sábado, 3 de março de 2012

113 - "COMO ÁGUA PARA CHOCOLATE" ...............


Gostar de ler não é muito diferente de gostar de futebol, ciclismo ou qualquer outra ocupação de algum do nosso tempo livre. Evidentemente é necessário conhecermos algumas regras básicas essenciais para nos apercebermos do que estiver em jogo. Uma primeira experiência frustrada pode ser negativa para a opção que vier a ser feita por uma ou outra ocupação dos nossos tempos de lazer.

Tive a felicidade ou a sorte de quando jovem me ter deparado com leituras que fixaram o gosto ainda mantido pela leitura, mas esse feliz acaso não sucede lamentavelmente com todos nós. Existe quem conheça e bem, todas as regras deste ou daquele desporto, desta ou daquela ocupação, com os livros passa-se o mesmo. Há que conhecer os jogadores / desportistas, ou escritores, os seus melhores lances ou livros, o desporto que abraçaram ou o género, como convém conhecer as suas melhores performances ou obras, os troféus arrecadados, vulgo prémios literários, pelo que quando menos damos por isso estamos a discuti-los na praça pública com os amigos, defendendo ou atacando atitudes, comportamentos, a justiça ou a beleza do que vão dando à estampa, resumindo, criticando, analisando, (e aprendendo com isso) os valores, sentimentos e conhecimentos que as suas obras nos transmitem ou ensinam.

Como sucede com qualquer desporto ou ocupação de tempos livres tiramos da leitura prazer, porventura acrescido, já que pela nossa mente perpassam cenários e personagens não igualados ainda pelas mais refinadas tecnologias do cinema. Gosto de relembrar séries de obras e escritores, não totalmente escolhidos ao acaso, antes fruto da minha disposição ou de alguma circunstancia momentânea e eu entenda serem ideais para que, se seguirdes os meus conselhos de leitura, não vos sentirdes defraudadas (os) com as expectativas criadas para que podeis gozar de tempos prazenteiros, quiçá até cativadas (os) para hábitos de leitura nunca tidos, devido ao simples desconhecimento de quanto pode ser boa a leitura.

Hoje falaremos de uma escritora mexicana, durante muito tempo considerada autora de uma obra só, mas que viria entretanto a publicar uma segunda (quanto a mim mero aproveitamento literário do êxito estonteante conseguido com o primeiro livro, fenómeno que se vai tornando habitual e contra o qual temos que estar atentos), e de quem sei ter sido lançada uma terceira obra, cujo título não lembro agora. Trata-se de Laura Esquível, autora do celebérrimo romance “Como Água Para Chocolate” e posteriormente de “ A Lei do Amor”, de que não gostei, ambos editados pela ASA. Nascida em 1950, foi professora, escritora de obras teatrais dedicadas à infância e aos trinta e cinco anos enveredou pela difícil arte da escrita de guiões para o cinema.

“Como Água Para Chocolate” o seu primeiro romance, deu-lhe fama internacional, pois foi traduzido em mais de trinta línguas e publicado em cerca de oitenta países, tendo vendido mais de quatro milhões de exemplares em todo o mundo. Fama e fortuna, pois permitiu- lhe em 1994, ganhar o ABBY ( American Booksellers Book of de Year), prémio pela primeira vez atribuído a um escritor estrangeiro. Já anteriormente Laura Esquível havia arrebatado o Prémio ARIEL, uma nomeação da Academia de Ciências e Artes Cinematográficas do México, pela escrita do guião do filme “ Chido Guán, El Tacos de Oro”, tendo o filme produzido a partir do seu primeiro romance sido igualmente premiado no Festival de Huelva, aqui ao lado na vizinha Espanha.

A propósito da “Lei do Amor”, o tal de que não gostei, um dos mais famosos críticos mundiais afirmou ter a obra sido; “Um dos textos mais sugestivos, mais brilhantemente escritos, mais inteligentes e mais arrebatadores dos últimos tempos”, o que nos deve servir para colocar de atalaia quanto a toda e qualquer crítica ou crítico… e quanto a mim claro…

No concernente à primeira obra, a que lhe deu fama e fortuna, “Como Água Para Chocolate”, cuja trama roda à volta da cozinha, cada capítulo abre com uma receita culinária, de tudo o que menos conta e interessa no livro, debruça-se essencialmente sobre pensamentos e comentários tidos e ditos à volta dessa mesa de cozinha, divisão que na época retratada pela obra ocupava o espaço social por excelência, espaço que hoje atribuímos às salas de estar.

