens, sonhadas,
imaginadas, ouço um acordeão, ou parece-me ouvi-lo, ora aí está um instrumento
que serviria e adoraria às mil maravilhas ter no meu funeral !
E
isto não dá mais ?
Olho
os manómetros, controlo a temperatura e a euforia.
Esta
merda não dá mais ?
Ai !
ai que vai cair ! vai cair ! olha a curva ! a moto a raspar ! olha o chão ! cai
! cai ! não caíu !
Foda-se
! inda não foi desta ! já me safei !
O
céu estrelado ! Deixem-me gritar ! Sorrir sem que me chamem louco !
Pus-me
à prova e venci uma vez mais ! Isto é uma festa ! Deixem-me rir de mim ! De
tudo ! De todos ! Que lindo !
Vinte
minutos Lisboa aqui !
Boa ! Haja quem faça igual ou
melhor !
Estou
em casa! Cama !
Amanhã
pelas nove lá tenho que estar, casaco e gravata, como quase sempre, sempre a
mesma merda !
Serve-te
Isa ? Este pedaço de loucura ?
Se
não p’rá próxima virás comigo à pendura, terás então uma outra visão das coisas,
oferecer-me-às ao menos uma amarga flor, talvez uma negra flor, o ideal para
levar a qualquer funeral, não ?
34 - MADNESS....
Blame
Isa who asked me to write about madness. She's crazy, she has no idea of the
trouble she's gotten me into. I was silly that I accepted without having
thought about what I was getting into. But as we all have a little bit of wise
men and fools, I fell!
I'm
waiting for the show of “Mão Morta”, madness has always been their calling
card, this time the mobile is the release of a new CD based on “Cantos de
Maldoror”, a very old work that was in the rage a few decades ago, I read it
very young and forced myself to reread it later, with a different maturity.
I'm
curious, “Adolfo Luxúria Canibal” doesn't usually leave all the evil that can
be blamed on him.
It
won't rain, it won't be cold or hot, coming by motorcycle won't bother me and I
already won, in time, in the parking lot for which I had no difficulty and in
distraction, because for me riding a motorcycle is breathing, living!
The
preparations unnerve me, they are doing it on purpose, they want to catch us
with tense nerves or fringes, it's part of the ritual, they will only advance
when "we feel the breath of the death of a dog on our neck", this
demented attitude is already known to me and peculiar to this group.
I remember
other shows, the deliberate sadness of the colors, the fact that here I can
smile without looking crazy, that there will be no rules or limits and we can
scream at will, disorderly express the decadence of the heart, redeem or
express the worst in each of us. It doesn't matter about us, so I ask you,
where, if not at a show by “Mão Morta” can we shout the truth and laugh at
everything and everyone, even at ourselves? This is a party!
And
behind closed doors we live the hellish delirium of the exaltation of evil,
about that I can only tell you that "Portugal Conection" was not
spared and advise you to watch the next "live", that this is like a
brotherhood.
It's now two in the morning in a disreputable
bar in Alfama, I'm going home that Évora is still far away, so far and so
close, so close and so far that everything I heard singing and saying fits him
like a glove, no we live in paradise, but in Eden what is different, because in
it everything is to be done and to happen.
I
take the bike, I have already said goodbye to the old, conspicuous but also
promiscuous and conspiratorial friendships that I have accumulated over the
years through these tasks, I head to the Pragal tollbooth, because from there
the house is a short hop, a hop.
Nothing
between me and the sky, only you strange love that suddenly entered my mind and
that's it, here I am reminding you, you don't get out of my mind and force me
to sketch a smile in your glory, I accelerate, I feel all the world to open up
in front of me, the speed and murmur of the wind whisper countless and
unspeakable mysteries to me, I go from 150 to 200, 250, 300 and my eyes clouded
over, just thinking continues to bet on a life plan, when nothing if you have
to lose, defying death is lucky, how many times I've done it, I don't remember.
I'M
SICK OF ME!
I
hear voices whispering, whispering, the thought still echoing the most morbid
passages of the show, I need to relieve the tension, I accelerate more and
more, I have the devil in my body, this is another one of so many challenges in
which there is no logic, only absurdity , it could be a deadly trip, a gamble,
who will win, who will lose?
On
me the effect of this struggle and the joy achieved in surviving while death
lulls me with its song and I, instead of remorse, think of lupines, beautiful
funeral wreaths, plastic flowers, wreckage, and to distract myself while I
devour kilometers , I curse and I hum blasphemies !
Speed
dulls and excites me, the lack of nicotine derived from quitting tobacco
increases adrenaline, this is neither casual nor ephemeral, it has long since
become an addiction for me, it will be eternal!
It's
not a joke, it's for real!
My
soul hurts, I look at the pressure gauges, I control the temperature and my
euphoria, I pass by Montijo, it smells like shit, it always smells like shit in
this passage, and what does that matter?
Anything !
The
highway, which by car is a straight, at this speed has curves that seem to be
90 degrees!
I
dominate the anger, this doesn't work anymore?
Delighted
with the show!
Footpegs
scraping the floor!
I
challenge myself, fall! falls ! I made the turn scraping the pavement and this
shit didn't fall!
Screw
this !
I
see the starry sky, only then do I notice sparks that the metal of the
motorcycle was leaving in the air when scraping the ground! The air I breathe,
the fire I breathe, fuel the furnace of anger and agitation!
I
imagine savages chasing me, I spur the mount, I feel like one of the last
settlers pursued by the Indians! Or the first of a cavalry battalion!
I'm
Custer! Crazy scream !
My
vagabond soul remembers that only you love, sweet love, will one day have the
secret of my fear! Suddenly you entered my mind and that's it, here I am
reminding you. I don't see, I don't look, I don't look, I don't see more than
beautiful images, dreamed, imagined, I hear an accordion, or it seems to me to
hear it, well here's an instrument that would serve and I would love to have at
my funeral!
And
this doesn't work anymore?
I
look at the gauges, control the temperature and the euphoria.
This
shit doesn't work anymore?
There ! oh it will fall! will fall! look at
the curve! the motorcycle to scrape! look at the floor! falls ! falls ! did not
fall!
Screw
this ! it still wasn't this one! I got away!
The
starry sky! Let me scream! Smile without being called crazy!
I
put myself to the test and won once again! This is a party! Let me laugh at
myself! Of everything ! Of all ! How beautiful !
Twenty
minutes Lisbon here !
Good
! Let someone do the same or better !
I am
home! Bed !
Tomorrow
at nine I have to be there, coat and tie, as usual, always the same shit!
Does
Isa serve you? This piece of madness ?
If
not next time you will come with me hanging, then you will have another vision
of things, you will offer me at least one bitter flower, maybe a black flower,
the ideal to take to any funeral, right ?