São os pensamentos e comentários dos comensais quem dá corpo ao livro, nos prendem com as histórias dos amores e desamores, seus risos, prantos, paixões e ódios. Celebrando o triunfo da alegria e da vida, sobra a tristeza e a morte, a leitura desta obra é um prazer para os sentidos e um hino à liberdade criativa da “mulher”. Não deixem de ler, é gostoso como chocolate !!!!!  

domingo, 26 de fevereiro de 2012

112 - AINDA O TEU OLHAR.............................



AINDA O TEU OLHAR.....

Olhos que procuro em outro olhar
de santidade e maldade,
sortilégios e sacrilégios de
insondáveis mistérios,
a desvendar os meus mistérios.

Charmoso , envolvente
que me deixa insegura
difusa, confusa,
olhar que me salva e absolve.

De sorriso torto, menino maroto
e sim... com jeito de peixe-morto
assanhado, safado, brejeiro,
meio moleque, cafajeste, debochado,
tipo Jack Nicholson.

Olhos de jade, da cor de mel
do mar, de ônix,
vivaz, inteligente,
de jogador de xadrez,
soberano, de divindade
filosófico, mitológico
olhos que cheiram a jasmim
e sabor achocolatado,
mal apagados, fumegantes
prontos para se rebelarem
em chamas tremeluzentes,
faíscam, chocam e entrechocam.

São excitantes, de puros pecados
húmidos, bem desenhados
puritanos, abismais, lascivos, mundanos
que provocam agitações intermitentes
e sensações calientes, perscrutantes, experientes
na arte de se projectar, no prazer de aparecer
sem culpas e desculpas,
na única certeza de sentir-se desejado
mais... mais… e muito mais...

Ardente e libidinoso, suspira, transpira e inspira
convites ao prazer,
useiro e vezeiro nas incursões
e excursões de sentimentos e sentidos
e no embate do corpo-a-corpo.

Olhos pirotécnicos, que queimam e incendeiam
num fogo invisível, volátil, faíscam, fagulham, ardem
deixando a carne exposta, derretendo o coração
sumindo, assumindo e consumindo
até virar fogo vivo.

Amo olhar o teu olhar, olho para te amar
ler, absorver e ouvir através deles
frases românticas e vulgares, aceitar o apelo da vida
aproveitando cada segundo vivido
sonhando esse sonho enquanto é possível
fadado a não durar muito.


Iluminam meus dias, quebrando a monotonia,
alimentando desejos ocultos, adormecidos
olhos inabitáveis, que me alheiam à realidade
lembrando-me de lembrar, onde e quando começou
o ponto de partida, o meio do caminho, e o final.
perdi-me nesse teu olhar brilhante,
incessante, de eterno viajante.



Nilza Rouquentin in: http://biarouquentin.blogspot.com/ - 2 de Janeiro de 2012 - 12:23h




segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

111 - ELE INVENTAVA O FUTURO !!! ......................


Seria uma radiosa manhã como qualquer destas com que os últimos dias nos presentearam, pois foi numa ilusão de calor e num torvelinho de luminosidade que o vi, brilhando entre as verdes ervas orvalhadas dessa véspera de Verão.

Era a última matina de aulas antes das férias e, como habitualmente, eu e o Grilo percorríamos essa hora de caminho do bairro até à escola, como Tarzan percorreria um novo troço da selva ou Emílio Salgari uma novel aventura.

Onde cresceram prédios subíamos nós gatinhando, a íngreme ribanceira para, torneando a padaria plantada no meio de nenhures, aspirarmos profundamente o cheiro a pão acabadinho de fazer nesse alvorecer e vivermos mais uma aventura do far west, esgrimindo espadas de cavalaria ou revólveres de pioneiros em defesa da ponte ferroviária, último baluarte existente na pradaria e antes de nos embrenharmos na selva de betão da gente fina da cidade.

Foi nesse derradeiro pedaço do trajecto, na vereda de atalho para quem demandasse a padaria, que o vi entre as ervas brilhando ante os raios de sol ainda frescos mas já luxuriantes, refulgindo ante os meus olhos muito mais que o teria feito o tesouro do Barba Negra, tantas vezes por nós procurado naquele Caribe que, pelas 8:30, a realidade nos sonegava.

Sem temer as chispas que o sol nele libertava logo o limpei às calças remirei e guardei numa olhadela e manobra rápidas, antes que o Grilo reclamasse metade do achado e meti-o ao bolso onde decerto o seu lindo cabo vermelho continuou cintilando.

Mantive aquele maravilhoso canivete durante anos, numa caixa de papelão por mim forrada a papel veludo e destinada aos meus tesouros, cuja maioria ainda guardo, apesar da sua manifesta inutilidade. O canivete foi mesmo dos poucos tesouros de que me desfiz, pois não resisti a oferecê-lo ao meu filho, quando fez meia dúzia de anos e o homem que eu fora despontava nele.

Mas ficou-me na consciência o peso dessa ocultação ao Grilo, pois ele nem era merecedor de tamanha desconfiança. Foi e ainda é a meus olhos, a pessoa mais séria que terei conhecido, mais sério mesmo que o Texas Kid, o Flash Gordon, o Tarzan, o Simbad, o Emílio Salgari, o Barba Negra, o Zorro ou o Tonto ou todos eles juntos vos garanto.

O Manuel Grilo era o Geppetto das estórias inventadas e das aventuras vividas. Ele inventava o futuro ! E eu boquiaberto, de orelhas assestadas, deslumbrava perante as visões que me descrevia e se propunha cumprir quando fosse crescido e de como eram viáveis e funcionariam !

Então ajudava-o a planear helicópteros de um lugar só ou gigantes dos ares, submersíveis para desbravarmos os charcos do Xarrama ou unidades maiores e bem capazes de defender a nossa costa dos mouros que, segundo o professor Pulga, sempre tinham tentado dominar-nos. E embevecido, era ouvi-lo inventando e descrevendo parafusos sem rosca e cardans funcionando com princípios que só hoje a física dos super-condutores e as baixíssimas temperaturas permitem ! Grilo era o capitão Nemo do Júlio Verne daqueles dias e bastas vezes me maravilhou com visões que somente muitos anos mais tarde, já homem feito, vim a observar noticiadas como acabadas de inventar ! 

Zingarelhos e aparelhos, invenções de cientista louco e aventuras de capa e espada eram o pão de cada dia nessas horas do percurso de e para a escola, recheado de ribanceiras, silvados, flores, valetas profundas de grosso caudal que submergiriam um qualquer ao mínimo descuido ! Nem Geppetto, nem Willy Fog e a sua volta ao mundo em oitenta dias, alguma vez superaram as aventuras vividas por mim e pelo Grilo nessas idas e vindas dos tempos em que havia Primaveras e Verões, Outonos e Invernos como deviam ser e não esta mariquice mesclada que agora nos dão, como esta politica que aceitamos pior que tomaríamos o óleo de fígado de bacalhau dado às colheradas na cantina escolar. 

A cada passo e a cada esquina reinventávamos o Flash Gordon, o Super-homem e a vida, o futuro e as soluções, a amizade, o amor e os sonhos, o mundo ! Lembro-me que tão amigos éramos que até a Lurdes dividíamos e namorávamos a meias e, para lhe chegarmos, transpúnhamos à vez o alto muro que separava os quintais onde vivíamos aventuras e aprendizagens que nem a Júlio Verne haviam lembrado ocasião alguma…

O Grilo seguiu a técnica que os seus sonhos tinham há muito delineado e é hoje um quadro altamente especializado, a vida separou-nos, mas continuamos amigos, eu entre os doutores e engenheiros deste país adiado e esperando que Platão e Sócrates (o filósofo) comecem de novo a fazer as perguntas que ficaram sem respostas e esquecidas nas gavetas dos supra-numerários…

A mim encontram-me por aqui, ao Manuel Grilo entre os meus amigos de sempre, sempre de óculos, tal qual o Geppetto de que vos falei… um bom amigo !

Abraço apertado e saudoso Manuel Grilo ! ! ! ! *










terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

110 - O MEMBRO..........................................................




Inexoravelmente vivo os “cinquentas” com todas as preocupações a que me vejo obrigado, não devo ser muito diferente de qualquer um de vós, a idade, reconheço agora, tudo dá e tudo tira, há muito o sabia, não queria era aceitá-lo.

Tal como não suporto já os excessos de quando tinha vinte anos, ou mesmo trinta, é sobretudo este membro o meu ponto fraco, e em simultâneo, quem me obriga a aceitar o que o espírito se recusa a reconhecer.

Atingida a meia idade, daqui para a frente é decair, mas com cuidado e devagar.

Já foi para mim motivo de orgulho este membro, motivo até de virilidade e afirmação, já foi, e é aí que está precisamente o mal, já foi..., já não é.

E o pior é que, contra toda e qualquer lógica, tenho alguns pruridos em consultar um médico, sei que não me vou sentir à vontade na sua frente, já que para agravar tudo o meu médico de família, é uma médica.

Que lhe vou dizer ?, que de há uns tempos para cá este membro não é o mesmo ?, que não se ergue como antigamente ?, que não suporta metade do esforço que suportava até há bem pouco tempo ?.

É difícil aceitarmos certas coisas, sobretudo aquelas que mexem connosco, com a nossa psico, com o nosso mundo interior, a nossa intimidade.

Este membro anda realmente a dar-me a volta à cabeça, e quanto mais penso nisto, piores parecem ser os resultados e os sintomas.

É tão grande a minha apreensão que chego a sonhar que o dito membro foi cortado cerce, então acordo sobressaltado, encharcado em suor, temendo o pior, mas aliviado por tudo não passar de terror onírico, talvez baseado nas minhas recalcadas e subconscientes preocupações diárias de macho latino.

Tenho abordado o assunto com alguns amigos mais chegados, que além de não acusarem os mesmos sintomas, ainda que partilhem comigo a idade, não deixam de comentar a gravidade do sucedido (comigo) e serem peremptórios em afirmar não desejarem por nada deste mundo estar na minha pele.

Ás vezes ponho-me a pensar se haverá alguma hipótese de fazer com que este membro volte a manifestar a força, o vigor, a resistência de antigamente.

Sei lá, a medicina hoje está tão evoluída, a Fisioterapia tem taxas de sucesso tão elevadas. É que para mim seria um milagre, um milagre que me faria rejuvenescer dez anos, se não mais.

Já me disseram que há agora uns comprimidos que são uma maravilha, mas não sei, sou um pouco avesso a essas coisas dos comprimidos, sou mais adepto dos métodos naturais, mesmo até na alimentação.

Não desejo isto ao meu maior inimigo, o problema não são as dores no membro, que melhor ou pior se suportam, mas a falta de força, que leva por vezes a que não consiga suportar esforços que dantes eram pura brincadeira.

Até um par de calças o maldito membro não consegue já suportar sem deixar cair !

E o relógio ? esse tive que o passar para o outro pulso.

O meu membro superior esquerdo anda a preocupar-me deveras. São as dores nas articulações, em especial no cotovelo, são as dores provocadas pelos movimentos de rotação ao nível do pulso, são as dores no antebraço quando comprimo os dedos.


Para tornar tudo mais negro, os bíceps, de que me orgulhava, estão (está) uma sombra do que eram, e eu, que me orgulhava de derrotar a todos no “braço de ferro”, precisamente com aquele membro !  


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

109 - VARANDIL ... JANELA DE MONSARAZ ...


Subi um dia há muito tempo já ao varandil, agora com acesso vedado mor dos perigos de abatimento do piso e que me pareceu não comportar mais que meia centena de pessoas, contudo há cinquenta anos eu furava pelo meio de umas boas centenas delas, todas dançando e foliando nesse dito varandil, como ainda hoje é chamado o espaço que cobre a agigantada cisterna de Monsaraz e que agora me parece tão pequena, a cisterna e esse espaço, não essa terra, terra onde nasci e vivi estórias de encantar. 

Meditando, me acudiram à memória os meus tempos de adolescência, em que, nesse terraço, mas num outro mundo diria, tive a minha iniciação. Ali passei então muitas das minhas férias estivais quando rapaz, ali deixei agarradas ao xisto rude das pedras, paixões e recordações vividas em dias de festa, ou não, a que se juntam as memórias de umas gasosas e outros tantos pirolitos.

Nas noites limpas e frescas todo mundo buscava o varandil, dele se avistavam, e avistam, terras de Espanha e Portugal. Badajoz e Elvas contam-se entre as mais importantes de todas as que a nossa vista dali consegue alcançar, agora com a moldura enriquecida pelo espelho das águas reflectidas do grande lago de Alqueva.

Pensando nisto senti o tempo recuar, até aos meus doze, treze ou catorze anos. Entre outras, grata me é a recordação de uma boneca loura, de tranças até à cintura, e por mor de quem eu aprenderia toda a catequese. Por mor dela ganhei também, a paciência e o coração que tenho hoje, grande, enorme, capaz de albergar toda a gente. Tudo porque me abriu os olhos para a amizade, o amor, a dádiva, a entrega, a solidariedade, a comunhão, coisas em que me iniciou, ela, que a menarca tornara mulher de um dia para o outro, a mim, adolescente imberbe e tímido, devedor eterno da sua sabedoria. 

Com ela tudo aprendi, a suavidade no trato e nos gestos, o comedimento nas palavras, a diplomacia dos contactos, o cavalheirismo, a etiqueta para com o sexo oposto, pois que, como me dizia, os géneros eram três, a saber; masculino, feminino, e as mulheres, pelo que havia que ter sempre em conta que essa coisa que ainda hoje dá pelo nome de gramática, era manifestamente insuficiente para regular as relações entre estas espécies.

Hoje tudo isto parece inconcebível, hoje, que tantos advogam o contrário daquilo em que formei carácter e personalidade, feministas fazem por ser tão rudes quanto os homens, e estes, maioritariamente se entretêm cultivando um marialvismo mais ibérico que latino, e um machismo que os poderá levar a Hollywood mas dificilmente ajudará a conquistar um coração tão especial e sensível como o que qualquer mulher guarda que nem tesouro, isto quando os modernos machos não se arrogam de um feminismo libertário e libertino que tenho muitissíma dificuldade em aceitar.

Certa gente não entende pois que, passados tantos anos, muitos, eu mantenha tão arreigados hábitos, ainda que aparentemente fora de moda, e, num tempo em que para mim já nada contam esses pormenores, rodeado que me encontro de problemas mais prementes, questões mais candentes e assuntos mais importantes a que dedicar atenção e energias, correndo embora o risco de um epíteto desqualificativo por antiquado, cá vá rodando as rodas da minha nora e fazendo com que os alcatruzes não assomem vazios, mas, pelo contrário, sempre cheios de amizade, alegria, jovialidade, esperança, graça, deleite, gáudio, e um espírito sempre em festa, que eu procuro continuar disseminando por onde passo.

Contudo e mau grado de quando em vez esqueço estes ensinamentos sábios e erro, como qualquer mortal, pelo que desculpa peço já a quem tenha melindrado. Não sou pretensioso, mas a segurança em excesso e o facto de ser extrovertido, em muitas ocasiões contribuem para que me julguem mal. Entre um pirolito e outro, coisa que muita gente nunca viu nem saberá o que é, ou foi, lembro ainda essa amiga que nem meia dúzia de anos namorisquei, a quem tanto devo e nunca mais vi.

O Processo Revolucionário Em Curso, o celebérrimo PREC, fez com que nos tivessem esquecido mas também nos separou e, advogados poderosos, já depois de toda a sua família resguardada no Brasil, recuperaram as herdades perdidas que rapidamente venderam aos espanhóis, tendo sido a primeira transacção do género, hoje tão contestado, de que tive conhecimento. 

Mas enquanto nos esqueciam, preocupados com greves, manifestações e ocupações de terras, nós crescíamos a olhos vistos, curiosidade e vontade sempre espicaçando a nossa sede de descoberta, de tal forma que nas suas mãos me fiz homem e dela fiz mulher a sério, coisa que muito nos honrou e a ela devo, numa dívida de gratidão inesquecível e imperecível.

Quantas vezes, com quanta saudade a recordo só eu sei, já nem lembro bem a sua fácies, quarenta e tal anos se passaram, mas a beleza que irradiava, a doçura que exalava, tocaram-me de forma tão profunda que, em cada mulher a revejo, em cada mulher a considero, em cada mulher a venero e lhe agradeço o tanto que lhe fiquei devendo. Com ou sem razão, a ela devo tanta da felicidade de que hoje desfruto, mau grado a avalanche de problemas com que, como qualquer de vós me deparo, uma coisa não faço, pré ocupar-me ou seja acumular, arranjar ou tornar problema qualquer coisa que racional e rapidamente possa ser resolvida.

Razão tinha uma ciganita que há muitos anos me leu a sina;

- Deixa lá, o que interessa está para vir, não te aconteceu ainda, não te preocupes pois com o que foi, não tem qualquer importância, repara nesta linha da tua mão, vida e amor a perder de vista ! Sortudo ! Passa para cá não uma mas duas moedas !

               E vai contente ! O futuro é contigo !

- Será que ela tinha razão, será que já esqueci essa cigana  e ando por vezes perdendo tempo com problemas que o não são ?